domingo, 8 de março de 2015

Gazeta do Povo, advertências de Roberto Romano sobre o que pode acontecer nesta terra.



Fabiana Ortega Vasconcelos Manifestações em junho de 2013: sintoma da crise institucional no país. | Fabiana Ortega Vasconcelos
Manifestações em junho de 2013: sintoma da crise institucional no país.
protestos

O povo na rua: a culpa é de quem?

Semana promete protestos nas principais capitais do país, da CUT a movimentos
anti-Dilma


Publicada em 08/03/2015 às 17:35

O povo na rua: a culpa é de quem? - Por Chico Marés

Semana promete protestos nas principais capitais do país, da CUT a movimentos anti-Dilma
A próxima semana promete gente na rua no Paraná e no Brasil. Grupos de militantes antipetistas organizam protestos de grandes proporções para o dia 15, nas principais capitais do país. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) também deve realizar atos nas capitais, no dia 13. Curitiba convive com a possibilidade de greve de motoristas e cobradores de ônibus – e os professores continuam acampados em frente ao Palácio Iguaçu.

Por trás da insatisfação generalizada, há um componente bastante preocupante: as instituições políticas do Brasil perdem credibilidade a cada dia. O custo de uma crise permanente no país, causada em grande parte pela classe política, pode colocar em risco a lenta construção do estado democrático.
Dois fatores ajudam a colocar lenha na fogueira. O primeiro é a economia. Desde 2011, o país passa por um processo de desaceleração econômica – e chega a 2015 em um cenário de custo de vida crescente aliado a retração da economia. O segundo é a Operação Lava Jato, que colocou sob investigação a nata da classe política brasileira por desvios na Petrobras.

Na rua

Veja 10 motivos pelos quais o Paraná e o Brasil estão protestando em 2015

Esses fatores conjunturais, entretanto, se somam a uma queda de confiança geral nas instituições que é bem mais profunda. O Índice de Confiança Social (ICS) das instituições brasileiras, medido pelo Ibope para avaliar a credibilidade das instituições no Brasil, caiu de 58 para 49 entre 2009 e 2014. As instituições mais mal avaliadas são os partidos políticos e o Congresso – justamente a base do sistema democrático.

Adversários devem ir às ruas

CUT pede que governo de Dilma Rousseff “volte à esquerda”; Revoltados On-Line quer impeachment da presidente e do seu vice


Para o professor de filosofia política da Unicamp Roberto Romano, as ações da classe política, como as “mentiras absolutamente puras” sobre direitos trabalhistas usadas por Dilma Rousseff na campanha eleitoral, e os crimes revelados pela Operação Lava Jato, colaboraram para recrudescer um processo de deterioração da imagem institucional brasileira. Isso leva a um clima de contestação legítima, nas ruas, dessas instituições.

Entretanto, Romano acredita que há o risco de que esse clima de desconfiança generalizada esteja favorecendo o discurso autoritarista no país. Nos últimos meses, foram realizados diversos atos pedindo a intervenção militar no país. Para o professor, a situação é preocupante. Segundo ele, contextos similares levaram a ditaduras violentas no país no século passado. “Os que dizem que nunca mais o Brasil sofrerá um golpe devem pensar três vezes”, afirma.

Protestos

A realização de manifestações nesta semana não será uma exceção no cenário da política atual. Em 2013, manifestações gigantes cobraram melhores serviços e reforma política no país. Desde o final do ano passado, a vida política do país, e especialmente do Paraná, vem sendo marcada por uma sequência de protestos – na maioria dos casos, democráticos. No mês passado, por exemplo, professores e servidores públicos tomaram as ruas de Curitiba para reclamar contra “calotes” e medidas de austeridade do governo estadual. Caminhoneiros paralisaram estradas para protestar contra medidas do governo federal.

A mobilização da população tem trazido alguns resultados importantes – pelo menos sob a ótica dos manifestantes. No caso da greve dos professores e servidores, os manifestantes forçaram a retirada de projeto que extinguia benefícios e unia fundos do Paranáprevidência. A pressão popular decretou, também, a morte das votações em comissão geral – o popular “tratoraço” na Assembleia. Os caminhoneiros também conseguiram forçar o governo a ceder a algumas demandas da categoria.

Na Rua

Veja 10 motivos pelos quais o Paraná e o Brasil estão protestando em 2015

1 Crise Econômica: A situação econômica do país é o fator que ajuda a unir todos os outros fatores. Nos últimos anos, o país passa por um processo de desaceleração econômica e crescimento da inflação. Os reflexos dessa crise foram responsáveis por engatilhar os principais protestos contra o poder público até o momento.

2 Aumento do custo de vida: Mais inflação significa que fica cada vez mais difícil pagar as contas do mês. Como se isso não fosse suficiente, os governos federal, estadual e municipal aumentaram tributos, taxas e tarifas para compensar a crise. Esse cenário mobiliza as pessoas a saírem às ruas para questionar os governos por “pagar o pato” da crise econômica – a greve dos caminhoneiros é um exemplo.

3 Medidas de austeridade: Os impostos não são a única forma de desagradar a população. O governo federal colocou no seu “pacote de austeridade” medidas que restringem acesso ao seguro-desemprego. O estadual apresentou propostas que prejudicam a carreira de servidores, especialmente os professores. Isso colabora para piorar a imagem dos governos.

4 Irresponsabilidade administrativa: A população avalia que a crise econômica e a crise de caixa dos governos federal e estadual são fruto da própria incompetência dos governantes reeleitos – e foram escondidas durante a campanha. Um exemplo é o fato de que a arrecadação cresceu 56% em quatro anos no Paraná, e mesmo assim o governo não consegue arcar com suas obrigações. Outro exemplo são as dificuldades na gestão elétrica causadas pelo governo federal.

5 Estelionato eleitoral: Dilma Rousseff (PT) se elegeu dizendo que não mexeria em direitos dos trabalhadores, mas tomou medidas na direção oposta. Beto Richa (PSDB), por outro lado, disse que pôs “as finanças do estado em ordem” e começou seu governo tendo que admitir que as finanças não estavam em ordem. Assim, o eleitor se sente enganado e convidado a protestar.

6 Insensibilidade política: A falta de tato político tem jogado instituições no olho do furacão. Um exemplo foi o Tribunal de Contas (TC): no auge das manifestações dos professores, os conselheiros decidiram conceder a eles próprios o benefício do auxílio-moradia. Na reação à crise estadual, o governo optou por um “tratoraço” que acabou se provando desastroso para sua própria imagem.

7 Calotes: Sem dinheiro, governos tem deixado de pagar suas obrigações. Em Curitiba, entre janeiro e fevereiro, servidores municipais da saúde e motoristas e cobradores de ônibus entraram em greve por falta de pagamento de benefícios já adquiridos. Isso também foi um dos motivos para a greve dos professores.

8 Crise ética: A Operação Lava Jato expôs o grau de envolvimento de políticos e empresários com diretores da Petrobras. A dimensão dos desvios ocorridos na estatal e a quantidade de políticos envolvidos com o caso contribuiu para uma piora linear da imagem das instituições políticas no país, e serviu como combustível para que as pessoas questionassem o governo federal.

9 A era da informação: Com a internet, nunca circulou tanta informação no mundo. Somando isso ao amadurecimento da democracia, o poder público nunca foi tão transparente no Brasil. Assim, informações que teriam ficado em uma gaveta escondida no passado chegaram à população. E a população parece não estar gostando do que está ouvindo.

10 Instituições em crise: O grau de confiança da população nas instituições diminui a cada dia – e, pior, quem puxa a queda são justamente as instituições mais importantes da democracia, como os partidos, o Congresso e o sistema eleitoral. Por um lado, pode servir de incentivo para a mudança na classe política. Por outro, pode ser um convite ao pior: a própria democracia em risco.

Autor: Chico Marés
Fonte: Gazeta do Povo