terça-feira, 31 de março de 2015

QUEM IUPPITER VULT PERDERE, DEMENTAT PRIUS...


Operação Lava Jato

Estou indignado com a corrupção, diz Lula em ato em defesa do governo
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Do UOL, em São Paulo

  • Nelson Antoine/Frame/Estadão Conteúdo
    Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante ato em favor do governo, em São Paulo Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante ato em favor do governo, em São Paulo
Em discurso nesta terça-feira (31) para sindicalistas e lideranças políticas de esquerda no Sindicato dos Bancários de São Paulo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a Petrobras, afirmando que os delatores da operação Lava Jato são "bandidos que passaram a virar heróis" para os partidos de oposição e que está "indignado" com a corrupção.

"Se tem um brasileiro indignado, este sou eu. Quero saber se alguém vai ter coragem de dizer que esse moço esteve envolvido com corrupção. Mas ele conquistou o direito de andar de cabeça erguida", disse Lula, referindo-se ao ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli, presente no evento. "Já o bandido pega 40 anos, vai fazer delação premiada e vira herói. Diz 'ouvi falar', 'eu acho que...' e nem precisa de juiz, a imprensa já condenou." 

"O que estão fazendo com a Petrobras, que tudo é bandalheira, se esquecem de dizer uma coisa. A Petrobras é uma empresa de alta governância, mas se teve corruptos lá dentro, não foi uma totalidade, mas uma ou outra pessoa que deve pagar o preço por ter enganando o povo brasileiro", disse.
Lula também discursou em defesa da presidente Dilma Rousseff, que vem sendo alvo de uma onda pró-impeachment por parte de novos movimentos políticos como o Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre.

"Esse país nunca teve ninguém com a coragem de Dilma para fazer investigações onde quer que seja preciso. Fomos nós [os governos petistas] que colocamos um representante do Ministério Público indicado pela categoria, sem interferência do governo. Fomos nós que dobramos o número de policiais federais, os investimentos em inteligência".

Recentemente acusado de dividir politicamente o país em seus discursos, Lula disse que não pretendia fazer isso, mas que "os de baixo nunca apareceram no discurso deles. Só queria que os pobres subissem um degrau na escala social deste país".

De acordo com a direção do PT, o evento desta noite é "em defesa dos direitos da classe trabalhadora, por mais democracia, pelo combate à corrupção e em defesa da Petrobras". Além de São Paulo, outras cidades também estão realizando plenárias pró-governo nesta noite.

Rui Falcão

O presidente nacional do PT, Rui Falcão, também defendeu Gabrielli.

"Ele levou a Petrobras a ser uma das maiores empresas do mundo e agora está sendo injustamente perseguido", afirmou Falcão sobre Gabrielli, que estava presente no ato. O presidente do partido atacou os opositores. "Não queremos afirmar o projeto do PT ou do PC do B, mas o projeto de desenvolvimento do nosso país".

"Eles [a oposição] querem criminalizar as doações legais. Para nós, dizem que é propina; para eles, é contribuição", disse Falcão. As doações de campanha ao PT nas últimas eleições estão sob suspeita nas investigações da Lava Jato, devido à proximidade de datas entre pagamentos feitos pela estatal e contribuições eleitorais de empresas envolvidas no caso.

Dilma e a liberdade de imprensa. Estadão

Liberdade de imprensa é uma das pedras fundadoras da democracia, diz Dilma

Rafael Moraes Moura e Lisandra Paraguassu - O Estado de S. Paulo
31 Março 2015 | 12h 15

Declaração foi dada pela presidente durante posse a novo Secretário de Comunicação da Presidência, Edinho Silva

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff defendeu a liberdade de imprensa ao dar posse nesta terça-feira, 31, ao novo ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República, Edinho Silva. Dilma destacou em seu discurso que, desde que assumiu o governo em 2011, a Secom atuou de acordo com princípios e conceitos de liberdade de imprensa. "A liberdade de imprensa é uma das pedras fundadoras da democracia", afirmou a presidente, lembrando ainda que a liberdade de expressão é a grande conquista do processo de redemocratização do País. 
"A liberdade de expressão e liberdade de imprensa são, sobretudo, o exercício do direito de ter opiniões, de criticar e apoiar. O direito de ter oposições e o direito de externá-las sem consequências e repressão", completou a presidente. Ela disse ainda que é liberdade também poder ir às ruas protestar. "No Brasil, temos que saber conviver com isso. Quem como eu e todos da minha geração viveram sob ditadura sabem o imenso valor da liberdade de expressão e liberdade de imprensa." 

Dilma enfatizou que o governo está comprometido com o direito de manifestação e disse ser contrária à censura. "Reitero que não temos e não teremos, sob nenhuma hipótese, nenhuma circunstância, qualquer ação no sentido de coibir e impedir a livre manifestação das pessoas", disse. 

Segundo a presidente, em suas práticas, a Secom respeitará sempre o direito à liberdade de todos se expressarem, o direito à informação e ao conhecimento. "A Secom adotará o mais rigoroso cuidado quanto à publicidade oficial", acrescentou. 

Ao final do seu breve discurso, Dilma ainda enfatizou que é preciso explicar à população o momento pelo qual o País está passando. "Temos a obrigação de explicar ao povo que passamos por uma conjuntura que exige o maior rigor nos gastos públicos", lembrando que ajustes estão sendo feitos para o País voltar a crescer de forma mais breve possível. "Devemos sempre prestar contas à população e, acima de tudo, zelar pela nossa democracia", concluiu. 

No início do discurso, a presidente agradeceu ao jornalista Thomas Traumann, que deixa a Secom, e destacou qualidades do novo ministro Edinho Silva. Segundo ela, ao escolher Edinho Silva para o cargo, identificou no ministro "a verdadeira sensibilidade política, fruto de sua boa experiência como prefeito e parlamentar". 

Da corrente interna Construindo um Novo Brasil (CNB), majoritária no PT e a mesma do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Edinho assume a Secom no lugar do jornalista Thomas Traumann, que pediu demissão na quarta-feira passada (25), depois de o portal estadao.com.br revelar o conteúdo de um documento reservado do Palácio do Planalto que via "caos político" e criticava a "comunicação errática" do governo federal. 

Em entrevista ao Broadcast na última sexta-feira (27), o novo ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República afirmou que a "democratização" das verbas de publicidade será um dos objetivos da sua gestão. Mas assegurou que não fará "nenhum tipo de manipulação de recursos". Segundo informou o Palácio do Planalto, o orçamento para publicidade da secretaria é de R$ 187,5 milhões.


Jornal da Unicamp, eis um livro necessário!

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDFCampinas, 30 de março de 2015 a 05 de abril de 2015 – ANO 2015 – Nº 621

Por que chamar a polícia de milícia?

Indagação foi ponto de partida de linguista para tese que originou livro publicado pela Editora da Unicamp

"essa imagem parece condensar o sentido de ‘domínio’ atribuido à milícia, recuperando o já-dito de poder exércido por ela.  A força do corpo, da presença e da posição marca o poder da milícia, nesse espaço, observando, vigiando, dominando” segundo Greciely

Em 2006, em meio à atuação das forças de segurança pública nas áreas de favela do Rio de Janeiro com o objetivo de combater o narcotráfico, começou a circular na mídia um novo nome para se referir à polícia: milícia. O termo, define o dicionário,  diz respeito à vida ou à força militar;  à força militar de um país ou a qualquer corporação sujeita à organização e disciplina militares.

No entanto, a atribuição dessa denominação à polícia naquele contexto remete a uma contradição, relacionada às práticas adotadas por alguns policiais da corporação: invés de efetuar procedimentos legais cabíveis (executar mandados judiciais e prisões), alguns policiais incorporaram práticas ilegais - como a expulsão e até execução sumária daqueles considerados inimigos -, com o objetivo de se estabelecer o domínio nesse espaço.

Mais do que isso, vencido o combate, a polícia, então denominada milícia, passava a controlar ilegalmente as relações comerciais e sociais das áreas de favelas, em nome do enfrentamento da criminalidade.

Esse foi o cenário que levou a linguista Greciely Cristina da Costa a se perguntar: por que chamar a polícia de milícia? A pergunta foi o ponto de partida para uma pesquisa que resultou em sua tese de doutorado defendido no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) e, posteriormente, no livro “Sentidos de Milícia – Entre a Lei e o Crime”, lançado pela Editora da Unicamp.

“Meu objetivo não era investigar um discurso da e sobre a criminalidade. Queria compreender o funcionamento da contradição na sociedade a partir de discursos, cujos efeitos de sentido derivam de certas condições de produção e significação”, explica Greciely, que foi orientada pela professora e pesquisadora na área de linguística Eni Puccinelli Orlandi.

Dubiedade em evidência

A contradição, no caso, se manifesta nas fronteiras dúbias entre o legal e o ilegal, caracterizadas nos modos de atuação policial, ao assumir o controle das áreas favelizadas. “Diante dessa conjuntura social, histórica, política e ideológica, o limite entre aquele sujeito considerado bandido e o outro considerado criminoso é extrapolado a ponto de seus sentidos tornarem-se indistintos”, aprofunda a pesquisadora.

Assim, os sentidos de paz, proteção, ordem, segurança, crime, lei etc. são os mais diferentes e apontam para uma contradição. Ou para a existência de “dois mundos em um só”, nos termos de Michel Pêcheux, filósofo francês, fundador da Análise de Discurso, perspectiva teórica que norteia a pesquisa de Greciely.

Para Pêcheux, uma palavra ou expressão não tem sentido intrínseco a ela. Diferentemente, seu sentido se constitui nas relações que mantém com outras palavras. O autor considera ainda que o sentido é determinado pelas posições ideológicas. Estas, por sua vez, se constituem na relação com a exterioridade, numa dada conjuntura sócio-histórica.

“Dentre as múltiplas práticas de violência que temos acompanhado no Brasil e no mundo, Greciely analisa algumas bastante sensíveis do ponto de vista social, histórico e simbólico, justamente porque tratam de nossa segurança”, analisa Eni Orlandi.

Em seu trabalho, complementa a orientadora, a pesquisadora põe em cena a tensão entre o legítimo, o legal e o ilegal. “É um trabalho que fala de sentidos que saem do lugar quando o enquadramento do espaço é a favela, e o imaginário da segurança e da criminalidade fazem funcionar o discurso da milícia”, conclui Eni.

Para construir a pesquisa, Greciely se valeu de um conjunto diversificado de fontes. Inicialmente, a pesquisadora se deteve sobre a compreensão do modo como milícia era definida em diferentes discursos – o da mídia, o de pesquisadores e o de moradores do Rio de Janeiro.

Depois, incorporou à análise o discurso jurídico, enfocando algumas proposições e leis aprovadas relacionadas à tipificação da formação e atuação de milícias e investigou a forma pela qual a milícia era significada por imagens na internet, além de definições em dicionários e enciclopédias virtuais, como a Wikipedia.

Por fim, analisou entrevistas realizadas com moradores das favelas e áreas controladas por milícias e notícias publicadas nos jornais “O Globo” e “O Dia” que mencionavam a palavra milícia, publicadas entre janeiro de 2005 e setembro de 2007.

As entrevistas haviam sido realizadas por pesquisadores do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Tanto as entrevistas quanto as matérias jornalísticas foram cedidas a Greciely pelo pesquisador Ignacio Cano, que integra o laboratório, e havia usado esse material em seus estudos.

Uma dupla violência
Os discursos dos moradores foram importantes para o delineamento da pesquisa, assinala Greciely. Ela tomou contato com os discursos dos moradores das favelas num artigo publicado por Ignacio Cano e Carolina Ioot numa coletânea sobre o tema.

“Em um dos fragmentos apresentados, o entrevistado relata que no meio dos policiais havia milicianos, e que a comunidade ficava muito confusa, pois não sabia se eles cumpriam o papel de polícia ou de milícia”, conta ela. Ou seja, a confusão residia na dificuldade de distinguir como um mesmo sujeito podia ocupar a posição de policial e miliciano, caracterizando uma contradição.

Esse tipo de percepção, enunciada no discurso do morador da favela, remete ao lugar difuso e ambíguo ocupado pelos milicianos. Existem os policiais que, além de milicianos, são moradores da favela – ou seja, são de “de dentro”, muitas vezes significados como “protetor”, chamados pelos entrevistados de “polícia-morador”, que “toma conta da comunidade”.  Em contrapartida, há aqueles que vêm de fora, denominado miliciano e significados como “invasor”, aquele que “toma a comunidade”.

Outro entrevistado enfatiza a dificuldade de distinguir polícia e milícia, enunciando repetidamente, segundo Greciely, que “ninguém sabe dizer” o que é milícia e o que é polícia. Ao final, ele conclui que os próprios milicianos são policiais.

Para Greciely, este discurso remete ao que ela caracteriza como “lugar de indistinção” ocupado pelo miliciano, pois ele é dois no espaço de um, conforme analisa Eni Orlandi no livro “Interpretação: Autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico”. A indistinção, que na fala aparece como “ninguém sabe dizer”, estaria relacionada ao próprio funcionamento ambíguo da milícia, podendo ser parafraseada por “ninguém pode dizer”.

Ou seja, ninguém pode dizer que a milícia é formada por policiais, constituída por agentes da Lei, do Estado. “Grosso modo é possível afirmar que a milícia ocupa um lugar habitado pela duplicidade da presença-ausência do Estado”, defende a pesquisadora.

Segundo Eni Orlandi, a milícia assume, na análise da autora, “o lugar da autoridade”, que pode significar a presença da segurança e, também é “lugar do crime”, já que este deixa de ser considerado como o lugar do criminoso, pois se aloja no lugar da autoridade.

“A criminalização do espaço da favela é correlata, desse modo, à imagem da milícia como prática de segurança”, ressalta Eni.

Essa duplicidade caracteriza uma dupla violência contra os moradores das favelas: a ausência e a presença do Estado. Novamente, é o discurso de um entrevistado que aporta essa percepção.

“O lugar do morador é marcado pela exposição à violência, pela dupla violência engendrada pela presença-ausência do Estado, pela negação de direitos, pela imposição de dispositivos normativos específicos que derivam da própria Lei, pelo espaço de negações, cujos sentidos são atualizados por certos dizeres sobre a favela face a um imaginário estereotipado, sustentado por uma imagem marginalizante”, aprofunda Greciely.

Embora esteja no meio – ao lado da impunidade e da violência, entre os sentidos embaralhados de lei e de crime – o morador é um sujeito capaz de inventar, resistir e de se deslocar conforme novos sentidos lhe são possíveis. A resistência por parte do morador se configura quando ele procura escapar desses sentidos, não significando seu espaço como favela, uma vez que dizer favela é atribuir certos sentidos negativos a esse espaço.

Isso acontece também quando a favela passa a ser chamada de “comunidade”, ou “aglomerados subnormais” (para o IBGE), ou “bolsões de pobreza” (para os especialistas). A troca de nomes, porém, não acarreta a mudança das práticas. “A repressão é o que é oferecido ao morador, seja em que nome ele se envelope”, afirma Eni.

Sentidos tênues e tensionados
A partir da análise dos discursos, à luz das teorias e perspectivas propostas por Michel Pêcheux e Eni Orlandi, a pesquisadora observou que a milícia é interpretada como domínio -, ao passo que o termo controle é associado à policia, e comando é vinculado ao narcotráfico.

Segundo ela, a interpretação da milícia como domínio aparece tanto no discurso dos moradores das favelas, quanto nos outros tipos de documento analisados. Greciely explica que domínio dá sentido à milícia a partir de duas instâncias: domínio arbitrário, imposto, forçado, violento, sem possibilidade de oposição; e domínio instaurado como autoridade, gestor, poder legítimo.

“Essas duas instâncias de significação em confronto me permitiram compreender o quão difícil é suportar o fato de que a milícia não se configura como um poder paralelo como é o do narcotráfico. Ao contrário, é um desdobramento da polícia, que se forma e atua à sombra do Estado”, analisa.

E como a milícia assume essa configuração num espaço marginalizado como a favela, ela impõe seu domínio, tornando-se invisível. “Ou melhor, tornando indizível essa sua configuração, a sua real existência”.  A decorrência dessa configuração (de invisibilidade) é a dificuldade de puni-la, condená-la e bani-la, já que é como se ela não existisse na realidade.

Trechos
Entrevistador: Não sabe se os milicianos estão ali para cumprir seu papel de polícia ou se estão ali para entrar. Depois que a milícia saiu, vê se meu raciocínio está correto, o tráfico retornou.
Entrevistado: Retomou.
Entrevistador: E agora a polícia está fazendo essas incursões periódicas e tem esse posto lá.
Entrevistado: Isso. Lá. Só que tem milicianos que frequentam no meio desses policiais [sic]. Então a comunidade fica muito confusa. Você está me entendendo? Fica muito confusa. Se ele está cumprindo o papel dele de polícia [sic] ou de milícia.
*

Entrevistado: Lá existe a milícia... o poder paralelo expulsou, né?... eu atuava na comunidade, e lá cerca de quatro anos atrás a milícia expulsou esse poder paralelo. Prontamente algumas pessoas morreram, e hoje eles fazem a segurança do local.
*

Entrevistado: [A milícia] É a mesma coisa; mesma coisa, só que pior porque o tráfico não cobra e eles são piores que eles cobram, eles têm o império deles lá.
*

Entrevistado: Já colocaram eles como autoridade, tem essa referência – vou falar com os meninos -, então a gente fica até assim, porque eu sou uma pessoa que ainda acredita na instituição da polícia, entendeu? E nós somos muito assim... sentimos muito a falta de autoridade dentro das comunidades, entendeu? Em nossos bairros, em nossos municípios, eu acho que o que está faltando é isso, essa autoridade, mas eu posso te dizer que a maior ausência do Estado está na corrupção porque nós, na época que eu morava lá, que o tráfico ainda existia, nós víamos contêiner entrando lá pra dentro e muitas das vezes víamos viatura acompanhando, né? Infelizmente essas coisas acontecem.
*

Entrevistado: Continua em sem se ver [a polícia], só nessa forma de milícia. Você sabe que são policiais militares, mas que não têm identificação nenhuma de policiais militares e a polícia propriamente não aparece.
*

Entrevistado: [...] parece que você é vigiada 24 horas, você é monitorada.
Entrevistador: Por que você tem essa sensação?
Entrevistada: Porque eles vigiam muito as pessoas...
Entrevistador: Eles quem?
Entrevistada: Os milicianos (muda o tom, fica mais baixo).
Entrevistador: Mas eles se apresentaram pra você?
Entrevistada: Eles se apresentaram porque eu tinha um trailer lá, tinha um negócio lá e eles se apresentaram pra receber semanalmente o meu dinheiro. Na época eles me pediram trinta reais por semana.
[...]
Entrevistador: Você fechou a sua barraquinha especificamente por causa disso?
Entrevistada: Por causa disso. Eu não aceito dar dinheiro a eles. Se você trabalha, você precisa receber, não pagar.
[...]
Entrevistador: Como é que eles resolvem essas coisas?
Entrevistada: Quando tem alguma morte, eles matam alguém, alguma coisa, fica tudo... você não vê nada, não sai nada na imprensa, as pessoas só sabem que foram eles que mataram, mas fica tudo por isso mesmo...
[...]
Entrevistada: É uma máfia, um quartel a bem da verdade.

Sinopse:
Este livro se fundamenta teoricamente na Análise de Discurso e busca compreender o funcionamento da denominação milícia em diferentes discursos tendo em vista o processo de produção de efeitos de evidência posto em movimento pela ideologia. Ao longo da compreensão empreendida, considerando a denominação enquanto mecanismo ideológico, quatro pontos principais são observados: 1) em certa instância, a denominação milícia recobre a violência policial ao dar outro nome à polícia, desvinculando a milícia da instituição policial; 2) por outro lado, é o lugar de policial que configura e sustenta o sentido de milícia enquanto protetora; 3) todavia, ela tem sua prática associada a grupos criminosos, por isso é então significada como criminosa, um desdobramento da polícia; 4) e, por fim, a existência da milícia estaria ligada a um espaço material político-simbólico determinado: a favela, pois é nesse espaço que ela se impõe.

Autora: Greciely Cristina da Costa é doutora em Linguística pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Fez estágio doutoral na Université de Paris 13. Tem publicado artigos e capítulos de livros na área de Análise de Discurso. Organizou com Débora Massmann a coletânea Linguagem e Historicidade, publicada pela RG Editores, e traduziu o livro Os pré-discursos: Sentido, memória, cognição, de Marie-Anne Paveau, pela Editora Pontes, também em parceria com Débora Massmann.

Texto saído no jornal Estado de São Paulo recentemente.


Uma advertência aos palacianos de todos os matizes

Roberto Romano/Unicamp.

As manifestações de massa interessam a todos os regimes, da ditadura à democracia. Existe um saber acumulado sobre o fenômeno, com várias explicações para ele. O fato ocorre desde que os homens se reúnem em coletividades. Ele se notabiliza na democracia de Atenas e nas revoltas da plebe romana contra os aristocratas. Na Idade Média, após a prisão dos pobres nos feudos (laicos ou da Igreja),  multidões se espalham pela Europa. A única fuga dos que viviam sob os nobres era a peregrinação aos santuários, que recebem milhares de peregrinos. É o caso de São Tiago de Compostela e das catedrais dedicadas à Virgem Maria. Os camponeses deixam os domínios feudais, apreciam as estradas, as periferias urbanas renascentes, as feiras. E não retornam ao lugar de servidão. “O ar das cidades liberta”.  Como as corporações citadinas  só empregam os filhos e apadrinhados dos seus integrantes, falta emprego para os que fogem dos campos. Eles se dedicam a tarefas ilegais como o roubo, sequestro, assassinato, etc. As cidades se tornam  perigosas para a vida comum e para o comércio. Nos séculos 13 e 14 os frades mendicantes (franciscanos e dominicanos sobretudo), servem como “pacificadores” de rebeliões, afastam as vinganças dos que têm familiares mortos, assaltados, etc.

No moderno Estado absolutista a massa (a Mob…) causa revoltas e atentados contra os governantes. Entre os teóricos políticos se retoma a ojeriza contra a plebe, o povo perigoso e inculto. Povo e ralé são identificados e os movimentos populares contra os abusos dos aristocratas e reis são esmagados. É o que ocorre com a revolta dos camponeses alemães, sufocada pelos exércitos principescos com as bençãos de Martinho Lutero, de um lado, e da hierarquia católica de outro.

No século 17 inglês a Revolução puritana derruba o rei, corta a sua cabeça e instaura a igualdade legal dos cidadãos.  Milton, o poeta do “Paraíso Perdido”, republicano convicto, redige o clássico “The Tenure of Kings and Magistrates”, onde  defende a liberdade de imprensa e o dever, para as autoridades, de prestar contas ao povo soberano das finanças e dos recursos humanos do Estado. Não por acaso o partido plebeu que conduz a mudança rumo à democracia chama-se “Os Niveladores” (The Levellers). “Accountability” é o nome dado para a prestação de contas, nas democracias instauradas no século 18 nas colônias inglêsas da América. Na França a mesma exigência foi estabelecida para os governantes.  

No Brasil, os partidários do regime democrático foram esmagados pelo poder colonial português e pelo Império. Aqui os seguidores de Francis Bacon, John Locke, Voltaire, Diderot e outros luminares das Luzes, foram exterminados nas várias revoltas liberais que surgiram de Norte a Sul nos séculos 18 e 19.  As massas, bem ao modo absolutista, continuaram a ser vistas com desconfiança e horror pelos operadores do Estado. Era a “gente ordinária de vestes”. Ordinária porque no Antigo Regime certas cores de vestimentas, certos tecidos, etc, eram privilégios dos nobres e clérigos.

Embora esmagadas pela repressão, as massas expressam seu inconformismo contra a autocracia estatal. Durante a ditadura de 1964 tivemos as manifestações pelas diretas, pela anistia. Depois veio o movimento contra Collor e  as demonstrações, em 2013, de repulsa às péssimas políticas públicas brasileiras, transporte, água e esgoto, segurança, saúde, educação, etc. Elas também impediram atrocidades planejadas pelos parlamentares como a abolição da lei da Ficha Limpa, a máxima atenuação da Lei de Improbidade Administrativa, o emasculamento do Ministério Público na PEC 37. Agora as multidões mostram sua indignação contra os corruptos de todos os partidos e poderes, exigem responsabilidade (accountability) dos governantes.

 Ver perigo no povo reunido é próprio de mentes contrárias à república e à democracia. Os ideológos e palacianos que se limitam a definir as massas com suas carcomidas etiquetas (“esquerda”, “direita”) devem pensar em vez de distribuir slogans. A má fé grassa quando eles dizem que na Paulista existiu coro unânime em prol do retorno dos militares. A mentira salta aos olhos:  basta ter seguido de fato as manifestações, usar o juízo sem recorrer às tolices partidárias. Basta ser honesto intelectualmente.  Resta dizer aos parasitas do Estado que habitam os palácios, desprezam ou temem a cidadania : “respeitem e prestem contas ao povo soberano!”.













CIEE, Debates: O fanatismo na política brasileira

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segunda-feira, 30 de março de 2015

J.R. Guedes de Oliveira


                                                 O ADVOGADO E A ÉTICA




                                                                                                      J. R. Guedes de Oliveira


          Há algum tempo, um jornal da capital fez uma pesquisa para saber qual seria o tipo de profissional mais inconfiável. Não deu outra: advogado.
          Esta pesquisa revelou que a população não confia neste profissional. Com isso, surgiram piadinhas de mau-gosto de toda forma. A internet está cheia delas, como, por exemplo:
     - De dois herdeiros, o advogado é o terceiro.
     - O casal que estava em separação, faleceu e foi para o céu. Lá, ainda desejava continuar o processo de separação. Mas São Pedro confidenciou que, infelizmente, não havia advogados no céu.
          Historicamente, há uma explicação desse estigma ou pecha que nos impingiram. É que, com o famigerado Golpe de 64, ficamos até 1985 atrelados ao império do militarismo. O regime de exceção imposto ao país, levou os exercitores do Direito a um total desespero, com um evidente retrocesso. Relegados a um plano secundário os advogados tiveram que procurar outros afazeres, para não morrer de fome.
          É claro que com a abertura política, reativou-se os valores jurídicos e se iniciou uma nova era, a de prosperidade para o advogado. É claro que, com isto surgiram os inescrupulosos e aproveitadores da reabertura. Uma parte desse número de profissionais, praticou a anti-ética, cobrando altos honorários e, assim, criou-se este estigma.
          Mas ninguém falou de outros profissionais. Não houve, ainda, uma pesquisa para falar de engenheiros incompetentes, de médicos inescrupulosos, de economistas picaretas, de químicos pérfidos, de políticos safados, de contadores desonestos, de professores enganadores, e aí vai.
          Portanto, não somos a “laranja podre” desta sociedade que cobra propinas para tudo. Cobramos valores e lutamos pelos nossos clientes, como os novos Sobrais Pintos do país.
          Mas, para falarmos sobre este tema, teremos que, primeiramente, descrever o que significa ética.

          Assim, temos:
          “Ética, parte da filosofia que estuda os atos humanos do ponto de vista de apreciação quanto à distinção do bem e do mal”.
          “Ética é a investigação geral sobre aquilo que é bom”.
          “Ética é o objetivo de facilitar a realização das pessoas”.
          “Ética é a ciência da moral”.
          “Ética  é o conjunto de princípios e regras morais que regulam o comportamento e as relações humanas”.
          Na Filosofia do Direito, temos:
          “1º - Estudo dos valores morais e dos princípios ideais do comportamento humano.
            2º -  Deontologia – estudo dos deveres profissionais.
            3º -  Ciência dos costumes.
            4º -  Conjunto de prescrições admitidas por uma sociedade, num determinado tempo.
            5o -  Ciência que tem por objeto a conduta humana.
            6º  -  Juízo de valor relativo à conduta humana.
            7º  -  Ciência do comportamento moral do ser humano no convívio social.
            8º  -  Teoria ou investigação de uma forma de comportamento humano”.
            E, ainda, na Ética do Advogado, temos:
          “Preceitos regulamentadores da conduta do advogado, no exercício da profissão”.
          A Ética chega a se confundir com a Moral, se observarmos a afirmativa de Durkheim, quando ele nos diz:
          “Tudo que é relativo aos bons costumes ou às normas de comportamento admitidas e observadas, em certa época, numa dada sociedade”.
          Mas fiquemos tão somente com a Ética, descrevendo-a tal como ela deve existir no campo do profissional do Direito, especificamente ao Advogado.

          Então, temos:
          Código de Ética da OAB – conjunto de preceitos fundamentais para o exercício profissional e o comportamento da classe, em razão do seu dever para consigo mesmo e à sociedade.
          Aqui salientamos, além dos deveres para consigo mesmo, os deveres para com o seu cliente, para com os seus colegas, para com o juiz, para com o Ministério Público, para com a polícia, para com os peritos e para com os cartorários.
          Além de toda uma gama de preceitos e condutas, incluí-se o sigilo profissional, uma forma de suma importância para a relação advogado-cliente.
          De uma forma geral, a ética é algo, muitas vezes, utópica. É fácil explicarmos esta afirmativa, quando encontramos (e não muito!) em nosso meio, profissionais inescrupulosos, que se utilizam do direito e de suas prerrogativas para praticar, descaradamente, a antiética, como falamos no início.
          Num universo de 400 mil advogados no Brasil, inescrupulosos são poucos. Uma estatística, por exemplo, diz que dos 160 mil advogados só no Estado de São Paulo, apenas 2% não aplicam a ética. No entanto, os outros 98% seguem rigorosamente a prática da ética, mesmo porque o Tribunal de Ética da OAB é algo implacável.
          Foi o filósofo Aristóteles, aluno e discípulo de Sócrates, quem primeiro falou sobre este tema, escrevendo, inclusive, três obras com o título de “Ética”. Dizia ele ser o comportamento do homem perante o seu meio, dentro da moral necessária neste mesmo meio e no seu devido tempo.
          Mas a dinâmica do mundo, após a revolução industrial, trouxe novos paradigmas da concepção de ética e moral, e, com isso, as divergências claras e evidentes do que seria ética e do que seria antiética.
          Vamos, aqui, colocar um exemplo interessante, passado há alguns anos, que  reproduzimos na íntegra e que foi inserido no Jornal do Senado de então:
          Título: Jefferson renuncia a verba para despesas.
          “O senador Jefferson Péres (PDT-AM) comunicou ao Plenário ter enviado ofício ao presidente do Senado, renunciando a verba indenizatória de R$ 12 mil mensais, fixada como teto no final do ano passado para os senadores arcarem com gastos em seus estados. O parlamentar enfatizou que a aprovação dessa verba pela Comissão Diretora não constitui ilegalidade e que seu gesto não continha censura a nenhum senador que aceite o benefício, já concedido há algum tempo na Câmara dos Deputados.

No entender de Jefferson Péres, se a Comissão Diretora que dirigiu o Senado até o início deste ano tivesse submetido o ato à deliberação do Plenário, apenas para legitimá-lo, “porque legal ele é”, ele teria votado contra. Daí por que considerou que seria hipocresia, sendo contra a instituição desse benefício, usufruir do mesmo.
    - Não seria uma atitude correta da minha parte – lembrou, acrescentando que não utilizará essa verba até o final do seu mandato”.
          Com isto, observamos o lado ético/moral do ilustre senador pelo Amazonas, numa época em que os cofres públicos andam abalados e pedindo arrego pelo descaso anterior.
          Finalizando, não poderíamos deixar de registrar a nossa grande preocupação concernente aos escritórios de advocacias que estão se instalando no país, vindo, principalmente, dos Estados Unidos. São poderosas organizações que utilizam de advogados brasileiros para levar nome de fachada mas que, por detrás, tomam o nosso serviço e se espalham de maneira avassaladora, mormente quando se trata de seguros, propriedade intelectual, propriedade industrial, agora em perdas e danos. Enfim, invadem o nosso mercado e nos colocam numa posição de submissão. É isto que chamamos, também, de antiética desgraçadamente.
           Era só o que tinha de minha parte.
                                    J.R. Guedes de Oliveira – E-mail: guedes.idt@terra.com.br



domingo, 29 de março de 2015

Escola da Magistratura de São Paulo, Curso Teorias da Justiça

12/02/2015 - EPM realizará curso ‘Teorias da Justiça’ para magistrados

        
Estão abertas, até 2 de março, as inscrições para o curso de formação continuada Teorias da Justiça, coordenado pelo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador José Renato Nalini, com subcoordenação do professor Luiz Paulo Rouanet. Será ministrado de 9 de março a 15 de junho, às segundas-feiras, das 9 às 12 horas, no 2º andar do prédio da Escola Paulista da Magistratura (EPM)

        O curso examinará desde as bases da Filosofia Política moderna até as práticas jurídicas contemporâneas, procurando relacionar os fundamentos teóricos da Justiça com sua concretização prática. O objetivo é ampliar o horizonte reflexivo dos participantes, permitindo um exame mais completo dos conflitos submetidos ao Estado-juiz e contribuindo para renovar o pensamento e a prática jurídicos.

        São oferecidas 100 vagas presenciais. Na modalidade a distância, foram disponibilizadas 200 vagas para os magistrados do Estado e dez vagas para cada Escola de Magistratura conveniada com a EPM. O preenchimento respeitará a ordem de chegada das inscrições, que são gratuitas e exclusivas para magistrados. Os interessados deverão preencher a ficha de inscrição diretamente no site da EPM (www.epm.tjsp.jus.br), selecionando a modalidade desejada (presencial ou a distância). Após o envio, será automaticamente remetido e-mail confirmando a inscrição.

        Serão emitidos certificados para os magistrados que, ao final do curso, registrarem frequência igual ou superior a 75% e apresentarem, por escrito, a análise de uma decisão judicial à luz de um dos referenciais teóricos expostos pelos palestrantes ao longo do curso, obtendo avaliação satisfatória. Em caráter facultativo, poderão encaminhar apreciação crítica de um dos temas escolhidos, com até cinco laudas, em formato acadêmico, obedecidos os padrões gerais da ABNT, para futura publicação em periódico próprio da EPM.

        Programa:
       
        Abertura
        Dia 9/3 – Encontro 1
        Tema: Teorias da Justiça: da teoria à prática
        Desembargador José Renato Nalini e prof. dr. Luiz Paulo Rouanet

        Módulo I: Fundamentos Modernos da Justiça
        Dia 9/3
        Tema: Contratualismo Moderno
        Prof. dr. Rolf Kuntz (USP)

        Dia 23/3
        Tema: Concepção de Justiça em Hobbes e Kant

        Dia 30/3
        Tema: Paz e justiça entre as nações
        Prof. dr. Roberto Romano (Unicamp)

        Dia 6/4
        Tema: Direito Natural em Rousseau
        Prof. dr. Luiz Felipe Sahd (UFCE)

        Dia 13/4
        Tema O individualismo possessivo na Filosofia Política Moderna
        Prof. dr. Cícero Araújo (USP)

        Módulo II: Justiça Contemporânea
        Dia 27/4
        Tema: John Rawls: de Uma Teoria da Justiça ao Liberalismo Político
        Prof. dr. Luiz Paulo Rouanet (UFSJ–MG)

        Dia 4/5
        Tema: Justiça Social
        Prof. dr. Nythamar de Oliveira (PUC–RS)

        Dia 11/5
        Tema: Justiça Política
        Senador Almino Afonso

        Dia 18/5
        Tema: Justiça internacional no mundo contemporâneo
        Prof. dr. Celso Lafer (USP)

        Dia 25/5
        Tema: O conceito de justiça na contemporaneidade
        Prof. dr. Ronaldo Porto Macedo Jr. (USP)

        Dia 1º/6
        Tema: A concepção de Justiça no Brasil
        Prof. dr. Tércio Sampaio Ferraz (USP)

        Encerramento
        Dia 8/6
        Tema: As Teorias da Justiça e o desafio da construção de sociedades mais justas
        Desembargador José Renato Nalini e prof. dr. Luiz Paulo Rouanet

        Dia 15/6
        Atividade prática obrigatória (estudo de caso): discussão e análise de uma decisão judicial, à luz de um dos referenciais teóricos expostos pelos palestrantes ao longo do curso.

        Comunicação Social TJSP – MA (texto) / EPM (arte)
        
imprensaepm@tjsp.jus.br

É bom ser reduzido à condição de solitário numa sociedade dividida entre fanatismos de todas as ordens. Estar sozinho significa não ter aceito os dogmas das seitas em guerra perene. É um atestado de que se pensa com os próprios neurônios, sem precisar de aprovações dos proprietários de grupos e tendências. Uma prova de semelhante situação vem da coerência teórica. Nem sempre coerência é bom sinal. Os ideologizados de esquerda ou direita são coerentes com seus modos éticos, não raro genocidas. Os nazistas foram coerentes com o que leram em Minha Luta, os estalinistas com que leram do "Paizinho dos Povos". Me refiro à uma outra coerência: aquela que se liga à defesa das instituições democráticas, nas quais existe lugar para todas as visões de mundo. Me refiro à tolerância, tão abusada pelos "tolerantes de sua própria grei". Certa feita fui convidado por um colega a integrar um debate sobre desarmamento. Disse ao companheiro que eu era contra a lei de desarmamento, visto que ela retirava do cidadão um instrumento que ajudou a instaurar a democracia: a formação de milicias para lutar contra governos tirânicos. É fato: as primeiras medidas dos governos ditatoriais que sucederam a Revoluçòa Francêsa, a norte-americana e a inglêsa foi desarmar os cidadãos, colocando-os à mercê da força estatal. Na hora fui acusado de tudo pelo colega. Ao perguntar sobre a composição da mesa, ele me disse que todos eram favoráveis ao desarmamento. E me deu uma lição de ética, estranhando minha posição. Só perguntei sobre um item óbvio. Se TODOS os convidados eram favoráveis ao governo, não era um debate, mas um convescote de sectários. O telefone foi batido na minha cara. De "querido colega", no início da comunicação telefônica, fui transformado em apologeta da violência, da bomba atômica, etc. Depois, vários desconvites se sucederam, sempre com a mão co colega "democrático". O artigo abaixo segue uma linha de raciocínio que empreendo desde longa data. Antes dele, no post abaixo, segue o link de uma longa entrevista dada à Revista do Legislativo de Minas Gerais, há muito tempo atrás. Ela também fala sobre a ruína trazida à sociedade pela inflação. Como estamos no rumo de uma nova inflação (inclusive da falta de rubor na face), talvez valha a pena ler a entrevista. Roberto Romano




Inflação e corrupções

ROBERTO ROMANO - O ESTADO DE S.PAULO
29 Março 2015 | 02h 03
"A corrupção é senhora idosa que age em toda parte." A frase é verdadeira, mas incompleta. A provecta ladrona não age sozinha. Ela foi superada por trêfegas meninas que renovam as técnicas de assalto. Se a avozinha subtraía milhões, as netas embolsam bilhões. Ocorre com a rapinagem algo análogo à inflação. Elias Canetti, em Massa e Poder (Inflação e massa), mostra a ruína ética trazida pela moeda apodrecida. As peças metálicas, nas mãos dos trabalhadores, davam um sentimento dignificador. Se o corpo é gratificado, a alma sente segurança. Na confiabilidade da moeda reside a sua marca principal.
As notas impressas diminuem o peso do dinheiro. A inflação humilha quem vive de salário. Com ela "nada mais é seguro, nada permanece no mesmo local durante uma hora; mas em virtude da inflação o homem diminui. Ele mesmo, ou o que ele foi, é nada; o milhão, que ele sempre desejou ter, também é nada. Todos o possuem. Mas cada um é nada". Milhões não compram pão, empregos somem, o ressentimento exaspera. Conclusão de Canetti: os nazistas agiram contra os judeus como num processo inflacionário. "Primeiro eles (os judeus) foram atacados como maus e perigosos, inimigos; depois foram cada vez mais desvalorizados; como já não se tinha judeus em número suficiente, eles foram coletados nos países vencidos; e, no final, eles eram vistos literalmente como insetos que podiam ser exterminados aos milhões." Os fanáticos de Goebbels "dificilmente poderiam ter chegado tão longe, se poucos anos antes não tivessem passado por uma inflação na qual o marco valia um bilionésimo do valor original. E foi esta inflação como fenômeno de massa que eles descarregaram sobre os judeus".
A nossa política está em via de unir dois sistemas inflacionários. O primeiro é a degradação da moeda. Quem tem mais de 30 anos recorda os anos Sarney e Collor. O Brasil namorou o fascismo, persistente em suas entranhas históricas. Recordo os "fiscais do Sarney" que invadiam supermercados com bandeiras do País, prendiam gerentes, ameaçavam funcionários. Tais linchamentos surgiram com o descontrole monetário. Agora vem a inflação do mercado corrupto. Muitos líderes políticos estão unidos aos assaltos, antes cifrados em milhões. Atingimos o patamar dos bilhões. Humilhação e desespero, trazidos pela crise da moeda, surgem em plano profundo. O ressentimento contra as instituições representativas e democráticas, a desvalorização experimentada pela cidadania ante os corruptos, conduz a massa aos primitivos desejos de um ditador que salve a Pátria, um benefactor.
Milhões de pessoas, no golpe de 1964, apoiaram o veto à subversão e à corrupção. Os pretensos subversivos foram torturados, mortos, exilados, cassados. Mas retornaram à sociedade. Os corruptos continuam nas instituições de Estado porque garantem o acesso dos governos às regiões dominadas. Oligarcas que garantiram os donos do poder continuam no regime civil. Eles dominam a Nova República com José Sarney, visto ao lado da presidente Rousseff quando ela recordava aos manifestantes do 15 de Março sua luta contra a ditadura. Só faltou à chefe de Estado dirigir o dedo indicador rumo ao fidalgo (Lula o considera um "homem incomum") que, na cadeira próxima, tudo ouvia sorrindo. Ele presidiu a Arena, "o maior partido do Ocidente", segundo Francelino Pereira.
Mas não somos campeões mundiais de corrupção. Já na França do século 19, diz um autor hoje pouco lido, a pilhagem do Estado se dava em grande e pequena escala. "As relações entre a Câmara dos Deputados e o governo eram multiplicadas sob os tratos entre diferentes administrações e diferentes empresários. (…) A Câmara coloca nas costas do Estado os gastos maiores e garante às aristocracias especuladoras e financeiras o maná de ouro. Todos recordam os escândalos na Câmara dos Deputados quando se descobriu, por acaso, que todos os membros da maioria, inclusive uma parte dos ministros, eram acionistas das empresas, a quem eles conferiam a seguir, como legisladores, a execução das estradas de ferro, tudo por conta do Estado". De te fabula narratur… Mas ainda não atingimos o ponto descrito por Marx em As Lutas de Classes na França.
A reforma política, uma quimera, tem como pressupostos a lei do lobby e a democratização dos partidos. Sem a primeira parlamentares encobrem, com a autoridade do cargo, atos em defesa de anônimos interesses econômicos, sociais, culturais, religiosos. E sem democracia interna nos partidos os corruptos continuam intocados. Na atual forma partidária, dirigentes ficam nos cargos por décadas. Dominam alianças, candidaturas e, last but not least, os cofres. Roberto Macedo escreveu neste espaço, e muito bem, sobre as emendas parlamentares que sugam os cofres públicos. S. Exas. aumentaram de modo pantagruélico o Fundo Partidário. Sem renovação dos dirigentes e controle dos partidos pelos afiliados, sem eleições primárias, a dinheirama oficial reforça a ditadura partidária dos oligarcas.
Quais são as diferenças entre tiranos e bons governantes? A pergunta é de Jean Bodin em Os Seis Livros da República. "Um busca manter os governados em paz e união; outro os divide para os arruinar e engordar os confiscos. Um aprecia ser visto às vezes e ouvido pelos dirigidos; outro deles se esconde, como inimigos. Um prefere o amor dos governados; outro, o medo. Um só teme pelos liderados; outro tem medo deles. Um pede impostos na quantia mínima e para a necessidade pública; outro chupa o sangue, rói os ossos, suga o tutano dos governados para os enfraquecer. Um procura as melhores pessoas de bem para empregar nos cargos públicos; outro só emprega no governo os piores ladrões, para deles se servir como esponjas."
Pelos critérios clássicos da ética e do direito, não vivemos em democracia plena, mas no tirânico regime em que o poder é benéfico para os que legislam em causa própria. Falei das inflações monetárias e da corrupção. Convenhamos, temos no Brasil a deflação da vergonha na cara.
*Roberto Romano é professor da Unicamp e autor de 'Razão de Estado e outros estados da razão' (Perspectiva) 

Inflation and corruption

ROBERTO ROMANO - THE ESTADO DE S. PAULO
March 29, 2015 | 02h 03
"Corruption is an old lady who acts everywhere." The statement is true, but incomplete. The ripe old ladrona does not act alone. She was overcome by naughty girls that renew the assault techniques. If the grandmother subtracted million, granddaughters pocket billion. Occurs with rapine something analogous to inflation. E. Canetti, Mass and Power (Inflation and mass), shows the ethical ruin brought by rotting currency. The metal parts in the hands of workers, gave one dignificador feeling. If the body is gratified, the soul feels safe. In the currency of reliability lies its main brand.
Printed notes decrease the weight of money. Inflation humiliates who live paycheck. With her "nothing is safe, nothing remains in the same place for an hour, but due to inflation decreases the man himself, or what he was, is nothing;. The million, he always wanted, is also nothing . All have it. But every man is nothing. " Millions do not buy bread, jobs disappear, resentment exasperated.Completion Canetti: the Nazis against the Jews acted as an inflationary process."First they (the Jews) were attacked as evil and dangerous enemies, then were increasingly devalued, as I have not had enough of the Jews, they were collected in the defeated countries, and in the end, they were seen as literally insects that could be exterminated by the millions. " The fanatics of Goebbels "could hardly have come so far, is a few years earlier had not experienced an inflation in which the mark was worth a billionth of the original value. And it was this inflation as a mass phenomenon they unloaded on the Jews."
Our policy is about to join two inflation systems. The first is the degradation of the coin. Those over 30 years recalls the Sarney and Collor years. The Brazil dated fascism, persistent in its historical bowels. Remember the "tax the Sarney" invading supermarkets with country flags, bound managers, threatened employees. Such lynchings emerged with monetary control. Now comes the inflation of the corrupt market. Many political leaders are united to the assaults before encrypted million. Reached the level of the billions. Humiliation and despair, brought about by the currency crisis, appear in deep plane. Resentment against the representative and democratic institutions, the devaluation experienced by citizens against the corrupt, leads to mass the primitive desires of a dictator to save the Fatherland, one benefactor.
Millions of people in the 1964 coup, supported the veto to subversion and corruption. The alleged subversives were tortured, killed, exiled, deposed. But returned to society. The corrupt remaining in state institutions because they guarantee the access of governments to dominated regions. Oligarchs who assured those in power continue to civilian rule. They dominate the New Republic with José Sarney, as part of the President Rousseff when she reminded the protesters of March 15 their struggle against the dictatorship. Just missed the head of State to send the index finger towards the gentleman (Lula considers him a "uncommon man") that in the next chair, all listened smiling. He chaired the Arena, "the West of the largest party," according Francelino Pereira.
But we are not world champions of corruption. In France the 19th century, says an author little read today, the looting of the state was in large and small scale."Relations between the House of Representatives and the government were multiplied in the treatment between different administrations and different entrepreneurs. (...) The Board puts the state back higher expenses and ensures the speculators and financial aristocracies the golden manna. All remember the scandals in the House when it was discovered, by chance, that all members of the majority, including some of the ministers, were shareholders of the companies, whom they conferred following, as legislators, the implementation of the railways, all for State account. " Of fable narratur you ... But not yet reached the point described by Marx in The Class Struggles in France.
Political reform, a chimera, is the law of assumptions lobby and the democratization of the parties. Without the first parliamentary cloak, with the position's authority, acts in defense of anonymous economic, social, cultural, religious. And no internal democracy in the corrupt parties remain untouched. In the current partisan way, leaders are in office for decades. Dominate alliances, applications and, last but not least, the coffers. Roberto Macedo wrote in this space, and very well on the parliamentary amendments that suck the public coffers. S. exas. increased from the gargantuan party fund mode. No renewal of leadership and control of the parties by affiliates without primary elections, the official dinheirama reinforces the party dictatorship of the oligarchs.
What are the differences between tyrants and good government? The question is Jean Bodin in the Six Books of the Republic. "A search keep the governed in peace and unity;. Other divides to ruin and fatten the confiscations One enjoys being sometimes seen and heard by directed; another of them hides, as enemies A prefers the love of the governed. Other, A fear only fear led by;.. the other is afraid of them asks a tax on the minimum amount and the public need; the other sucks the blood, gnawing the bones, sucks the marrow of the governed to weaken A search of the best people. well for use in public offices, other government employs only the worst thieves, for them to serve as sponges. "
The classical criteria of ethics and law, we do not live in full democracy, but in the tyrannical regime in which power is beneficial for those who legislate for its own sake. I spoke of monetary inflation and corruption. Admittedly, we have in Brazil deflation of shame in the face.
* Roberto Romano is Unicamp professor and author of 'Reason of State and other states of reason' (Perspective)