sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Gazeta do Povo, 07/11/2014

Radicalismo crescente prejudica o debate político no Brasil

Com discursos extremistas, alguns grupos se manifestam pela internet e provocam protestos, gerando cautela por parte de especialistas

Jefferson Coppola/ Folhapress
Jefferson Coppola/ Folhapress / Roberto Romano: direito à manifestação e à expressão é sagrado 
Roberto Romano: direito à manifestação e à expressão é sagrado
Defender golpe militar é crime contra o Estado, diz especialista
Professor de Ética e Filosofia Política da Universidade Es­­tadual de Campinas (Uni­­camp), Roberto Romano afirma que o direito à manifestação e à expressão é sagrado. Para ele, ir às ruas questionar a lisura das eleições e até pedir o impeachment do presidente eleito é legítimo dentro do processo democrático. Entretanto, defender um golpe militar como fez um pequeno grupo de manifestantes entre 2,5 mil pessoas em São Paulo é um crime contra o Estado e a Constituição e merece ser punido, completa Romano.

“É evidente que isso [pregar a intervenção militar] está muito longe de ser comparado com 1964. Da mesma forma, está distante do discurso ouvido nessas manifestações”, avalia. “Mas não se pode menosprezar episódios como esse, sobretudo num país que já viveu duas ditaduras. Isso dá força para golpistas que desgraçaram o país por anos.”

Na visão de Romano, o mais grave, na verdade, está na inimizade cada vez mais crescente entre PT e PSDB. Ele cita como exemplo a situação da República de Weimar – hoje Alemanha –, onde comunistas e social-democratas se digladiaram intensamente a ponto de se anularem como opção viável para assumir o governo. O resultado foi a ascensão de Adolf Hitler e do nazismo. “No Brasil, isso está tendo reflexos na composição do novo Congresso, com a chegada de mais radicais de extrema direita, a direita não-civilizada e reacionária”, alerta.

Esse acirramento, na avaliação do cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Mário Sérgio Lepre, é reflexo direto do resultado eleitoral, no qual vários estados importantes – como São Paulo, Paraná e Santa Catarina – “disseram um não significativo” ao governo federal. “A impressão de parte da sociedade é que a presidente Dilma ganhou perdendo. Isso gera animosidade, porque, de certa forma, há o sentimento de que o governo já começa velho”, afirma. “Por isso, vemos essas manifestações na rua, que estão amparadas na plena liberdade de expressão. O que não está dado são as motivações concretas que motivariam um processo de impeachment, conforme exige a Constituição.”

Euclides Lucas Garcia
Depoimento
“Defendi o Lula com unhas e dentes há alguns anos”, diz líder de evento 

Em Curitiba, o líder de um dos eventos que pedem o impeachment de Dilma Rousseff, Cristiano Roger, também afirma que a iniciativa “nada tem a ver com intervenção militar”. “Se ficar comprovado que ela sabia, junto com o Lula, da corrupção na Petrobras fica mais do que justo pedirmos sua saída”, diz. Roger conta que já foi petista. “Defendi o Lula com unhas e dentes há alguns anos, mas vendo isso [a corrupção na Petrobras] é impossível não se indignar. Enquanto isso o povo não tem saúde, não tem educação, não tem nada”, diz o organizador, que é formado em Pedagogia e já foi candidato a vereador de Curitiba em 2004 pelo PV. Segundo ele, o movimento curitibano defende que o impeachment seja feito pelo Congresso e diz que espera “a adesão do povo”. “Nosso movimento é democrático e pacífico. Queremos moralização na política e mudança.”
Opinião
A legitimidade do direito de manifestação 

O direito à manifestação é uma forma de exercício da liberdade de expressão. O direito à manifestação de pensamento, mesmo quando expõe crítica contundente, é próprio dos regimes democráticos e está garantido pela Constituição Federal. A maioria dos manifestantes tem pedido auditoria nos resultados do segundo turno eleitoral e o impeachment de Dilma. São manifestações que desagradam aos apoiadores da presidente. Podem até ser precipitadas, como o pedido de impeachment (não há elementos que indiquem que Dilma cometeu crime de responsabilidade), mas são legítimas. Estão garantidas pela Constituição, não implicado em crime ou golpismo. Esse direito, entretanto, não é ilimitado. Não se pode aceitar a defesa de golpe contra o Estado – algo que é proibido pela Lei de Segurança Nacional. E os manifestantes que defendem golpe, esses, sim, estão abusando do direito de liberdade de expressão e se manifestando de forma ilegítima.

 Oswaldo Corneti/ Fotos Públicas / Manifestante pede o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) em ato em São Paulo no último sábado Manifestante pede o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) em ato em São Paulo no último sábado protestos

Radicalismo crescente prejudica o debate político no Brasil

Com discursos extremistas, alguns grupos se manifestam pela internet e provocam protestos, gerando cautela por parte de especialistas



Para o filósofo Roberto Ro­­mano, o direito à manifestação e à expressão é sagrado. No entanto, completa, defender um golpe militar é um crime contra o Estado e a Constituição (leia mais abaixo).
Para especialistas ouvidos pela reportagem, outro aspecto é que o radicalismo crescente faz com que debates importantes percam força na discussão política. Com isso, pautas defendidas por estes grupos, muitas vezes contrárias a minorias, ganham força.

Pequeno grupo 

Renan Santos, de 30 anos, do movimento Brasil Livre que liderou a manifestação que reuniu 2,5 mil pessoas em São Paulo no último sábado, afirma que não esperava a presença de grupos pedindo intervenção militar no ato. “Fizemos um manifesto e vídeos orientando quais são as posições da passeata, mas infelizmente esse pequeno grupo entrou lá. Desde o início rechaçamos as posições que eles tinham, mas as pessoas estavam lá”, conta. 

Para evitar o encontro, San­­­­tos diz que alterou local do próximo ato que está preparando no dia 15, que tem quase 5 mil confirmações no Facebook. Ele afirma não ser filiado a nenhum partido, mas simpatizante duas legendas da direita liberal em processo de legalização: o Liber e o Novo. Ambos defendem o Estado mínimo, a livre iniciativa e o direito à propriedade. 

Apesar de afirmar que as pessoas envolvidas no grupo que lidera sejam oposicionistas ao PT, evita classificá-las como de direita. “O termo é muito deturpado no Brasil. O nosso movimento envolve pessoas liberais na economia e conservadores nos costumes e também liberais no campo econômico e pessoal. Como acreditamos no Estado democrático de direito, obviamente superamos as diferenças e defendemos a democracia”, afirma. 

Segundo Santos, as manifestações não estão sendo organizadas apenas porque Dilma Rousseff venceu as eleições e sim porque o PT “vem aparelhando todas as instituições necessárias ao bom funcionamento da democracia, como a imprensa e o Judiciário.” Santos defende ainda que se teste as urnas e que se faça auditoria. “Não tem nada de golpista em querer que elas sejam auditadas, afinal as urnas são a base do processo democrático.”

Grupos se organizam pelas redes sociais 

Há dezenas de páginas nas redes sociais que pedem o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Uma das maiores é do grupo Revoltados Online, com mais de 218 mil seguidores liderados pelo paulistano Marcello Reis, que tenta reunir 60 milhões de adesões. 

Na página do grupo, o ativista publica vídeos explicando suas ações. Em um deles – que tem mais de 11 mil curtidas e 55 mil compartilhamentos – afirma que pretende encaminhar o pedido de impeachment ao “Conselho Internacional de Segurança”. 

Questionado sobre que órgão seria este, Reis explica que se trata do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). “Eles podem não reconhecer o governo brasileiro e pressionar o Congresso a tomar uma ação”, afirma. 

Apesar de se dizer contra a intervenção militar, Reis afirma que não pode evitar caso apareçam pessoas com cartazes sobre o tema na manifestação que organiza no dia 15 em São Paulo. Questionado se o grupo que lidera também pensa assim, o ativista relativiza. “Agora estamos defendendo a ideia simplesmente do impeachment da presidente da República e a anulação das eleições. Queremos provar que as urnas foram fraudadas. Ponto”. O evento tem 135 mil confirmações.