domingo, 5 de outubro de 2014

Site da Rádio Bandeirantes, uma notícia assustadora. É o "capitalismo"nacional.

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por: Mariana Mazza

28/08/2014 11:31

Manual da TIM para torturar clientes

Quando a Anatel decidiu lançar o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC) duvido que imaginava o tamanho da resistência que iria enfrentar. As empresas não tem mostrado nenhum pudor em contestar item por item do documento, que pretende aumentar a qualidade do atendimento ao consumidor. Não que seja surpresa para alguém que companhias de grande porte não queiram facilitar a vida de seus clientes. Mas isso normalmente é feito na surdina. Contestar na Justiça direitos básicos que os consumidores deveriam ter garantidos há muito tempo é sempre assustador.

Desde que essa nova batalha começou, tenho ponderado sobre a eficácia desse regulamento. Não tenho dúvidas de que as regras são um avanço. Mas sem uma ação efetiva da agência reguladora, fiscalizando o cumprimento das exigências e incentivando uma mudança na cultura dos Call Centers, temo que as medidas se tornem inócuas.

Uma reviravolta recente no processo trouxe à tona um chocante documento que mostra como regras, sem fiscalização, não são o suficiente para mudar as coisas. Na última semana, a Hoje Telecom decidiu se retirar do rol de associados da Telcomp, uma das principais entidades representativas do setor. É por meio da Telcomp que boa parte das companhias telefônicas tem contestado a validade do RGC.

A Hoje Telecom, uma pequena empresa que há sete anos batalha para ampliar a concorrência no mercado de telecomunicações, resolveu se afastar da entidade por entender que as grandes companhias ali representadas têm se esforçado em prejudicar o surgimento de novos competidores. A empresa já vinha sentindo na pele a dificuldade de abrir espaço no mercado de telefonia brasileiro e tem travado uma disputa com suas rivais por conta das tarifas de interconexão. O que nem ela esperava é que esta batalha a levaria a descobrir provas de que o jogo para minar a concorrência e prejudicar os consumidores faz parte de uma estratégia concreta, documentada e implementada não só no Brasil, mas nas próprias matrizes das grandes operadoras.

A personagem das denúncias é a TIM. A Hoje Telecom teve acesso ao processo movido na Justiça italiana sobre a controladora da rival no Brasil, a Telecom Itália. E na papelada reunida pelos promotores italianos encontrou uma verdadeira pérola do descaso das companhias com seus clientes. Em um e-mail com data de 20 de março de 2009, o presidente da TIM, Luca Luciani, orienta seus funcionários a dificultar qualquer tentativa de cancelamento de linhas ou mudança para uma outra operadora. O trecho inserido no processo italiano e, agora, apresentado à Justiça brasileira é autoexplicativo.

"Então, deveremos agir nos comportamentos:

- Aumentaremos o nível de dificuldade do processo de cancelamento (ou seja, "na unha”). Isto vale para linhas portadas e para cancelamentos voluntários. Isto incluiu uma série de comportamento, tais como:

- declarar que estão incompletos os dados cadastrais / documentação para cancelamento.

- reduzir a transparência e informações (por exemplo, as mensagens automáticas de voz não devem ser informativas, pois ao transferir a ligação para o operador este não terá chance de defesa).

- exercer pressão no caso de faturas não pagas ou multa contratual (a quantos efetivamente pedimos a retenção pela multa?). Vamos procurar uma forma automática de inclusão nas listas negras de crédito."

Ou seja, Luciani orienta claramente seus funcionários a agir sem escrúpulos para impedir que os clientes da TIM deixem a empresa, inclusive sonegando informações. O contexto deste e-mail é atualização da Lei do SAC (decreto 6.523/2008) que, entre outros avanços, visava acabar com as horas de espera dos clientes nas linhas de atendimento. O executivo ainda conta com o lançamento no Brasil de uma campanha para incentivar os atendentes a serem mais severos com os clientes insatisfeitos. "Na Itália, a premiação ´ganhe um Mini Cooper´ foi um sucesso notável. Em curtíssimo prazo, a premiação atrai e focaliza a atenção dos operadores." Pra quem acha que só o consumidor brasileiro passa por essas coisas, está ai a prova de que há abuso nos outros países também, embora isso não seja nenhum consolo.

O e-mail deixa claro que a TIM está disposta a assumir os riscos de descumprir a lei para manter, como reféns, seus clientes. Ou como escreveram os advogados da Hoje Telecom na ação apresentada na Justiça: "Para quem acha que o atendimento é ruim porque a TIM é incompetente, fica provado que ela é competente em ser ruim".

Mas não sejamos ingênuos. A TIM foi pega em flagrante, mas este espírito de maltratar os clientes não pertence apenas a ela. Clientes de todas as operadoras sofrem nos Call Centers. Tanto que a peça-chave do RGC, lançado cinco anos após a Lei do SAC, ainda é garantir ao consumidor o direito de cancelar sua linha sem ser molestado.

Além de escrever a regra no papel, a Anatel tem que fiscalizar rigorosamente essas empresas se quiser de fato implementar mudanças. Os clientes, por sua vez, devem denunciar na agência toda vez que sentirem que estão sendo passados para trás nas centrais de atendimento. Quem sabe, sob pressão, a agência reguladora aja com mais força. O e-mail da TIM é uma amostra da cultura que se expandiu no setor de telecomunicações, onde o importante é "prender" o cliente com estratagemas e desinformação ao invés de garantir uma fidelização por meio de um serviço de qualidade.