segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Isto É dinheiro


A bolha da eleição

Pesquisas eleitorais que indicam a derrota do governo fazem ações bater recordes de preço. Saiba até onde esse movimento é sustentável

05/09/2014 20:00

  • // Por: Cláudio Gradilone
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Até meados de agosto de 2014, o cenário eleitoral estava razoavelmente definido. Dilma Rousseff, candidata à reeleição pelo PT, surfava com uma ampla maioria sobre o oposicionista Aécio Neves. No entanto, a lenta queda de Dilma na preferência do eleitorado fazia prever um segundo turno do pleito. Na aposta do mercado financeiro, a polarização com Aécio, aliada a um nítido descontentamento do eleitorado do Centro-Sul, permitia prever uma improvável, mas não impossível, vitória da oposição no segundo turno. Nesse cenário, o mercado, francamente oposicionista, começou a comprar ações.

“A equação é simples na cabeça do investidor: qualquer sinal de derrota de Dilma é um indicativo de compra”, diz o analista independente paulista Clodoir Vieira. Entre o início oficial da campanha, no dia 6 de julho, e a morte trágica do candidato Eduardo Campos, do PSB, no dia 13 de agosto, o Índice Bovespa subiu 2,8%. No entanto, o acidente embaralhou a sucessão presidencial. De vice de um candidato com chances reduzidas de chegar ao segundo turno, Marina Silva viu-se catapultada à condição de concorrente viável. Isso ficou claro nas pesquisas realizadas imediatamente após a queda do avião de Campos.

Em pesquisas posteriores, Marina aparece até como vencedora em um eventual segundo turno contra Dilma. Essa reviravolta injetou combustível na especulação com as ações. Desde aquela data até a quarta-feira 3, a média do mercado valorizou 11,2%. Algumas ações de empresas estatais, como Petrobras e Banco do Brasil, dispararam. Entre o início da campanha e a morte de Campos, ambas haviam subido, respectivamente, 6,8% e 12,4%. Depois do acidente, os ganhos foram de 28,1% e 33,8%. Os papéis da Petrobras subiram até R$ 24, retornando a níveis de abril de 2011.

No caso do BB, as ações chegaram a R$ 37 na terça-feira 2, recorde histórico de preços. O humor do mercado mudou tanto e tão repentinamente que, na segunda-feira 1o, um relatório enviado pelo BTG Pactual a seus clientes afirmou que as cotações da estatal petrolífera poderiam chegar a R$ 30 antes da eleição, voltando aos níveis “pré-marolinha” de 2008. Procurado, o banco não comentou. O vínculo entre os prognósticos da eleição de Marina e a alta da bolsa é tão forte que uma pesquisa mostrando que Marina parou de crescer, divulgada na noite da quarta-feira 3, fez as ações desabarem no pregão seguinte.

Petrobras caiu 4,8% e Banco do Brasil recuou quase 6%. “As pesquisas da quarta-feira alertaram o mercado de que o crescimento de Marina foi rápido, mas pode ter sido temporário”, avalia Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da corretora paulista Tov. Será que o efeito bolha da oposição na bolsa vai estourar? É melhor botar as barbas de molho. Apesar de o crescimento nas intenções de voto em Marina ser inegável, seu significado pode estar sendo interpretado erroneamente. O que a candidata promete – austeridade fiscal, independência do Banco Central, câmbio livre para flutuar – é música para os ouvidos do mercado (leia mais sobre a equipe econômica de Marina na reportagem de capa desta edição, aqui).

Para o público amplo, suas propostas de mudança com sustentabilidade, mesmo que esse conceito não seja explicado detalhadamente, também calam fundo na alma do eleitor. “A economia não está indo bem, o nível de emprego parou de crescer e a inflação se acelerou, e, em situações de incerteza econômica, a tendência dos eleitores é procurar um salvador”, diz o filósofo Roberto Romano. No entanto, por melhores que sejam as intenções de Marina, elas não bastam. “Nada garante que, eleita, ela seja capaz de realizar grandes mudanças, pois a ela vai faltar algo essencial para a condução de um projeto político, que é o apoio de uma máquina partidária forte”, acrescenta.

Além da dificuldade política, uma leitura atenta do programa de governo apresentado por Marina no último dia 29 não justifica tanto otimismo. Quando trata do papel dos bancos públicos, o programa é explícito em defender uma redução da atuação do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e do BNDES. “Essa medida [a redução do papel dos bancos estatais] criaria mais espaço para o crescimento dos bancos privados”, escreveram Stephen H. Graham e Fernando Siqueira, analistas do Citibank, em um extenso relatório publicado na terça-feira 2.

Ou seja, uma concorrência mais acirrada para o Banco do Brasil, o que justificaria uma queda de suas ações. O mesmo raciocínio vale para a Petrobras. Principal empresa brasileira e uma das maiores ações da bolsa, a estatal petrolífera vem sofrendo nos pregões há quatro anos devido à sistemática contenção dos reajustes de preços dos combustíveis. A princípio, as propostas de Marina – redução do uso de combustíveis fósseis, prioridade às energias renováveis e fim do uso das estatais como instrumentos de política econômica – são benéficas à empresa.

No entanto, ela tem dito que o petróleo é um “mal necessário” e seu programa indica que ela pode colocar os investimentos do pré-sal em segundo plano. Na quarta-feira 3, a candidata do PSB moderou suas declarações anteriores, mas a dúvida permanece. No caso das empresas de energia, teoricamente beneficiadas com o apoio às fontes alternativas, há poucas garantias de que as propostas se traduzam em lucros. “As cotações das empresas elétricas subiram demais”, diz Vieira.

Esse raciocínio vale para outros setores da economia. No limite, a inflação continua elevada, a indústria continua fechando postos de trabalho e o crescimento econômico previsto para 2014 e 2015 vem sendo sistematicamente revisado para baixo. Nesse cenário, o que muitos investidores vêm tentando fazer é comprar ações apostando em uma não reeleição de Dilma, algo que não está definido. “Não é uma bolha no sentido clássico, mas é um momento de cautela”, diz Vieira. “Não é hora de sair comprando, esperando uma nova onda de altas.”