sábado, 19 de julho de 2014

Gazeta do Povo, 18/07/2014

Gazeta do Povo
Corrida presidencial

Candidatos à Presidência defendem reformas que podem não sair do papel

Para cientistas políticos, muitas propostas dos presidenciáveis são meros elementos de marketing para tentar convencer o eleitor

  • 18/07/2014, 00:21
  • Chico Marés
  • Roberto Ghement/Efe
  • Congresso Nacional: a reforma política é defendida por praticamente todos os candidatos à Presidência, mas ela nunca é efetivada pelo Legislativo
Presente no cenário político brasileiro desde as reformas de base prometidas pelo presidente João Goulart, a ideia de reformar o Estado está presente nos programas dos quatro principais candidatos à Presidência. A reforma política é citada nos quatro programas, e outras reformas, como a tributária e a “dos serviços públicos”, também aparecem nas propostas. Entretanto, pode se tratar de um mero elemento de retórica, já que muitas das propostas são genéricas e pouco aprofundadas. 


Para Roberto Romano, professor de Filosofia Política da Unicamp, a ideia de reforma serve como uma espécie de “termo embreagem” para os candidatos. Esse conceito, elaborado pelo linguista francês Émile Benveniste, remete a uma palavra que nada significa, mas que torna o discurso mais facilmente digerível. No entendimento de Romano, as reformas sugeridas pelos candidatos são pouco consistentes, mais próximas de uma estratégia de marketing. 

Um exemplo seria a reforma política. Para Romano, ela só seria possível com a democratização dos partidos, o que não aparece nas propostas. Entretanto, todos os candidatos prometem que ela será realizada. Logo, para Romano, as mudanças sugeridas pelos candidatos não têm um caráter de fato reformista – no máximo, o termo serve como um elemento de propaganda. 

Já o cientista político do grupo Uninter Luiz Domingos Costa aponta que os planos de governo tendem a ser exageradamente abrangentes. “Um candidato à Presidência tem que agradar a muitos segmentos para ser competitivo, então precisa incluir muitas opções em seu programa. O eleitorado cobra mais pela ausência de temas do que pela presença”, afirma. Logo, há a necessidade de se incluir reformas que não necessariamente estarão na lista de prioridades do candidato vencedor. 

Costa diz que a ideia de reforma tem um apelo positivo entre segmentos da população de classe média e alta, e acredita que as reformas política e tributária terão certo destaque durante os debates da campanha. Ainda assim, ele acha improvável que esses temas sejam fatores decisivos na eleição, já que o eleitorado médio tende a dar mais atenção a propostas palpáveis, como a redução do desemprego ou a execução de obras, do que a mudanças no modo de organização do Estado. 

Reformas
 
O PT governou o país pelos últimos 11 anos e meio. Ainda assim, se o programa de governo da presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição, defende a realização de quatro reformas para “o novo ciclo histórico” que propõe: política, urbana, federativa e dos serviços públicos. Principal partido de oposição, o PSDB defende uma reforma a mais: além da política e dos serviços públicos, o programa de Aécio Neves (PSDB) cita a reforma tributária, da infraestrutura, da segurança pública.
Já Eduardo Campos (PSB) coloca a reforma política como o primeiro item de seu plano de governo, e cita também a reforma tributária e da administração pública, além de um “novo federalismo”. Pastor Everaldo (PSC) dá destaque em seu programa para as reformas política e tributária. Ele fala também em uma reforma trabalhista, na assistência social e no setor bancário.

Mudanças no sistema político são resposta a protestos
 
A ideia de levar adiante uma reforma política foi a principal resposta da classe política aos protestos de junho de 2013 – ainda que essa não tenha sido a única, ou mesmo a mais importante, das demandas. A presidente Dilma Rousseff (PT) chegou a apresentar uma proposta de Constituinte exclusiva, que ainda é defendida pelo PT, e de um plebiscito para que a população opinasse sobre o tema. As propostas não foram adiante no Congresso. 

O assunto não chega a ser uma novidade: em 2007, um projeto de lei foi relatado pelo deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), mas acabou arquivado. Entre 2011 e 2013, comissões na Câmara e no Senado discutiram o tema, mas ambas acabaram morrendo na praia. O insucesso ocorreu, principalmente, pela falta de consenso sobre os mais variados temas por parte dos deputados e senadores. 

Para o cientista político Luiz Domingos Costa, do grupo Uninter, ainda que o tema não seja uma novidade, apenas no ano passado a ideia de reforma política ganhou destaque na opinião pública. Logo, o tema pode ter um peso importante na campanha, sem que haja um risco de soar como uma promessa velha. 

Outras reformas
 
Entre os candidatos de oposição, outra reforma destacada é a tributária. Todos os candidatos defendem a simplificação do sistema tributário. Eduardo Campos (PSB) fala também em assegurar mais autonomia a estados e municípios, enquanto Pastor Everaldo (PSC) defende o corte linear de impostos. 

O cientista político Luiz Domingos Costa aponta que a ideia de que a carga tributária no Brasil é alta virou um “senso comum” e que a diminuição da carga de impostos tende a ser uma proposta popular nas classes média e alta. 

Outras questões que não chegam bem a ser reformas acabam ganhando esse título para se tornarem mais palatáveis ao eleitor. É o caso da “reforma dos serviços públicos”, que não trata de um conjunto de mudanças de ordem legal – como a reforma política, tributária ou outras reformas já realizadas, como a previdenciária – e, sim, um aprimoramento da gestão dos serviços sociais no país.
Qual reforma?
Depois dos protestos de junho do ano passado, virou quase consensual a defesa de uma reforma política. Seis candidatos incluíram esse tema em seu programa de governo. Saiba o que defendem:

• Dilma Rousseff (PT): o programa de governo fala de distorções no sistema político, mas não
especifica quais. O documento diz que a reforma deve partir de um plebiscito popular. O PT defende o fim do financiamento privado de campanha e a adoção de listas fechadas – ainda que não isso não seja citado no programa de governo.

• Aécio Neves (PSDB): assim como o PT, o PSDB fala na necessidade da reforma política para “tornar mais confiável e transparente” a representação política no país, mas não especifica posicionamentos. Internamente, o partido defende o voto distrital misto e o fim da reeleição – aprovada durante a gestão tucana, em 1998 – e das coligações em eleições proporcionais.

• Eduardo Campos (PSB): entre os quatro principais candidatos, é o que mais especifica suas propostas sobre o tema. O PSB defende o barateamento das campanhas (sem especificar se permitindo ou não o financiamento privado), a possibilidade de candidaturas avulsas e o aperfeiçoamento de instrumentos de democracia direta, entre outros pontos.

• Pastor Everaldo (PSC): apresenta três propostas: o fim do voto obrigatório, a criação de um sistema de impressão do voto para eventuais recontagens e a simplificação da burocracia para o registro de candidaturas.

• Eduardo Jorge (PV): propõe a redução dos salários e do número de deputados federais e estaduais, a extinção do Senado, o fim do voto obrigatório e um novo plebiscito para que a população possa optar ou não pelo parlamentarismo. O partido defende também o voto distrital misto.

• Luciana Genro (PSol): é contrária ao financiamento privado de campanhas e defende uma maior participação de “setores historicamente alijados” da política.