sexta-feira, 2 de maio de 2014

Zero Hora. Leiam, por favor, abaixo, após a reportagem corajosa de Zero Hora, duas entrevistas minhas, naturalmente violentamente criticadas pela direita nacional. Os comentários da canalha nazista às entrevistas mencionadas mostram o que está por vir nesta infeliz terra, sempre dominada pela direita e pelo fascismo.

Intolerância no RS

Ameaça do neonazismo persiste no Rio Grande do Sul

Prisão não costuma inibir os simpatizantes de ideais nazistas

02/05/2014 | 05h31
Ameaça do neonazismo persiste no Rio Grande do Sul  Polícia Civil/ Reprodução
Material apreendido pela Polícia Civil mostra bandeiras e objetos ligados a grupos antissemitas Foto: Polícia Civil / Reprodução
 
Em 2005, três amigos — dois deles judeus — confraternizavam em um bar localizado na Cidade Baixa, em Porto Alegre, quando um grupo de jovens se aproximou trajando roupas de inspiração militar. Ao observar que integrantes do trio usavam quipá, pequeno chapéu adotado pelos judeus com conotação religiosa, passaram a desferir socos, chutes e facadas nas vítimas. Os agressores, que agiram na data de celebração de 60 anos do fim do Holocausto, revelaram a extensão da ameaça neonazista no Rio Grande do Sul.

Leia a reportagem Intolerância no RS completa

Essa ameaça, passada quase uma década do ataque visto como um marco no embate entre a sociedade e os adeptos das ideias de Adolf Hitler no Estado, ainda existe. Ao longo desse período, a Polícia Civil promoveu mais de 50 indiciamentos em pelo menos 25 inquéritos, e procura monitorar os passos de integrantes das principais organizações de promoção do ódio — localizadas em maior número na Grande Porto Alegre e na Serra. Mas o risco prossegue.

— Recentemente, houve um pequeno aumento da mobilização de neonazistas no Interior, mais do que na Capital — afirma o titular da 1ª Delegacia da Polícia Civil de Porto Alegre e policial especializado no combate às ações extremistas, Paulo César Jardim.

O delegado evita citar estimativas sobre o número de adeptos dos ideais nazistas no Estado a fim de não atribuir força ao movimento. Um estudo recente da pesquisadora da Unicamp Adriana Dias estimou que o Rio Grande do Sul contaria com 42 mil simpatizantes — atrás apenas de Santa Catarina, com 45 mil — ao analisar o número de usuários da internet que baixaram mais de cem materiais de divulgação extremista em um determinado período.

Esse número não é levado em consideração pela polícia gaúcha porque muitos neonazistas têm mais de um perfil virtual utilizado para navegar anonimamente nesses sites, além da existência de perfis falsos utilizados por autoridades de todo o país para monitorar as atividades desses grupos. Tudo isso poderia levar a um número superestimado de adeptos da intolerância.

Jardim avalia que, nos últimos anos, a quantidade de ações violentas na região da Capital se reduziu em razão do indiciamento de 14 neonazistas apontados como suspeitos de participar da agressão de 2005 na Cidade Baixa. Como ainda aguardam julgamento, o envolvimento em outro ataque poderia agravar sensivelmente as penas deles. O grupo ainda não enfrentou o tribunal porque 10 deles entraram com recurso para tentar evitar o júri popular.

— Seria a primeira vez no Brasil, que eu tenha conhecimento, que um grupo nazista iria a júri popular. Por isso, já recebi ligações de jornalistas dos mais variados países interessados em acompanhar esse caso — conta Jardim.

O advogado de uma das vítimas de 2005, Helio Neumann Sant'Anna, conta que seu cliente levou uma facada na barriga e outra no braço. Até hoje, o rapaz sente o impacto do trauma.

— É possível ver o medo nos olhos dele. Um ataque desse tipo, motivado pelo ódio, pelo preconceito, provoca um abalo muito grande. Ele ainda espera que a Justiça seja feita — conta Sant'Anna.

A composição étnica do Rio Grande do Sul, marcada pela imigração europeia, segundo o policial criaria um ambiente mais favorável para a identificação com a ideologia marcada pela ilusão de superioridade da chamada raça ariana. Apesar dos esforços das autoridades para conter as células neonazistas no Estado, o delegado Jardim sustenta que é uma guerra difícil. Nem a prisão costuma inibir os líderes do movimento.

— Vários deles já foram mandados para o Presídio Central para refletir sobre a bobagem que estão fazendo — conta o policial.

Para muitos, porém, a passagem pela cadeia representa uma prova de valor diante do restante do grupo. A dificuldade, segundo Jardim, é que não se tratam de bandidos comuns.

— Eles são guiados por uma ideologia. Um dia perguntei a um deles se não tinha pena das vítimas. Ele me respondeu perguntando se eu tinha pena ao matar uma barata. É assim que eles pensam — lamenta.

Casos recentes envolvendo ataques neonazistas no Rio Grande do Sul:
2003
Em julho, um estudante punk então com 24 anos relata ter sofrido agressões de neonazistas armados com bastões e soqueiras quando estava em um bar localizado nas imediações da esquina das vias Barros Cassal e Independência, na Capital.

2005
Três estudantes judeus são agredidos a socos e facadas por membros de facções de inspiração nazista no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. Ao todo, 14 pessoas são denunciadas à Justiça pelo crime. Elas ainda aguardam julgamento.

Em Caxias do Sul, neonazistas são apontados como suspeitos em pelo menos dois atos violentos — o assassinato de um homossexual em um parque, em agosto, e agressões contra um jovem punk, em outubro.

2010
Livros, CDs, facas e uma soqueira estão entre os materiais apreendidos em Porto Alegre. Chamou a atenção dos policiais um vídeo em que um grupo neonazista faz ameaças ao senador Paulo Paim (PT), que é negro.

2011
Pichação com um símbolo nazista — a suástica — é encontrada nos ladrilhos de uma das escadarias do Viaduto Otávio Rocha, na Capital, em junho.

Um grupo que se autodefine como "anarcopunk" (punks e anarquistas) e outro de skinheads (neonazistas) se enfrentam em uma briga na Capital em outubro. Duas pessoas são feridas a faca.

2012
Com soqueiras, bastão e facas em punho, um suposto grupo de neonazistas é detido pela BM quando estaria prestes a atacar jovens em uma parada de ônibus de Caxias do Sul, em janeiro. Os alvos seriam negros e punks.

2013
Em março, um negro é esfaqueado no abdômen, quando voltava de uma festa, na Capital. A suspeita é de que o ato tenha sido provocado por neonazistas.

* Colaborou Cleidi Pereira


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Ideal fascista está sendo retomado, alerta filósofo

Roberto Romano, professor de Ética e Ciência Política da Unicamp
Publicado em 21/11/2010 |
Um velho espectro político volta a rondar o mundo ocidental, com riscos inclusive ao Brasil. E seu nome é fascismo. O alerta é do filósofo e professor de Ética e Ciência Política Roberto Romano, da Unicamp. Ele vê na atualidade o renascer de uma preocupante onda de interesse acadêmico por obras de intelectuais que ajudaram a construir a base teórica dos Estados totalitários surgidos na Alemanha e na Itália no período entre as duas Guerras Mundiais.

O ponto principal de preocupação de Romano é o interesse renovado pela obra do jurista e filósofo Carl Schmitt. Autor “maldito” durante muito tempo por defender a ditadura como melhor forma de governo, o teórico alemão começa a ser revisto em universidades. A intenção seria aproveitar algumas ideias dele, jogando “a parte podre fora”. Para Roberto Romano, porém, isso é inviável.
Glossário
Confira alguns termos-chave no pensamento do filósofo Roberto Romano:
Nazismo
Surgiu na Alemanha depois da I Guerra Mundial, da qual o país saiu arrasado. Numa crise financeira sem precedentes, o líder do partido nazista, Adolf Hitler, foi visto por muitos alemães como uma solução radical para o caos. No poder, Hitler implantou uma ditadura, que pregava a superioridade racial dos arianos e a morte dos inimigos.
Fascismo
Regime totalitário surgido na Itália, entre a I e a II Guerra, que defende a subordinação do povo a um líder, a disciplina como comportamento e a ditadura. O termo fascismo serve hoje para designar hoje uma série de governos com o mesmo perfil.
Liberalismo
Sistema político baseado na defesa das garantias individuais e na existência de um Estado de Direito, em que a lei é igual para todos, com destaque para a ideia de Constituição, que limita o poder do soberano e do próprio povo.
Marxismo
Ideário baseado nos escritos de Karl Marx, filósofo e economista alemão que, no século 19, defendeu a criação de um Estado forte que fosse capaz de impedir a desigualdade entre os homens. Pressupunha a instalação de uma ditadura do proletariado, da proibição da propriedade privada e da distribuição de renda por meio da intervenção estatal. Resultou no comunismo.
Carl Schmitt
Jurista e filósofo alemão (1888-1985), autor de obras que deram base ao governo nazista na Alemanha. A teoria de Schmitt previa um governo forte, ditatorial, em que o líder fosse capaz de, a todo momento, optar por caminhos não previstos pela lei. Para ele, a política estava acima do Direito, e o chefe de Estado não poderia, para ser eficiente, ser limitado por uma Constituição.
Segundo ele, em boa parte dos casos, os defensores de Schmitt surgem de “órfãos de Marx e do stalinismo” – ainda interessados em derrotar o liberalismo.
Romano diz ainda que o temor com o renascimento dessas ideias é ainda maior diante do clima de irracionalismo criado por alguns fanáticos religiosos, da alta taxa de desemprego, do enfraquecimento dos Estados nacionais e da violência social do mundo atual. Ele afirma também que a visão do adversário político como inimigo a ser derrotado, perigosamente inserida na campanha presidencial brasileira deste ano, é uma amostra do risco do renascimento de radicalismos totalitários no país.

O senhor afirma que há um renascimento do interesse pelo pensamento nazista no mundo. De onde vem esse interesse?

Da perda dos paradigmas éticos e políticos que nortearam os séculos 19 e 20. Com o enfraquecimento do liberalismo no início do século 20, surgiram propostas de ordenamento da sociedade com maior ênfase nos coletivos, e não tanto nos indivíduos e grupos. A sociologia romântica acentuou os laços comunitários contra a vida urbana e industrial, com seu “Estado máquina” [nazifascista]. Essa sociologia é um dos muitos pontos que ajudaram a edificar, nos estratos mais reacionários, uma ideia de coesão e disciplina vertical. E, nesta ideia, a vontade seria a diretriz, não a racionalidade.

De modo geral, [György] Lukacs [pensador marxista húngaro] descreveu a mudança de modelos, do racional para o irracional. Ele mesmo, como discípulo de [Max] Weber [alemão, considerado o pai da sociologia], havia procurado uma saída para a ordem mecânica e burocrática do mundo moderno. Encontrou na revolução proletária internacional. Na outra ala dos seguidores de Weber, na sua direita, encontravam-se sociólogos e juristas reacionários como Carl Schmitt. Schmitt, que também criticava as formas mecânicas e liberais, serviu momentaneamente aos nazistas.

Nos anos 70 do século 20, pensadores que, na esteira da crítica à União Soviética deixaram de aceitar pressupostos do pensamento marxista, passaram a ver nos escritos de Carl Schmitt um instrumento para continuar a recusa do liberalismo. Órfãos de Marx e do stalinismo, eles acentuam a resistência às formas liberais do Estado, sem no entanto acreditar mais numa “revolução proletária internacional”. Esses escritores ajudam a estabelecer o relativismo, a corrosão dos padrões éticos e se colocam como geradores do éter de ideias que paira sobre os movimentos nazifascistas. É preciso lembrar que esses movimentos jamais deixaram de existir na Alemanha, na Europa, no mundo. Os demais, não saídos do campo marxista, partilham os mais variados matizes do pensamento conservador ou francamente reacionário, não aceitam as luzes, a democracia, etc. Estes últimos são os que mais gasolina injetam nos movimentos irracionalistas e fascistas que hoje se apresentam na cena mundial.

Quais são os indícios desse novo interesse por esse pensamento?

Obras de autores como Schmitt são editadas na Europa, na Ásia, nos EUA, na América do Sul. Seminários, publicações jurídicas ou supostamente filosóficas se espalham, sempre com o mote de, inicialmente, livrar Schmitt e seus pares da “pecha” de nazistas. Teses universitárias surgem, e tomam como dados inquestionáveis os dogmas do decisionismo político e jurídico; as teses sobre a política como exercício da inimizade; os “desvios” da modernidade no pensamento liberal e socialista democrático, etc.

O que pregam esses intelectuais?

Pregam o afastamento imediato das mediações jurídicas e políticas liberais e o reforço do poder decisório dos líderes que movem o Executivo. Em suma, pregam a ditadura do Poder Executivo nas matérias estratégicas dos países, em detrimento do Legislativo e do Judiciário.

O senhor afirma que os intelectuais que tentam fazer um “renascimento” da obra de Carl Schmitt tentam separar o resto de sua obra, evitando a defesa da ditadura, por exemplo. Isso é possível?

Não. Mesmo autores irracionalistas escrevem textos que se caracterizam como um todo. Impossível arrancar do decisionismo schmittiano a sua atribuição ao chefe de Estado de poderes ditatoriais.

Qual o risco real de um grupo de intelectuais defenderem ideais como os que levaram à ditadura de Hitler na sociedade atual?

Embora a conjuntura seja outra, e não exista mais a bipolaridade geopolítica entre comunismo e nazifascismo, a crise que gerou naquela época os movimentos totalitários se apresenta agora, em outra face, mas tão corrosiva quanto nos anos 20 do século passado, no campo dos valores, das instituições, das ciências. Massas sem emprego, desindustrialização comandada e em proveito do capital financeiro, corrosão dos Estados, violência social, preconceitos, fanatismos, irracionalismo religioso sectário, todos elementos são férteis sementeiras de ódio. E permitem pensar e agir na política como se ela fosse uma guerra civil, não como uma instância de diálogo e cooperação entre cidadãos que discordam mas buscam o bem coletivo. No fascismo, o “bom coletivo” é o meu. Os demais devem ser derrotados e expulsos da cena pública e, mesmo, da vida.

Esse interesse existe também no Brasil? Onde?

Em nossas universidades existem muitos pesquisadores e professores que apresentam o pensamento de Schmitt como algo “neutro”, que não traria nenhum perigo para a ordem democrática. Sou contra escritores como Yves-Charles Zarka, um mestre do pensamento filosófico e político atualmente, que recomenda retirar os textos de Schmitt das prateleiras, em livrarias e bibliotecas. Creio ser preciso ler aquele autor, e todos os autores relevantes na história de nosso tempo. Mas uma coisa é ler; outra é aceitar e espalhar as doutrinas genocidas. 

Agora, pensemos um pouco sobre a última campanha eleitoral para a Presidência – com os insultos, os ataques de lado a lado, a redução dos concorrentes a inimigos – para perceber os possíveis frutos da corrosão nos movimentos políticos, se eles aceitarem a tese de que o outro deve ser aniquilado. É bom recordar que, em nosso caso, todos os partidos que lideraram as campanhas saíram da esquerda, sendo notával a ausência, nelas, de elementos conservadores. Neste vácuo, a pregação fascista (intolerante, racista a pretexto de ser regionalista) toma fôlego, à espera de seu momento certo.

A tensão étnica e religiosa que ressurge na Europa, especialmente com o crescimento do Islã, tem a ver com esse pensamento?

Sim. O Islã é visto como o inimigo, na ausência do comunismo. Mas o inimigo pode ser qualquer religião, ideologia, partido político. A redução da política à dimensão de uma guerra gera apenas a fratura no social e no Estado. 

Como combater esse tipo de ideal que vem ressurgindo?

A única forma de combater eficazmente o fortalecimento fascista é viver a democracia, mesmo com todos os seus defeitos. Qualquer apelo ao voluntarismo, à radicalização das próprias teses em detrimento da voz alheia, da redução dos que pensam diferente ao estatuto de inimigo, resultam em favor dos que consideram impossível o convívio democrático respeitoso, nos parâmetros dos direitos humanos. A única fórmula para combater o fascismo, em pensamento e atos, é viver e valorizar a democracia.


Enviado por Rogerio Waldrigues Galindo, 11/11/13 4:13:39 PM

Professor diz que direita é majoritária nas universidades

Roberto_Romano

Existe um discurso que vem ganhando espaço principalmente entre a direita, e que diz que a esquerda “aparelhou” a universidade brasileira. Os professores nas públicas seriam majoritariamente de esquerda, contratariam mais gente de sua ideologia e usariam as provas de seleção como instrumentos de garantia de que só os “seus” passariam no vestibular.

O blog foi ouvir gente dentro das universidades para saber o que eles pensam disso. Nos próximos dias, vou publicar as respostas de professores de várias universidades e de vários matizes ideológicos sobre o mesmo tema.

Começamos com o professor Roberto Romano, que leciona Ética e Ciência Política na Unicamp. Ele nega o predomínio da esquerda e diz que, muito pelo contrário, há mais gente de direita nos departamentos. A orientação política dele? O blog até perguntou, mas deixa sem contar a resposta. Fica mais divertido assim, e evita-se também uma caça às bruxas ainda maior.

1- Há um predomínio de intelectuais de esquerda nas universidades públicas brasileiras? Por quê?

Discordo. O número de conservadores e pessoas favoráveis à direita, na universidade, é tão grande quanto o das esquerdas. Mas ocorreu o seguinte: nas duas ditaduras que destruíram a vida cidadã no século XX brasileiro a direita, que representa o que é mais típico do Estado e da sociedade brasileiros, ou seja, a dominação sem limites contra os “negativamente privilegiados”(o termo é de Max Weber) predominou nos governos, nas chamadas sociedades civis, nos campi. Às esquerdas foi destinado o papel de inimigo a ser cassado, perseguido, banido, exonerado das salas de aula e dos laboratórios.

No mesmo passo em que os governos ditatoriais esmagavam as esquerdas, as direitas (porque elas também podem ser enunciadas no plural) se refestelavam em cargos, sinecuras, verbas de pesquisa, etc. É conhecida dos historiadores a cooperação da direita com os regimes de força no Brasil, as cooptações, as delações contra os que não aceitavam os golpes de Estado. Leia-se novamente O livro Negro da USP e outros documentos tremendos. Como a minoria deve sempre se distinguir pelo maior ativismo, as esquerdas conseguiram mais visibilidade na ordem universitária e civil.

A direita brasileira, salvo nos últimos tempos, se caracteriza pelo sigilo, pela apropriação silenciosa do espaço público, sem precisar (insisto, até data recente) de conquistar espaços. Para ser mais claro: a direita pouco falava, pouco militava, porque suas posições tinham sido concedidas pelos canhões dos golpes de Estado e pelas polícias políticas. Com a insipiente democracia pós 88, elas começaram a sentir a necessidade de propagar suas teses e garantir suas posições.

Mas, contra o sentido da pergunta acima, digo sem medo de errar que o predomínio nas universidades é a direita. E existe, sim, direita e esquerda. A primeira exige a ordem que preserva os seus lugares de mando e de garantia social. A segunda exige mudanças na estrutura da sociedade e do Estado. Se ambas, às vezes, não são coerentes com seus próprios alvos, é assunto para outra conversa.

É possível, sim, reconhecer nos campi brasileiros os descendentes de Rousseau e de Robespierre, de Marx e de Sartre. Mas também são identificáveis os herdeiros de Burke, Bonald, De Maistre, Donoso Cortés. E são hegemônicos os que integram a segunda lista.

2- A direita acusa a esquerda de “aparelhar” as universidades. Isso seria possível? Como?

Se for verdade, a esquerda apenas repete, para seu uso próprio, o que a direita fez e faz até hoje. O problema é o tipo de prática “acadêmica” posta em movimento : o jogo do favor, das trocas de cargos e de mando, os lobbies das seitas acadêmicas, etc. Tanto uma vertente ideológica quanto a outra são mestras na arte de se apegar a cargos que levam aos recursos financeiros, às redações prestigiosas, aos comandos das fundações. Digamos: nas críticas da direita, temos o roto reclamando do rasgado.

3- Questões de vestibular, Enade e Enem, segundo parte da direita, seriam usadas como instrumento de doutrinação e de seleção de alunos que corroboram teses do atual governo. Isso faz sentido?

Sim, faz sentido, como faz sentido boa parte da nossa historiografia que narra a vida brasileira segundo parâmetros da direita, não raro repetindo estereótipos de tipo absolutista. Além disso, como exige a Ordem, a direita vira o rosto, enojada, de tema pouco “nobres”como a luta pela terra, pela igualdade dos direitos, inclusive os trabalhistas. Ela também considera os indígenas como inimigos do progresso econômico, a serem afastados do espaço social no mais curto tempo. Tudo o que não esteja antes da Revolução inglesa do século 17, da revolução norte-americana e francesa, tudo o que não se inscreva no Antigo Regime ou na Contra Revolução do século 19, é suspeito de “doutrinarismo”pela direita.

4- Por que a direita não tem mais representantes nos cursos de humanas? Faltam intelectuais à direita? Por quê?

A direita é muito bem representada nos cursos de humanas. Mas ela prefere os cursos de humanas mais úteis ao capital financeiro, aos poderes conservadores e oligárquicos, etc. Nunca foi efetivada uma pesquisa rigorosa, para saber quem, nas ciências humanas, pertence à esquerda ou à direita. O que temos são slogans, gritos de guerras dos dois setores, postos uns contra os outros.

5- Há risco de “doutrinação ideológica” dos alunos nas universidades?

Não apenas nas universidades, mas no ensino primário, secundário, religioso, técnico, etc. As várias correntes ideológicas e políticas disputam o espaço sem cessar. E não perdem tempo quando se trata de atacar os adversários, inocentando a si mesmos. O mais lamentável é a encenação da velha peça, a do lobo malvado contra o chapeuzinho vermelho. Os outros (que não seguem meus ditames de pensamento e ação) sempre representam o lobo ardiloso e pervertido. Os nossos sempre são honestos, lógicos, consequentes e sérios. É o que se chama, em boa percepção ética, uma postura maniqueia.