quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

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Comissão Municipal da Verdade ouve coronel do Exército sobre suborno a militar


A Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog mostrou na Câmara Municipal de São Paulo, o depoimento do coronel do Exército reformado Erimá Pinheiro Moreira, de 89 anos, sobre a denúncia de que o general Amauri Kruel, comandante do 2º Exército (atual Comando Militar do Sudeste), foi subornado em 31 de março de 1964, dia do golpe militar que depôs o ex-presidente da República João Goulart, para trair as forças legalistas e apoiar o movimento dos generais. O depoimento foi gravado na casa do coronel, pois sua família julgou que ele não deveria comparecer à Câmara para depor por motivos de segurança e saúde.

A reportagem é de Flávia Albuquerque, publicada pela Agência Brasil, 25-02-2014.
Em conversa com o presidente da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, o vereador Gilberto Natalini (PV), Moreira confirmou que, na época, era major farmacêutico e servia no Hospital Geral Militar de São Paulo. Na ocasião ele presenciou o momento em que Kruel recebeu seis maletas, com um total de US$ 1,2 milhão, do então presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Raphael de Souza Noschese.

“Eu cedi meu laboratório a pedido do coronel Tito Ascoli de Oliva Maya, diretor do Hospital Geral Militar de São Paulo, para que o general Kruel fizesse uma reunião sigilosa. Ele chegou com o Ascoli e logo depois chegou o presidente da Fiesp com mais três homens. Cada um carregava duas maletas. Como eu era responsável pela vida do general que estava no meu laboratório, eu pedi para ver o conteúdo das malas, por medo que houvesse algo que pudesse nos atacar e matar o general”.
Moreira contou que em seguida deixou que os homens fossem ao andar superior na sala onde o general os esperava e que Kruel o chamou pedindo que ele designasse três soldados que ficaram responsáveis por colocar as maletas no porta-malas do carro do general. “Até então eu vi Kruel dizendo que morreria em defesa do presidente João Goulart, mas, depois de receber essas maletas, ele mudou de posição. Esse encontro foi por volta das 18h. Depois, no mesmo dia, ouvi no rádio Kruel declarando apoio ao movimento que depôs Goulart”.

O coronel reformado explicou que, na época, questionou em reunião com vários oficiais do Exército se Kruel havia embolsado o dinheiro e por isso foi cassado e passou a ser vigiado por homens do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e do 2º Exército. “No dia seguinte do fato, fui chamado e comunicado que estava de férias para melhorar a minha cabeça. Fui viajar já sabendo que estava complicado. Quando voltei, vi no jornal que estava cassado. Enquanto estive fora, falsificaram documentos dizendo que eu era subversivo, entre outras coisas mais, e me cassaram”.

Para Natalini, o depoimento de Moreira esclarece uma das linhas de investigação da Comissão Municipal da Verdade que é o financiamento civil à ditadura. “Esse é um episódio que prova que houve dinheiro de empresários, pessoas e governos para que os militares brasileiros fizessem a derrubada do presidente João Goulart. Esse talvez seja um dos primeiros episódios de compra de oficiais para que aderissem ao golpe e derrubassem a democracia eleita de João Goulart”.

Além de exibir o depoimento do ex-militar, a comissão informou que 13 itens foram adicionados ao Relatório Final Vladimir Herzog, que investigou a morte do jornalista. Os itens foram compostos depois do depoimento do jornalista Carlos Heitor Cony, que disse que o médico Guilherme Romano, ligado ao esquema da ditadura, esteve minutos depois no local do acidente que vitimou Juscelino Kubitschek.

“Ele recolheu pertences de Juscelino no carro, entre os quais um diário que continha partes nas quais contava a relação com a esposa. Ele estava em processo de separação e tinha um relacionamento extraconjugal. Cony contou que o médico foi à casa de dona Sara Kubitschek para chantagear a esposa e a família para que eles não pedissem investigação sobre a morte, caso contrário ele divulgaria para o país o conteúdo do diário”.

Para Natalini, esse é um ponto chave para explicar porque uma parte da família não queria que se denunciasse o atentado e porque o processo de reinvestigação da morte de Juscelino só foi possível depois da morte da viúva. O relatório completo ficou com 103 pontos que indicam que Juscelino foi assassinado e o texto será enviado para a Presidência da República, Supremo Tribunal Federal, Procuradoria-Geral da República, Congresso Nacional e a Comissão Nacional da Verdade.

“Vamos pedir para que eles reconheçam nosso trabalho e que seja considerado que Juscelino sofreu um atentado que provocou o acidente na Rodovia Presidente Dutra. Nós estamos convictos disso por tudo o que estudamos, por todos os depoimentos que tomamos. Vamos pedir a reparação histórica pela memória do presidente”. O relatório será enviado hoje às autoridades, junto com um ofício e todos os DVDs com os depoimentos gravados.

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