sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Paulo Passarinho, Correio da Cidadania

A Luta Política do Mensalão
 
Mídia e oposição engrossam coro fiscalista pra encurralar governo
Escrito por Paulo Passarinho   
Sexta, 29 de Novembro de 2013


O Banco Central voltou a elevar a taxa Selic, a taxa básica de juros, dando sequência a um processo iniciado em abril desse ano. Na ocasião, a Selic estava em 7,25% ao ano e foi elevada para 7,5%. Agora, esta taxa chega a 10%, após seis consecutivas elevações.

Com essas medidas, somos o país que mais elevou a sua taxa básica de juros ao longo de 2013 e nos mantemos como o país com a mais elevada taxa real de juros, do mundo. Uma brutal contradição, para um país que, segundo o próprio governo, necessita “acelerar o seu crescimento econômico”. Afinal, o custo do dinheiro não é uma variável fundamental para o maior, ou menor, incentivo a novos investimentos produtivos?

Mas, as contradições não se limitam a esse ponto. O processo de elevação da taxa Selic foi iniciado sob o pretexto de se combater a inflação. Contudo, esse tipo de “solução” para o problema inflacionário está vinculado, tecnicamente, a problemas decorrentes da existência de uma suposta pressão de demanda.

No caso brasileiro atual, não há indicadores que possam nos assegurar que haja uma pressão das famílias, dos governos ou das próprias empresas que não esteja sendo possível de ser atendida pela estrutura de oferta que temos hoje.

Não fosse isso, como explicar, por exemplo, os níveis de ociosidade da indústria ou o estoque de terras disponíveis para utilização produtiva ou para um mais adequado aproveitamento econômico? As razões da existência de pressões inflacionárias permanentes em nossa economia estão vinculadas, de forma mais precisa, à dependência de produtos e insumos importados (completamente sensíveis à taxa de câmbio), ao heterogêneo e diversificado setor de serviços (muito sensível aos reajustes reais do salário mínimo) e aos eternos desequilíbrios e tensões de uma economia extremamente oligopolizada, pelo lado da oferta.

Com um elevado grau de concentração da renda e poder de mercado nas mãos de uma minoria e uma massa de pequenos e médios produtores ao lado de consumidores com níveis de renda muito baixos, o conflito distributivo é permanente. Os agentes econômicos mais poderosos querendo manter a ferro e fogo as suas privilegiadas posições de ganho no jogo econômico, e um gigantesco universo de agentes econômicos buscando ampliar a sua participação no bolo econômico, de acordo com as oportunidades que vão se abrindo, mas sempre de forma ávida e rápida. Afinal, para essa maioria, os níveis de remuneração e ganhos possíveis são quase sempre instáveis e temporários, no contexto de uma economia que se concentra cada vez mais.

Mas, a grande ou maior contradição dessa reiterada política de juros altos – que, junto com a valorização do real frente ao dólar, é característica do modelo econômico em curso no Brasil, desde o Plano Real – é a nossa situação fiscal.

Estamos assistindo a uma enfadonha polêmica envolvendo o governo, a oposição de direita e a mídia dominante sobre uma suposta leniência com as chamadas metas de superávit fiscal. O vilão seria o governo. A oposição de direita, em coro com os analistas econômicos da mídia e dos bancos, acusa o governo de perdulário, de deixar as despesas correntes do governo se elevarem, de não enfrentar – mais uma! – a reforma do sistema previdenciário, além de outras baboseiras.

O raciocínio circular, que procura dar racionalidade a essa crítica de natureza fiscal, e falsa, alega que na medida em que o governo mostra fraqueza em cortar despesas – especialmente, despesas correntes – e, ao invés de ampliar o superávit primário, diminuí-lo, os credores do governo veem com cada vez maior desconfiança a elevação da dívida bruta do Tesouro e passam, por isso, a cobrar taxas de juros cada vez mais elevadas, para o refinanciamento desta própria dívida.

O sofisma desta argumentação é que o fator mais dinâmico do endividamento público é justamente a despesa corrente com o pagamento de juros! A contenção de todas as demais despesas correntes e de investimentos é realizada justamente para – teoricamente – se pagar cada vez mais parcelas da dívida em curso, “sem se gastar mais do que se arrecada”, e assim, diminuir o endividamento do Estado. E é isso que, intensivamente, estamos fazendo desde o acordo com o FMI, em vigor a partir de 1999. Há 14 anos, portanto.

Entretanto, desde então, a dívida jamais deixou de crescer de forma espetacular. Em valores nominais e levando-se em conta o volume de títulos públicos nas mãos do Banco Central – para as operações de curto-prazo – e dos credores da dívida pública, o valor desta dívida saltou de R$ 344 bilhões para mais de R$ 2,8 trilhões, de acordo com os dados disponíveis até o mês de setembro desse ano; em percentuais do PIB, a evolução do endividamento foi de 35% para 64%. São dados, portanto, que evidenciam que o motor do endividamento não está relacionado ao fato de o governo gastar mais do que arrecada, com as suas despesas com a manutenção da máquina pública, remuneração dos seus servidores, investimentos ou pagamento de obrigações constitucionais, como é o caso das aposentadorias e pensões do INSS.

Curiosamente, a despesa corrente que desequilibra as despesas públicas é o pagamento dos juros, jamais questionado pelos economistas e analistas vinculados à defesa do modelo macroeconômico defendido pelo sistema financeiro. É como se este tipo de despesa fosse “natural”, impossível de ser questionada. E o motor dessa despesa é a taxa de administração da dívida pública, sempre igual ou superior à própria taxa Selic. Desse modo, por mais que “economizemos” recursos para a formação do superávit primário, vamos continuar a observar a elevação do endividamento público, com todas as manipulações interpretativas que temos visto ao longo de todos esses anos. Além, é importante frisar, das inúmeras ilegalidades cometidas pelo Banco Central, conforme demonstrado no relatório alternativo da CPI da Dívida Pública, elaborado pelo deputado Ivan Valente, do PSOL-SP, e presidente desta importante iniciativa parlamentar, concluída em 2010.

Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre
 

Sexta, 22 de Novembro de 2013


Os últimos lances do processo do mensalão, produzidos pela decisão de Joaquim Barbosa de iniciar a execução das penas contra os réus, causaram fortes reações na sociedade.

A mais importante dessas manifestações de crítica certamente foi o manifesto subscrito por juristas do quilate de Dalmo Dallari e Celso Bandeira de Melo, assim como por intelectuais e dirigentes sindicais ligados ao Partido dos Trabalhadores.

Neste manifesto são levantadas fortes críticas à conduta de Barbosa. Ordem de prisões sem a devida expedição das cartas de sentença; não respeito ao domicílio dos réus e, especialmente, ao direito da prisão em regime semiaberto, para alguns dos condenados; além da falta de procedimentos cautelares em relação a José Genoíno, em fase de recuperação de uma delicada cirurgia cardíaca. As críticas são objetivas e contundentes, com os seus autores lançando até mesmo “dúvidas sobre o preparo ou a boa fé de Joaquim Barbosa na condução do processo”.

Os autores do manifesto também voltam a bater em uma tecla muito cara para todos os que se alinham na defesa de alguns dos réus deste rumoroso processo penal. Para eles, as atitudes do atual presidente do STF se constituem em “mais um lamentável capítulo de exceção em um julgamento marcado por sérias violações de garantias constitucionais”.

Mais uma vez, portanto, o manifesto aproveita a ocasião para lançar dúvidas e críticas não somente às decisões de Joaquim Barbosa, em relação às ordens de execução das penas do mensalão. O chamado “devido processo legal”, como um todo, também é questionado.

Não há dúvidas que muitas atitudes e decisões de Joaquim Barbosa são questionáveis, especialmente em relação à forma e o conteúdo dessas últimas medidas, que levaram à prisão alguns dos condenados no processo.

Entretanto, muito além do exame de tecnicalidades do processo, o que está em jogo é a disputa política que envolve a todos os que são aliados de alguns dos réus e que procuram a todo custo apontar erros processuais na ação penal e injustiças que estariam sendo cometidas, particularmente contra José Dirceu e José Genoíno.

É evidente a motivação política desse tipo de abordagem. Sempre, em relação apenas, repito, a alguns dos réus. Afinal, nunca vi qualquer tentativa de defesa para os réus, por exemplo, que foram condenados às mais elevadas penas de prisão neste processo. Jamais vi nenhum tipo de defesa, apaixonada ou não, em relação a Marcos Valério (condenado a 37 anos de prisão, sem contar o crime de formação de quadrilha, além do pagamento de multa milionária) ou a Kátia Rabello (14 anos de prisão, também sem se levar em conta o crime de formação de quadrilha, e multa de R$ 1,5 milhão).

Mais emblemática ainda foi a decisão do PT – agora, parece esquecida – que, logo após a denúncia de Roberto Jefferson, expulsou dos seus quadros o seu ex-tesoureiro, Delúbio Soares. Se tudo não passou de um “golpe” da direita contra o governo de Lula, por que uma medida tão dura contra Delúbio? Além disso, por que Lula se referiu a uma traição, a uma “punhalada nas costas”, quando da explosão do escândalo? E por que o PT depois voltou atrás e reincorporou Delúbio às suas fileiras?

A rigor, o que ocorreu não estava escrito, nem previsto. Jamais o lulismo imaginou que o esquema financeiro organizado viria a ser denunciado por um dos mais destacados deputados da tropa de choque do governo Lula, nos anos de 2003 e 2004. Justamente Roberto Jefferson, a quem o próprio Lula defendeu, destacando que sua confiança no ex-collorido o permitiria assinar “um cheque em branco” para ele.

Portanto, parece claro que o esquema financeiro ilegal existiu. E se esse esquema existiu, se milhões de reais passaram a fazer parte do circuito da política, quem os utilizou, quem decidia pela sua aplicação ou por decisões sobre a sua distribuição? Seria apenas o Delúbio?

Essas são perguntas incômodas de serem feitas. Lula, por exemplo, já afirmou que de nada sabia. Mas foi exatamente ele mesmo, Lula, quem resolveu o impasse final do acordo entre o PT e o PL, em 2002, garantindo a presença de José Alencar como candidato a vice-presidente na chapa petista. E a “magia” de Lula – José Dirceu e Valdemar Costa Neto, os presidentes das siglas, chegaram a declarar na ocasião que o acordo não havia sido possível – posteriormente se soube qual foi: a promessa de colocar R$ 30 milhões (!!!) na “caixinha” de campanha da aliança PT-PL.

Os advogados de José Dirceu, por sua vez, desde o início do processo afirmavam que o seu cliente jamais havia tido contato mais sério com Marcos Valério, talvez tendo apenas ocasionalmente e socialmente se encontrado com o publicitário. Posteriormente, com a comprovação de sucessivas reuniões com a participação de José Dirceu e de Marcos Valério, dentro do Palácio do Planalto, os advogados do ex-chefe da Casa Civil foram sucessivamente recuando, até finalmente admitirem que as reuniões, de fato, existiram, mas nelas o publicitário jamais havia se utilizado da palavra....Mais patético, impossível.

Agora, Dirceu e Genoíno se reivindicam presos políticos, tomados de amnésia com relação às suas responsabilidades nos últimos tempos. Dirceu, por exemplo, virou lobista empresarial de Carlos Slim, o bilionário mexicano, e de Eike Batista, o picareta que iludiu espertalhões do mundo financeiro com o apoio decisivo do próprio governo de Lula e também de Dilma. Pode ser que eles estivessem se reivindicando como políticos da direita, assim como Jefferson, assim como o impune FHC....Tudo é possível. Em meio ao imbróglio, e com toda a metamorfose dessa turma, toda a cautela do mundo é pouca na análise a ser feita. Mas é bom que se lembre: as investigações sobre as falcatruas da privatização dos tucanos não andoaram para frente porque jamais interessou ao lulismo mexer nesses casos.

O que estamos assistindo neste momento é apenas ao desenrolar de uma disputa política, que busca minimizar – na ótica dos lulistas – os prejuízos e as perdas que o processo do mensalão impõe. Contudo, não podemos abstrair a precariedade, as falhas e as gritantes injustiças que diariamente são praticadas pela própria Justiça, pelo dito Poder Judiciário.

Mas, convenhamos, os melhores exemplos da injusta Justiça brasileira não devem ser pinçados desse caso do mensalão.

A injustiça da nossa Justiça é contra os pobres. Temos hoje em nossos presídios mais de meio milhão de condenados. Desses, elevadíssimo percentual lá está por crimes relacionados com o uso e a venda de drogas ilegais, particularmente a maconha. A esmagadora maioria é composta por pobres, negros, jovens e com baixa escolaridade.

Recente pesquisa aponta, também, que, em 2012, no estado do Rio de Janeiro, 42% dos acusados de crimes (portanto, não condenados) ficaram na cadeia sem nenhuma razão, para serem absolvidos ou condenados a penas que não os levariam à prisão. Na verdade, o motivo desses acusados terem ficado na prisão de forma injusta é pelo fato de serem pobres, não terem como pagar advogados, e não terem também qualquer cobertura decente por parte do Estado, através da Defensoria Pública. E olha que estamos nos referindo ao “desenvolvido” Rio de Janeiro...

Enquanto isso, os ricos nadam de braçada. As grandes empresas oligopolistas fazem o que bem entendem, em nome da liberdade de mercado. A sonegação fiscal ou mecanismos de elisão fiscal são utilizados largamente. Os corruptores do mundo empresarial pintam e bordam na esfera política. Casos como o do Banestado, das relações da Delta Construtora e de Carlinhos Cachoeira com políticos notórios do PT, do PSDB e do PMDB, entre outros escândalos recentes, são abafados.

O objetivo parece ser o de deixar tudo como aí está. Afinal, na ótica dos ricos, em time que está ganhando não se deve mexer.

Parece que a luta política em torno do mensalão tem justamente esse objetivo: deixar tudo como aí está.

Paulo Passarinho, economista, é apresentador do Programa Faixa Livre.