quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

IHU/Unisinos


A revolução de Francisco continua tanto nos símbolos quanto na substância

Tanto substantiva quanto simbolicamente, a “revolução de Francisco” continua.

Em janeiro com as mudanças no departamento pessoal, com seus acenos políticos e em seus gestos destinados a reforçar a opinião do papa de uma Igreja mais misericordiosa devotada às periferias do mundo.

Um movimento que deu o que falar veio em 15-01-2014, quando o religioso anunciou uma revisão do Conselho de Cardeais responsável por supervisionar o Instituto para as Obras de Religião, mais conhecido como o Banco do Vaticano.

A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por National Catholic Reporter, 29-01-2014, A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Há tempos o banco vem sendo fonte de escândalos. Francisco removeu quatro dos cinco cardeais nomeados por Bento XVI para administrar a instituição, logo após sua renúncia em fevereiro de 2013.

De modo mais notável, Francisco derrubou o cardeal italiano Tarcisio Bertone, o ex-secretário de Estado cuja incapacidade de gerir o funcionamento interno do Vaticano ajudou a alimentar um clima anti-establishment na última eleição papal, no mês de março.

O cardeal francês Jean-Louis Tauran (presidente da Comissão Pontifícia para o Diálogo Inter-religioso) manteve-se no painel, enquanto que os novos membros são o cardeal italiano Pietro Parolin, que substituiu Bertone como secretário de Estado; o cardeal Christoph Schönborn, de Viena; o cardeal Thomas Collins, de Toronto; e o cardeal espanhol Santos Abril y Castilló, arcipreste da Basílica de Santa Maria Maior. Todos os cinco são considerados de confiança do papa, e tanto Schönborn quanto Collins têm um histórico de reforma nas operações do banco.

Embora a reforma represente uma ruptura com o passado, às vezes mede-se a mudança tanto pelo que não acontece quanto pelo que acontece. Dois detalhes do Vaticano no mês de janeiro parecem ilustrar esta afirmativa.

Como uma investigação criminal de um financista ligado com os serviços de inteligência do país conduzida na Itália, autoridades vaticanas se contiveram apesar das acusações de corrupção dentro da ordem religiosa dos camilianos (Ordem de São Camilo) e das denúncias de que o financista Paolo Oliverio cultivava relações questionáveis com vários departamentos do Vaticano e com alguns cardeais.

Autoridades também mantiveram-se em silêncio sobre o caso envolvendo o monsenhor Nunzio Scarano, ex-contador que enfrentou novas acusações criminais em 21 de janeiro por lavagem de dinheiro. Este inicialmente havia sido preso em junho por suposto envolvimento num esquema para contrabandear 30 milhões de dólares em nome de uma família de magnatas do transporte marítimo.
Não faz muito tempo que autoridades se valeram da soberania ou reclamaram dos meios de comunicação e de perseguição judicial. Dessa vez, praticamente o único comentário veio de um porta-voz do Banco do Vaticano que disse, ao National Catholic Reporter, que as contas bancárias de Scarano foram congeladas em julho, quando o Vaticano iniciou o seu próprio inquérito criminal.
O mês de janeiro também trouxe sinais de que mudanças políticas podem estar a caminho.

Falando à revista italiana Jesus, o bispo Marcello Semeraro confirmou que o papa quer conceder mais poderes às conferências dos bispos, incluindo uma “autoridade doutrinal autêntica”. Tal possibilidade foi primeiramente levantada no documento do Papa Francisco publicado em novembro, intitulado “Evangelii Gaudium”.

Semeraro, bispo da diocese italiana de Albano, foi nomeado pelo pontífice como secretário do Conselho de Cardeais em abril.

Semeraro também rejeitou as críticas sobre a decisão de circular um questionário público antes do Sínodo dos Bispos, em outubro, sobre a família.

“O beleza deste momento é que a Igreja se sente encorajada a fazer perguntas”, disse. “A Igreja não apenas têm respostas; ela também precisa perguntar”.

O Papa Francisco enviou um sinal de sensibilidade às preocupações da comunidade judaica antes de sua viagem, no mês de maio, à Terra Santa ao dizer para o rabino Abraham Skorka, da Argentina, um velho amigo com quem o futuro papa colaborou na escrita de um livro em 2010, que está disposto a adiar a canonização do Papa Pio XII até que os arquivos do Vaticano, datados da Segunda Guerra Mundial, sejam completamente abertos.

O papa buscou curar as feridas de dentro da Igreja ao se sentar, em 18-01-2014, com Arturo Paoli, de 101 anos, membro da ordem dos Irmãozinhos do Evangelho. Paoli passou 45 anos na América Latina e foi um dos pioneiros da Teologia da Libertação, por muito tempo vista com ambivalência em Roma.

O Papa Francisco também continuou a se engajar nas principais preocupações em nível mundial, convocando uma reunião de cúpula em 13 de janeiro sobre a questão da Síria, que rompeu com a política dos EUA ao pedir a inclusão do Irã na conferência Genebra II, que se realizaria em 22 de janeiro.

A aprovação  popular do pontífice gerou uma lista crescente de líderes mundiais batendo à sua porta, incluindo o presidente francês François Hollande, no último dia 24, e tendo a Casa Branca anunciado que o presidente Barack Obama irá fazer-lhe uma visita no dia 27 de março.

Dois outros gestos pareceram circular no intuito de sublinhar uma mensagem de misericórdia.
Em 12-01-2014, Francisco batizou 32 crianças na Capela Sistina, incluindo uma menina cujos pais são casados no civil mas não na Igreja. Aparentemente esta foi a primeira vez que uma criança de um casamento “irregular” foi batizada em uma missa papal pública.

Uma semana depois, Francisco visitou a Basílica do Sagrado Coração de Jesus, descrita pelo seu pastor como uma “periferia no centro”.

Localizada próxima da principal estação de trem de Roma, a paróquia tem uma grande população de desabrigados e migrantes. Entre os convidados de honra a participar na missa estava uma idosa sem-teto que foi autorizada a trazer, para dentro da igreja, um carrinho de compras com os seus poucos pertences.

Por fim, houve uma indicação de que a preocupação do papa pelos pobres está mexendo com a próxima geração de padres.

No dia 10-01-2014, alunos da Pontifícia Universidade Urbaniana, que atrai seminaristas vindos dos países em desenvolvimento, organizaram um funeral para o morador de rua de 63 anos que havia morrido de frio nos arredores do Vaticano. A celebração foi presidida pelo bispo polonês Konrad Krajewski, responsável pelas iniciativas pessoais de caridade do papa e que se tornou uma celebridade romana.

“Sou um bispo das ruas”, disse dom Krajewski. “É normal que eu fizesse isso”.

O fato de que os “bispos das ruas” subiram para a fama é, sem dúvida, mais um eco do “efeito Francisco”.