segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Na vigília do desastre, apesar da sapiência honorável de Celso de Mello, recordo um trecho da entrevista dada por mim ao programa Roda Viva, sobre corrupção, onde toco no problema do STF.


Fernando Rodrigues: Professor, o senhor, voltando à pergunta do início, essa falsa questão, que os tucanos e os petistas ficam se atacando uns com os outros sobre se havia mais corrupção antes, ou se agora há mais investigação. O senhor identifica objetivamente nos últimos anos algumas mudanças que provem que, de fato, melhoraram a qualidade do Estado para combater a corrupção ou isso também é difícil de se detectar?

Roberto Romano: Veja, a Constituição de 88 deu um instrumento muito bom para a sociedade que é justamente a autonomia do Ministério Público. Essa foi, foi um grande elemento...

Fernando Rodrigues: Mas foi de 88.

Roberto Romano: Exato, desde então Ministério Público tem cumprido com sua função de uma maneira admirável com algumas exceções gravíssimas, como é o caso, aí me perdoe dizer, é o caso da perseguição ao Eduardo Jorge [ex-secretário-geral da presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira no governo de Fernando Henrique Cardoso em 2000]. Certos elementos do Ministério Público, eu diria quase que, com poder novo, abusaram desse poder, mas eu não digo que sejam todos.

Fernando Rodrigues: Mas o Ministério Público é quase como um quarto poder hoje. Dentro da estrutura clássica dos três poderes, o senhor vê alguma melhora nos três poderes, judiciário, executivo e legislativo para combater a corrupção digamos, nos últimos dez anos?

Roberto Romano: Fernando, as melhoras são pontuais, mas o problema é a estrutura inteira do Estado brasileiro que dá ao executivo prerrogativas quase que ainda mantendo as prerrogativas do poder moderador. Então, é como se você tivesse um imperador que a cada período é eleito, quase sempre censitariamente, ele é consagrado por milhões de votos e dificilmente consegue fazer a tal da base parlamentar de apoio. Mas, você tem então essa assimetria, você tem aparentemente um poder público todo poderoso, mas que a qualquer momento pode ser pressionado, ou inclusive chantageado pelos parlamentares. Enquanto isso o poder judiciário, na base, tenta executar o seu trabalho, mas tem um órgão chamado STF [Supremo Tribunal Federal], e as pessoas dizem, quase que com uma desculpa, é um órgão político. É um órgão político, mas de uma maneira um pouco estranha.

Fernando Rodrigues: É o que erra por último.

Roberto Romano: Exatamente. E erra da maneira mais, no meu entender, muitas vezes desastrosa, porque o tipo de julgamento é feito de tal modo que dificilmente se restabelece, através da ação do judiciário, o famoso equilíbrio dos três poderes. Eu gosto de lembrar que o poder moderador foi guiado pelo Benjamim Constant [(1767-1830) pensador; teórico da política, escreveu Sobre a liberdade dos antigos comparada com a dos modernos, em 1819, em que contrapunha a liberdade dos indivíduos em relação ao Estado] numa linha liberal, como um poder neutro, ele seria neutro, ele teria a função de evitar os choques e as diferenças dos três poderes. E seria exercido pelo chefe do Estado, mas de maneira neutra. Aqui, em 1824, ele foi colocado como um poder superior e continua até hoje. Quer dizer, essa idéia de que o chefe do Estado tem essa supremacia na estrutura inteira do Estado. Isso é fonte de todas as crises, que no meu ver, se dão no Estado brasileiro.