domingo, 23 de junho de 2013

Zero Hora, 23/06/2013

O clamor das ruas23/06/2013 | 07h02

Personalidades avaliam os protestos no Brasil

ZH ouve nove brasileiros, que opiniam sobre os rumos do país a partir das mobilizações nacional


Personalidades avaliam os protestos no Brasil Adriana Franciosi/Agencia RBS
 
Milhares de manifestantes participaram de protesto na quinta-feira em Porto Alegre Foto: Adriana Franciosi / Agencia RBS
 
Por enquanto, há apenas a certeza de que uma nova página da história do Brasil começou a ser escrita. Do turbilhão de manifestações, saem mais perguntas do que respostas. 

Ainda estupefatos, estudiosos começam a tatear para entender o fenômeno que leva milhões de jovens a tomarem as ruas para protestar contra a corrupção, o transporte público, os baixos investimentos em saúde e educação e os bilhões de reais da Copa. 

Abaixo, nove personalidades de diferentes áreas tentam lançar luz à nova inquietação brasileira.

Qual sua avaliação sobre o movimento no país?

Carlos Velloso, ex-presidente do STF

 "Esses movimentos legítimos podem se transformar em ilegítimos. Por isso, é necessária uma ação rápida dos governantes, que atendam ao clamor das ruas. Que tenha fim a gastança de dinheiro público, que se contenha a inflação que ameaça, que se ponha fim à incompetência de agentes públicos."

Eugênio Bucci, professor de jornalismo

"Essas manifestações não têm carro de som, não têm palanque, não nem unificação de discursos e não têm, sequer, uma liderança formal. São uma confluência de insatisfeitos de várias colorações ideológicas, que vão de seitas de esquerdismo primitivo até falanges de inspiração fascista, todos marchando juntos. Há gente pacífica e gente violenta, cuja conduta me parece inaceitável. Isso é uma novidade. O que os une? Bandeiras que pedem dignidade nos serviços públicos, fim da corrupção, integridade da administração pública. Os manifestantes não foram arregimentados por partidos, por sindicatos ou por ONGs. Eles explodiram nas ruas porque se viram — por meio da imprensa, da televisão — e porque se falaram — por meio das redes sociais. Eles não querem tomar o poder (ao menos, não ainda), são apenas candidatos a ser respeitados como cidadãos." 

Fernando Meirelles, diretor de cinema

"Nestes últimos 15 anos, por causa da velocidade de troca de informação, o mundo mudou em todas as áreas. Não há razão para acreditarmos que a governança e a representatividade não seriam afetadas. Hoje a garotada quer dar opinião e pode fazer isso. Quem achar que o controle continuará emanando do "centro" está enganado, o poder central está estagnado e não só no Brasil. Neste novo mundo, são as bordas que estão se movimentando e este movimento não tem um centro, tem vários centros e várias demandas e é mutável. Sindicatos, UNE, partidos já não nos representam como no século passado."

Heitor José Müller, presidente da Fiergs

"O movimento é um misto de reclamações populares pela desilusão, tendo em vista uma série de questões que não estão sendo equacionadas pelos nossos governantes, como educação, saúde e segurança. Eles têm muita razão. O que a gente lastima é a infiltração de elementos que não têm esse ideal e usam este movimento para vandalismos e depredações."

Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos

"Temos que olhar o movimento como uma oportunidade, e não uma ameaça. Caso contrário será resolvido um ponto ou outro e daqui a alguns anos as mesmas questões vão voltar com mais força. É uma oportunidade da reconstrução da participação. Fica claro que não temos mecanismo de diálogo entre a população e o poder. Quem está tomando as decisões está sem conexão com a população. A oportunidade é entender este momento, criar canais de diálogo, de consulta, e considerar as questões que estão emergindo. Não apagar esta fogueira. Isso pode melhorar muito a democracia do país." 

Thiago Lacerda, ator

"O movimento é mais do que legítimo, ele é necessário. Chegou o momento de pensar em uma nova democracia, em que o voto não seja o único instrumento de participação popular. Está provado que o sistema político atual não representa mais a vontade do povo, por isso ninguém quer partidos políticos nas manifestações. Também acredito que o vandalismo não é o instrumento certo para mudarmos o país."

Cristovão Tezza, escritor

"É um fenômeno social que provoca reflexão pelo seu caráter difuso — o fato de ser um movimento de fundo reivindicatório no qual cada manifestante é uma passeata. É um fenômeno diferente. Não houve uma mediação institucionalizada pelos movimentos políticos tradicionais."

Emir Sader, sociólogo

"O movimento foi um até conseguir a anulação do aumento das tarifas. Isso foi positivo. Depois, passou a ser hegemonizado pelos caras do vandalismo e passou a ser negativo."

Roberto Romano, professor de ética da Unicamp

"A inflação é o substrato da insatisfação, esta percepção subliminar de que estamos entrando em um período de insegurança. É como antes de um terremoto, em que os animais começam a ficar inquietos. As outras queixas vêm junto. Você vai a um hospital e não tem leitos e abre o jornal e fica sabendo que estádios consumiram bilhões, que as pessoas estão roubando e ficando impunes, que querem acabar com o poder de investigação do Ministério Público, que querem acabar com a Ficha Limpa. É uma provocação escancarada."

Qual o tipo de impacto que o movimento terá em sua vida?

Carlos Velloso, ex-presidente do STF

"Já presenciei manifestações que levaram à tomada de decisões pelo governo. Por exemplo, o movimento pelas Diretas levou o país a convocar uma constituinte, a elaborar uma nova Constituição. No episódio Collor, o povo foi para as ruas, e o presidente acabou sofrendo impeachment."

Cristovão Tezza, escritor

"Do ponto de vista prático, já baixou o preço da passagem de ônibus em Curitiba (onde o escritor vive). Mas ainda é muito cedo para avaliar essas consequências mais duradouras."

Emir Sader, sociólogo

"O movimento me confirmou que é fundamental uma política governamental para a juventude e que é fundamental democratizar os meios de comunicação."

Heitor José Müller, presidente da Fiergs

"Se (os governantes) derem mais importância ao que está sendo reclamado, eu também serei bem atendido como pessoa física e empresário. Há muito tempo, falamos do transporte, da logística, que temos poucas estradas. Temos congestionamentos diários e pouco tem sido feito pelas autoridades. Quando o setor empresarial fala disso, até parece que tem um certo preconceito. Agora vem das ruas. Poderemos ver algumas questão atendidas. Assistimos ao que está acontecendo com os nossos hospitais e com a nossa educação. Um exemplo disso é o que defende a Fiergs. Nossas manifestações têm sido a favor de uma melhor educação para o país."

Roberto Romano, professor de ética da Unicamp

"Se eles (os manifestantes) conseguirem levar adiante (os protestos) no sentido de nos tornarmos um país mais democrático vai melhorar muito. Como uma pessoa que vive na sociedade brasileira, eu espero que, a partir dos protestos, vençam os princípios de respeito ao cidadão e de responsabilização pública."

Thiago Lacerda, ator

"Até agora, as mobilizações não mudaram nada na minha vida, mas algumas coisas já se transformaram. Os protestos fizeram a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, cancelar a viagem programada para o Japão, por exemplo. Também fizeram o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, deixar de lado a sua arrogância. E eu acredito que isso é só o começo."

Fernando Meirelles, diretor de cinema
 
"No dia 1° de junho eu estava certo que a Dilma se reelegeria no primeiro turno. Dia 10 comecei a achar que talvez houvesse um segundo turno. No dia 15 comecei a ficar em dúvida se ela conseguirá se reeleger. Hoje me pergunto se ela será candidata. Tudo está andando muito ligeiro."

Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos

"Essas manifestações já afetaram a vida de todo mundo. Meus três filhos estavam na manifestação. A alegria por vê-los participando deste processo. Isso está mudando a vida deles para o futuro. Do ponto de vista profissional, as nossas empresas também têm de avançar nas escutas. A mensagem que tem de ficar para as empresas é de abrir nossos canais de escuta e diálogo. Como impactamos a sociedade, como os nossos produtos impactam a sociedade. Isso serve para entender e evitar problemas. Esse é o aprendizado."

Eugênio Bucci, professor de jornalismo

"Ganho mais confiança na capacidade de indignação do povo brasileiro. Apesar das mortes, das agressões, apesar da brutalidade animalesca de alguns policiais, isso tudo renovou a cena política brasileira. Essa gente toda passou um pito memorável nas autoridades. Isso foi muito bom.

Como o país sairá da mobilização nacional?

Cristovão Tezza, escritor

"Eu acho que a mobilização nacional deixará o país melhor — a curto, médio e até mesmo a longo prazo. Ela deu uma chacoalhada em um país que costumava ser politicamente amortecido, burocratizado, estacionado, com dificuldade de pensar. Essa chacoalhada, na minha opinião, é altamente positiva."

Eugênio Bucci, professor de jornalismo

"Os governantes brasileiros levaram um susto muito grande — um susto que ainda está em curso, que ainda não está encerrado. Eles sentiram que há limites para os conchavos. Sentiram que o público será capaz de ser mais exigente daqui para a frente. Sairá daí também um saudável desafio para os partidos políticos, que terão de se repensar. Estou aqui torcendo para que o saldo seja positivo."

Emir Sader, sociólogo

"As manifestações representam o ingresso de uma nova geração na vida política do país. Em minha opinião, isso vai enriquecer e fortalecer o país na direção que ele tem trilhado nos últimos 10 anos."

Fernando Meirelles, diretor de cinema

"Não sei mesmo para onde a coisa vai e pouca gente está entendendo, mas definitivamente os movimentos funcionaram como uma faísca que deram a partida nos brasileiros que andavam um pouco desligados, deve ter acendido uma luz também em quem vive repetindo que estamos navegando com vento a favor. Para estes o que houve foi um choque de realidade."

Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos

"Um país que compreenda que nós temos que enfrentar fortemente as questões de desigualdade da população, o grande problema do Brasil. Isso não se resolve com salários, mas com acesso à saúde, educação e transporte de qualidade. Para isso temos que ter uma política que dialogue mais, que a política seja mais envolvida pelo interesse público do que pelo interesse privado."

Roberto Romano, professor de ética da Unicamp

"O movimento vai arrefecer logo. Daqui seis meses, teremos a aprovação da PEC 37 (que limita o poder de investigação do Ministério Público), a abolição da improbidade administrativa. Aí teremos o advento de um líder bolivariano. Estou falando do Lula (como candidato à Presidência em 2014). Tenho fontes dentro do PT que levantam essa possibilidade. Lula tem presença no país inteiro, condições de mobilizar sindicalistas, diálogo com empresários, além de saber dirigir multidões e conduzir negociações. Quando se perde confiança no Parlamento, se fortalece o Executivo. Se o movimento tivesse continuidade e o Parlamento não continuasse com iniciativas lesivas, poderia haver esperança da continuidade mais tranquila da instituição parlamentar."

Heitor José Müller, presidente da Fiergs

"Essa é a grande dúvida. Em Porto Alegre, a mobilização começou por causa das passagens de ônibus e em em Brasília devido ao estádio da Copa. Estão reclamando dos políticos e dos administradores públicos. Estão cansados de esperar. E a juventude tem pressa. A gente não sabe no que vai resultar. Mas acredito que as pessoas e os políticos de bem vão acabar entendendo o recado das ruas e vão ter de adaptar a sua forma se de ser e administrar. Tenho plena confiança que vamos sair com um país melhor. É o que desejo para meus netos e bisnetos."

Carlos Velloso, ex-presidente do STF

"Quero que a democracia brasileira se fortaleça e perdure. Na minha opinião, o governo deveria sair da palavra para a ação, deveria tomar medidas que atendam ao clamor das ruas. Por exemplo, temos uma gastança de dinheiro público que cada vez mais compromete o Tesouro. Que seja posto fim a essa gastança. Que sejam, por exemplo, eliminados 20 ministérios, pelo menos. Se o governo saísse da palavra para a ação e tomasse uma medida, quanto de gastos não seriam cortados? Se demitisse aqueles que se revelam incompetentes e não se mostram cuidadosos no trato da coisa pública... Penso que esse seria um tipo de ação que poderia acalmar o clamor das ruas."

Thiago Lacerda, ator

"Não tenho a menor ideia do país que sairá desse movimento. Mas espero que seja um país transformado, em que a democracia seja respeitada e que o povo saiba que, quem cometer crimes, será punido."