domingo, 30 de junho de 2013

Gazeta do Povo, Curitiba, 30/06/2013

Sistemas eleitorais

Você decide. Mas não vai ser fácil

Plebiscito sobre a reforma política vai exigir que a população decida, em pouco tempo, sobre temas complexos e sem consenso na sociedade
Publicado em 30/06/2013 | André Gonçalves, correspondente 

Mesmo sendo mais restrita a questões eleitorais que a problemas cotidianos da democracia brasileira, a reforma política idealizada até o momento pelo governo federal vai exigir uma imersão relâmpago dos eleitores em temas complexos e distantes de um consenso. Se seguir o rumo das mais recentes discussões feitas no Congresso Nacional sobre o assunto, o plebiscito defendido pela presidente Dilma Rousseff pode se desdobrar entre duas a oito questões. Há dúvidas ainda se a decisão popular vai precisar ser transformada obrigatoriamente em uma nova legislação pelos parlamentares.



Foco errado
Propostas do plebiscito não mudarão a prática política, diz analista

As questões que devem ser tratadas no plebiscito proposto pela presidente Dilma Rousseff passam ao largo dos verdadeiros problemas do cotidiano político brasileiro. A opinião é do professor de Filosofia e Ética Roberto Romano, da Unicamp. “As mudanças atingem aspectos técnicos das eleições, mas não reformam a prática política”, diz ele. Segundo Romano, o primeiro foco deveria estar em construir novas normas para o funcionamento dos partidos e para o exercício do lobby. “Se não houver democratização dos partidos, obrigatória por lei, é bobagem falar de reforma política. Hoje os partidos não representam nem seus filiados, quem dirá a população.”

Romano diz que, pelo formato atual do jogo político, os políticos incorporam o papel de lobistas de grupos de interesse, seja no Executivo seja no Legislativo. “Eles exercem lobby 24 horas por dia. Quando você lê uma notícia sobre a bancada disso ou bancada daquilo, o que quer dizer? Que tem gente usando um cargo público para defender interesses privados.” A interpretação do professor é que a democratização dos partidos ajudaria na “prevenção” de escândalos. Além disso, outras propostas poderiam ser colocadas em prática sem necessidade de mudanças na lei, como a redução no número de cargos comissionados – foco de intensa barganha política entre as legendas e o Executivo.

Atualmente, o governo federal tem cerca de 22 mil postos de livre nomeação. Outra maneira de aprimorar as relações institucionais entre Executivo e Legislativo seria acabar com as emendas parlamentares. “Quando um parlamentar negocia a liberação de uma emenda, está de alguma forma praticando lobby.”

O cronograma do Palácio do Planalto para colocar a consulta popular em prática começou na semana passada, quando Dilma realizou uma série de reuniões com os chefes dos poderes Legislativo e Executivo, presidentes de partidos e líderes no Congresso. Dos encontros saíram as premissas da reforma, que serão transformadas em uma mensagem do governo ao Congresso. A intenção é fazer com que deputados e senadores convoquem o plebiscito para agosto ou setembro e, a partir do resultado, produzam as mudanças legais até outubro, prazo máximo para que elas possam valer para as eleições de 2014.

Certezas

De acordo com o governo, dois temas vão estar com certeza nas perguntas que serão feitas à população: o sistema das eleições para verea­­dor, deputado estadual e federal e o modelo de financiamento de campanhas (veja mais detalhes no infográfico ao lado). “São pontos discutidos há décadas e que a classe política realmente nunca teve coragem de enfrentar”, avalia a cientista política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos (SP). A partir deles, desdobra-se uma série de outras mudanças como o fim das coligações em disputas proporcionais e dos suplentes de senadores, adoção da cláusula de barreira e do voto facultativo, além da possibilidade de candidaturas avulsas (sem vínculo partidário).

Todos esses temas já foram abordadas em propostas que estão em tramitação no Congresso. Entre 2011 e 2012, as sugestões motivaram duas comissões especiais sobre reforma política que funcionaram ao mesmo tempo na Câmara e no Senado. Nenhum projeto debatido, entretanto, virou lei.

“Existia um certo consenso do que precisava ser debatido, mas não sobre como seriam feitas as modificações”, relembra o deputado paranaense Sandro Alex (MD), que integrou a comissão da Câmara. Há dois anos, ele encomendou um estudo ao Instituto Paraná Pesquisas que mostrou que 86% dos curitibanos eram contra o financiamento público de campanhas e 67% favoráveis ao voto distrital. 

As experiências dentro do Congresso também mostram a dificuldade de encadeamento das propostas na formatação dos questionamentos do plebiscito. “A discussão sobre a participação popular é fantástica, mas é necessário cuidado para não se criar um Frankenstein”, alerta o presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, Guilherme Gonçalves. Segundo ele, há mudanças que podem ser aprovadas pela população, mas que na prática são incompatíveis. “Não dá para casarmos a possibilidade de candidaturas avulsas com a exigência de voto em lista.”

Depois de realizado o plebiscito, há incertezas sobre o caminho das decisões no Congresso. De acordo com o professor de Direito Constitucional Cristiano Paixão, da Universidade de Brasília, tanto a Constituição de 1988 quanto a Lei 9.709/1998 (que regulamentou o uso do referendo e do plebiscito) não forçam os parlamentares a seguirem o resultado do plebiscito. “É uma consulta política à sociedade, mas o Parlamento não está vinculado a ela. Não dá para achar que vai se tratar de uma decisão direta do povo. É uma orientação”, diz Paixão.


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