quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Outro artigo sobre tortura.

No mundo de Jack Bauer

Contardo Calligaris apresentou aqui, na quinta-feira passada, alguns argumentos interessantes a favor da tortura. Acho que sua intenção foi mais colocar o assunto em debate e menos defender sua adoção no Brasil.

Mesmo porque ela já existe, com resultados discutíveis do ponto de vista da segurança pública.

“O saco plástico do capitão Nascimento funciona”, escreve Contardo. Os interrogatórios de Jack Bauer, na série “24 Horas”, também funcionam, repete o psicanalista.

Pode ser. Não me considero um “bonzinho”, desses que querem um mundo perfeito, utópico, ideal. Querer eu quero, mas sei que a realidade não corresponde a todos os sonhos que temos.

O problema, eu acho, é quando se quer ser “realista” demais. Um mundo sem tortura? Com Bin Laden e terroristas variados à solta? Loucura, dizem os pragmáticos.

O estranho é que uma perspectiva realista e pragmática, como a explorada pelo meu colega da “Ilustrada”, muitas vezes me parece puramente imaginária e ficcional.

O capitão Nascimento e o agente Jack Bauer são, antes de tudo, personagens de filmes. Por razões não apenas ideológicas, mas também de dramaturgia, suas torturas e sacos plásticos funcionam muito bem.

Contardo Calligaris já manifestou discordância quanto à tese de que a TV influencia as pessoas. Mas se eu começar a assistir a muitos filmes em que o herói é um torturador eficiente e simpático, também vou acreditar que a tortura funciona.

Se os americanos fizessem mais filmes em que a tortura não funciona (mas aí penso num mundo ideal, não o da Fox Filmes), provavelmente pensaríamos de outra maneira.

Só para ser um pouquinho realista, penso no seguinte. Um policial realmente acostumado a torturar suspeitos não passa pela experiência incólume. É de imaginar que a prática da tortura o torne insensível a uma série de outros limites morais, do tipo “não roubarás”, “não matarás”, “não sequestrarás criancinhas”.

Torturarás, ademais, pessoas sobre as quais pesam suspeitas não tão fortes assim. Não sei se os cidadãos terminariam mais seguros com 300 Jack Bauers agindo por perto.

É que a tortura tem outra função, além das apontadas por Contardo Calligaris em seu artigo. Ele fala em dar prazer ao torturador, em obter confissões, em conseguir informações. Uma quarta função me parece importantíssima.

Trata-se de estabelecer um regime de terror de Estado. Não é apenas o terrorista quem está exposto à tortura. O vago simpatizante da causa, o oposicionista pacífico, o irmão, o parente, o filho, o vizinho, estão sob ameaça também. Numa ditadura, prender e censurar nunca é suficiente: a tortura é a verdadeira punição.

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