quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Correio Braziliense : reparem no título do artigo....



24/04/2005

Artigo sobre a Eleição de Bento 16, no Correio Braziliense.

Os breves

Roberto Romano

Numa instituição que se fundamenta em símbolos, como a Igreja Católica, quando o seu dirigente máximo escolhe um nome, isto possui conotações religiosas, pastorais, dogmáticas, éticas. No caso de Bento XVI, lembremos que o seu antecessor Bento XV, Giacomo della Chiesa (nascido em 21/12/1845) reinou de 1914 a 1922. Os seu grande problema, em termos externos à Igreja, foi a I Guerra Mundial, espetáculo de selvageria na "civilização" européia. Na Encíclica Pacem, Dei munus pulcherrimum (23/05/1920) diz-se profeticamente que "os germes das antigas discórdias não desapareceram" da Europa. Como tinha razão o papa! Poucos anos depois vem a II Guerra, explosão de ódios e intolerâncias que resultaram na morte de seres humanos aos milhões, incluindo o Holocausto. A diplomacia vaticana lutou para diminuir os efeitos deletérios da guerra e clamou pela ajuda humanitária às populações atingidas. No plano interno, ocorreu a questão modernista que afastou muitos intelectuais, padres e leigos, da Igreja. Contra os "erros" do pensamento moderno, sobretudo os trazidos pela ciência e pela relativização dos valores, a Cúria Romana empregou a censura, os exílios dentro da Igreja, a proibição de exercício professoral para teólogos e exegetas contrários à rígida ortodoxia.

O padre Lagrange, fundador da Escola Bíblica de Jerusalém, instituição que produziu mais tarde a importante Bíblia de Jerusalém, foi proibido de lecionar para os seus confrades dominicanos. A retomada do nome "Bento", pelo cardeal Ratzinger mostra todo um programa. Em primeiro lugar, a condenação da guerra. Como Bento XV e João Paulo II, Bento XVI continuará com certeza a política contrária aos fatos bélicos e aos massacres que ocorrem no mundo inteiro. Em segundo, a disciplina interna e o veto aos modernismos.

No sermão proferido para começar o Conclave, o agora eleito definiu perfeitamente a sua atitude epistemológica: a verdade é possível e todos os ceticismos, relativismos e historicismos são condenados. E também, no campo ético, todas as aberturas à ciência (pesquisas com células-tronco, eutanásia etc) serão definidas pela autoridade e vetadas. A união dos homossexuais continua proibida mas também o aborto, o divórcio, os métodos contrários à concepção (a camisinha, a pílula). Todo esse complexo ético continuará sendo tratado como se fosse, sobretudo, matéria disciplinar.

A centralização administrativa, é claro, será mantida em detrimento da autonomia das igrejas locais e nacionais. Em termos da pastoral, isto pode ajudar no esvaziamento dos templos católicos, sobretudo na Europa, nos EUA, no Brasil. Com a diferença de que o carisma pessoal de João Paulo II trazia massas enormes aos lugares públicos, no mundo todo. Quando assumiu o trono de Pedro, o Wojtyla tinha 58 anos. Bento XVI tem 78 anos de vida cansativa na direção da Cúria. Ele não terá a disposição do seu predecessor para andar pelos quatro cantos do mundo dialogando com governantes, movimentos oposicionistas, multidões.

Vários papas que assumiram o nome Bento duraram pouco: Bento I, apenas um ano (575-576) Bento II três anos (683-685), Bento XI, um ano (1303-1304), e assim por diante. Pode ser que o Sacro Colégio tenha imaginado, sob inspiração divina, escolher um papa breve, como os antecessores de mesmo nome. Mas é bom lembrar que Albino Luciani era relativamente jovem e durou pouco tempo enquanto João XXIII era ancião, mas em pouco tempo mudou a face da Igreja (sendo muito conservador em todos os sentidos). A Igreja no mundo apresenta uma face cheia de contrastes.
À plena alegria pelo seu novo governo, une-se muita apreensão pelo destino, devido às diretivas verticais do poder no interior da instituição. Esperemos, para bem da humanidade e dos católicos, que o novo pontificado abra novos caminhos para os que sofrem, dos desempregados aos aidéticos, destes ao que esperam novos passos da ciência e da engenharia genética. Também esperemos que o diálogo com as igrejas nacionais seja mais eficaz do que as diretivas rudes e burocráticas. Rezemos para que o debate com as igrejas orientais e com o Islã se realize com prudência e destemor.

Enfim, peçamos a Deus que Bento XVI desaponte os prognósticos sombrios que antecederam a sua escolha. Afinal, por mais poderoso que ele seja, trata-se apenas do Vigário de Cristo e não da fonte absoluta de toda a fé e de toda a esperança. "A Igreja é mesmo divina", disse um historiador agnóstico do século IXX, "caso contrário, os homens já a teriam destruído". Amém.