quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Insistindo...

Sobre o conceito de ditadura. Roberto Romano. Aula proferida no curso de Filosofia, Unicamp, 2008.

Dictature militaire en Grèce (1967)

Dictature militaire en Grèce (1967)


Em 21 de abril, 1967, o golpe de Estado na Grécia leva ao poder uma junta militar, chamada regime dos coronéis, dirigida (da esquerda para a direita) : general  Georgios Zoitakis, regente; general de brigada  Stylianos Pattakos, vice-Premier ministro et ministro do Interior e coronel Georgios Papadopoulos, Primeiro ministro.


Sobre o conceito de Ditadura.
 Roberto Romano
A ditadura é invenção romana, como também o município. A palavra “município” teve duas acepções diferentes em Roma. De modo geral o vocábulo foi usado para designar uma cidade de constituição romana na Itália e nas províncias, em oposição a Roma. Mas ele também foi usado para designar um direito público, categoria especial das cidades itálicas e provinciais. Município deriva de municeps, como principium deriva de princeps. No início, municipes não eram eleitores nem elegíveis. Municipium na Lei Julia designa exclusivamente as cidades itálicas. No império, o termo é empregado para designar as cidades itálicas e as provinciais. Nos inícios do Estado romano municipium já se emprega não no sentido comum de cidade, mas para designar uma condição de direito público. Municipes são os habitantes itálicos que, sem serem romanos, têm direitos de gestão própria e são assimilados aos romanos nas munera publica, sem o direito de votar e ser votados para os cargos mais importantes de Roma. Eles teriam uma espécie de “naturalização incompleta”: serviam nas legiões romanas e não como os socii, foederati nos corpos auxiliares armados. E pagavam impostos nas mesmas condições dos romanos. 
Considerada a desconfiança diante dos estrangeiro, o estatuto de municipe era uma deferência romana para com os habitantes sem cidadania. Dessa condição, muitos municipes seguiam para adquirir a cidadania plena. Quanto à administração, a condição de cada municipio era regulamentada pelo Senado ou pelo povo romano, sendo que a autonomia poderia ser concedida ou retirada, conforme o jogo político e militar. Municipios leais mantiveram sua condição. Quando sem autonomia, as cidades eram privadas de assembléia popular, de senado, de magistrados, sendo administradas pelos praefecti, delegados do povo romano, ou pelo pretor. Assim, elas tinham o nome de praefecturae. Os habitantes das praefecturae não perdiam sua qualidade de cidadãos de Roma, mas a coletividade deixava de ser, administrativamente, independentes e com vida própria. Ela era sujeita ao Senado e ao povo de Roma. Em geral os poderes públicos municipais se compunham de 1) dos comícios 2) senado 3) Magistrados. À diferença das coloniae, que de fato ou por ficção derivavam da própria Roma, os municipes tinham ainda suas raizes em seu próprio passado longinqüo. Esta dimensão dupla (pertencer a Roma e pertencer a si mesmo, ao seu próprio pretérito) é única no mundo antigo. Só Roma a conheceu. Na Grécia ela foi ignorada. Roma antecipou a noção de um Estado não confundido com uma cidade, mas congregando multiplas cidades controladas pelo poder romano. A hegemonia de Roma administra um agregado de comunidades urbanas subordinadas, mas com vida própria e valores idem. Assim, existiram municipios em toda a Europa romana até a queda do Império.
Roma usava dois métodos para com as cidades italianas. O primeiro é a sua extinção pura e simples como entidades autônomas, sua anexação. O segundo era a federalização. O foedus que liga as urbes a Roma se diferencia em várias categorias. As mais favorecidas eram as cidades que eram tratadas em pé de igualdade e com Roma concluiram um foedus aequum (Nápoles, entre outras) e na Grécia Heracleia da qual Cicero menciona o foedus aequissimum, ou singulare. Aquelas coletividades guardam seus direitos, incluindo a cunhagem de moeda, as instituições, magistraturas, tribunais, etc. Quando instalados em Roma, os seus cidadãos podem pedir cidadania. Depois dessas, vem as que tiveram um foedus non aequuum. As cidades não guardam autonomia devido ao artigo da lei romana segundo o qual o povo romano conserva a majestade. (Cicero, Pro Balbo). E depois dessas, as cidades nas quais o pacto federativo era mais de clientela, protetorado, a maioria das coletividades entram nesse caso. Em todos os casos, no entanto, a federação é bastante falha, visto que se impunha a superioridade militar de Roma nos quesitos de ordem externa ou interna. (1) Essa marca do Estado romano está presente na ditadura e no império, e perdura até a queda, tanto no Ocidente quanto no Oriente.
A mesma ausência de “município”, na Grécia, ocorre para a ditadura. A palavra é ignorada em grego, salvo como tradução literal do termo romano. É preciso notar que desde a época mais recuada são bem conhecidas as formas de poder pessoal, uma das notas da ditadura. O termo “tirano”, não presente na Ilíada, enuncia um poder com as marcas de pessoalidade. “Ter muitos chefes nada vale; que um só seja o chefe, que um só seja o rei”. Como os gregos são conhecidos pelo paradoxo, na mesma Ilíada é dito que em situações críticas vale mais que sejam dois e não um só a assumir o comando. (2) Na Grécia arcaica (até o final do século VI AC) existiram chefes nomeados vitaliciamente ou por tempo limitado, tendo em vista resolver crises. Tais líderes eram chamado aisymnetas (comandantes) que dispunham de poderes excepcionais, espécies de tiranos eleitos e acusados de agir com arbítrio e injustiça. O nome de basileus era dado ao rei, o qual detinha maior ou menor força, de acordo com as cidades.
O tirano de início é um basileus, o que possui amplos poderes, mas nem por isso visto como usurpador ou bandido. A evolução deste sentido ao de péssimo governante é feita em pouco tempo. Os primeiros usos do título de tirano com conotação negativa (algo debatido até hoje, se mesmo negativa ou não) vem de Arquíloco, datado hoje como do século VII em vez do século VIII, num poema mal conservado (Fragmento 15, da edição de Lasserre-Bonnard, Ed. Les Belles Lettres). (3) Os séculos VI e VII são férteis em governos tirânicos e populares, contrários ao poder nobre. Por volta de 430, na peça Édipo Tirano, Sófocles não emprega ainda o termo no sentido totalmente pejorativo. Em Heródoto, na segunda metade do século V, temos a questão da tirania. O historiador relata um debate sobre o poder efetivado na corte persa. Com a morte de Cambyses, sete nobres discutem o regime a estabelecer. Com a vitória da monarquia, ela é entregue a Darius. Mas são discutidas a monarquia, a aristocracia e o regime popular, com seus pró e seus contra. (Heródoto, III, 80ss). () O adversário da monarquia diz que a pessoa nela investida não precisa prestar contas a ninguém e se torna próspera e orgulhosa, abusa do poder e ordena execuções sem julgamento, usa as propriedades dos governados segundo seu capricho, viola as leis e a moral. O poder absoluto leva à tirania, máxima injustiça. O regime adequado seria a democracia, na qual os integrantes política recebem tratamento isonômico. (4) Contra semelhante requisitório, o defensor do poder absoluto diz que se o titular é bom, tal governo é o mais adequado. Ele é mais eficaz porque nele o segredo de Estado tem mais garantias (o seu titular é um só). Solon recusa a tirania que lhe foi ofertada, a considera ausência da lei, injustiça. A tirania, no seu entender, é como uma praça forte que protege, mas aprisiona quem a comanda. Solon aceitou ser árbitro por tempo limitado. (5)
Em Esquilo a tirania se identifica parcialmente à barbárie dos persas vencidos em Salamina (Os Persas, 480) ou dos egipcios (As Suplicantes, 472). Prometeu encadeado é o campeão da humanidade por lutar contra Zeus, tirano que impõe sua vontade arbitrária. Em Sete contra Tebas, o rei é legítimo, mas ele, Eteócles, deseja guardar o poder por tempo maior do que o legal e não pretende ceder o comando ao seu irmão, conforme a alternância prevista em termos jurídicos. A imaginação teatral, ligada ao fato tirânico, se radicaliza com Eurípides (As Fenícias) o qual coloca na boca de Eteócles a confissão do ardor pelo poder exclusivo : “Subiria aos astros, o lugar onde eles se elevam ao céu, desceria à terra, se fosse capaz, para manter em minhas mãos o poder soberano, a maior divindade”. E adiante: “Se é preciso ser criminoso, que seja pelo poder soberano, o mais belo motivo dos crimes”. (As Fenícias, 504, 524). (6)
Se não existe ditadura na Grécia, é possível enunciar que a noção e a prática da tirania se aproxima daquele conceito. A questão do tempo de mandato, a substituição da realeza pela magistratura que não presta contas, como o rei, é imposta por um golpe de força ou astúcia, diminui a sua legitimidade. Um exemplo modelar da tirania ilegítima, desenhado por Platão na República, se tornou o grande paradigma da tirania até os nossos dias. Trata-se do anel de Giges, o pastor lídio. É bom recordar que a primeira notação sobre tirania, como foi enunciado acima, é de Arquíloco. E tal notação é referida a Giges. “Um dia, durante violenta tempestade acompanhada de abalo sísmico o solo fendeu-se e formou-se um precipício perto do local onde apascentava o seu rebanho. Cheio de assombro Giges desceu ao fundo do abismo e, entre outras maravilhas que a fábula enumera, surgiu um cavalo de bronze, oco, perfurado com pequenas aberturas; tendo-se debruçado sobre uma, percebeu dentro um cadáver de estatura maior, parece, que a de um homem, e que trazia na mão um anel de ouro, do qual ele se apoderou (…). Ora à reunião habitual dos pastores que se realizava cada mês para informar o rei do estado de seus rebanhos, ele compareceu com o anel no dedo. Tendo tomado assento no meio dos outros, voltou por acaso o engaste do anel para o interior da mão; imediatamente tornou-se invisível ) aos seus vizinhos, que começaram a falar dele como se tivesse partido. Espantado , (7) manejou de novo o anel com hesitação, voltou o engaste para fora e, assim fazendo, tornou a ficar visível. Dando-se conta do fato, repetiu a experiência para verificar se o anel possuía realmente semelhante poder, o mesmo prodígio reproduziu-se: virando o engaste para dentro, ficava invisível; para fora, visível. Desde que se certificou disso, agiu de modo a figurar entre os mensageiros que se dirigiam para junto do rei. Chegando ao palácio, seduziu a rainha, tramou com ela a morte do rei, matou-o e obteve assim o poder.”. (8)
A história narrada no interior da República marca os lados da visibilidade e da invisibilidade do poder e da justiça. Na divisão dos campos opostos ocorre a maravilha, o espanto. Todos os elementos narrados pelo escritor Platão no personagem Giges, encontram-se na história dos golpes de Estado e das ditaduras, após o final da república romana e o nascimento do império. Até os nossos dias, os mais importantes pensadores políticos se aplicam a captar os sentidos da história de Giges, entre eles, o republicano Jean-Jacques Rousseau. (9) Entre a modernidade e os tempos antigos, o cristianismo apurou a noção de tirania.
As duas fontes éticas do Ocidente —judaica e grega— trazem o problema do tirano e do tiranicídio. No Antigo Testamento Moisés mata um egípcio e começa a libertação do povo hebreu. Aod aniquila o usurpador Eglon, rei de Moab, que domina os israelitas (Juízes, 3, 14-23). Joab destrói Absalão, que destrona Davi (Samuel, 2, 18, 14). Joab é morto por Salomão, em virtude do testamento de Davi (Reis, 1, 2). O tirano Joram, rei de Israel, foi morto por uma flecha de Jehu. Este último fez executar Ocosias, rei de Judá, com a rainha Jezebel, mãe de Joram (Reis, 2, 9). O Sumo Sacerdote Iaoiada ordena a morte de Atália, mãe de Ocosias (Reis, 2, 11). Judite mata Holofernes, general de Nabucodonosor, rei dos Assírios, para salvar o povo. (Judite, 12). (10)
Na experiência grega, além da história de Giges, o tirano é chamado lobo sanguinário por Platão (11) que prevê a sua morte nas mãos dos adversários. Aristóteles define o tirano como pernicioso ao coletivo. (12) Cicero discute a tirania, e afirma que o tirano gera ódio e sempre acaba morto de maneira violenta. (13) O escritor discute o peso do tiranicídio, em relação aos valores éticos : “Com frequência as circunstâncias tornam o que se costuma considerar torpe, como não torpe. Existe crime maior do que matar um homem, ou um amigo? No entanto, seria mesmo um criminoso quem matou um tirano, mesmo sendo ele amigo? Tal não é a opinião do povo romano. Entre as belas ações, ele considera aquele ato como o mais belo” (14) Pode ser encontrada em Seneca uma atitude próxima. “Se a cura (do tirano) é desesperada, com um só gesto farei um ato benemérito para todos e de restituição, para ele. Para naturezas como a sua, deixar a vida é o único remédio, a melhor escolha é ir embora, quando não é mais possível voltar a si mesmo”. (15)
O Novo Testamento, por sua vez, segue a linha do Velho, proíbe o assassinato. E São Paulo é explícito no que se refere aos governantes. “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores(ἐξουσίαις, potestatibus): porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade, resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação. Porque os magistrados não são para temor (φόβος) quando se faz o bem, e, sim, quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem, e terás louvor dela; visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência. Por esse motivo também pagais tributos: porque são ministros de Deus, atendendo constantemente a este serviço. Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra” (Romanos, 13: 1-7).
O termo ἐξουσίαις, cuja tradução para o latim é potestatibus, tem o significado do sublime (Omnis anima potestatibus sublimioribus subdita sit) o que gera medo (φόβος) pela sua própria magnitude e transcendência, ultrapassa os limites dos homens finitos : poder, no sentido exato, só o divino (οὐ γὰρ ἔστιν ἐξουσία εἰ μὴ ὑπὸ θεοῦ; non est enim potestas nisi a Deo). Temos a reiteração da temática, já trazida no livro de Jó (16) da incomensurabilidade entre poder divino e humano, de onde nasce o símile do Leviatã. Tomás de Aquino fala, a propósito, do Leviatã como “excesso de grandeza”, o que vai além de todo poderio ou astúcia humanos. (17)
Lutero, para falar do medo trazido pela justiça divina, usa o termo Furcht (terror, pavor). A versão inglêsa do Rei Tiago traz claramente o vocábulo terror. A palavra latina é aparentemente mais branda: timor. Cicero afirma que o medo é política ruim, pois instaura a tirania. No caso de Paulo, o sublime divino é fonte do medo e as autoridades trazem o medo aos homens que optam pelo mal, nada podem contra os que agem bem.
Padres da Igreja, como Tertuliano e Lactâncio escrevem que embora o tirano seja detestável a sua punição é reservada a Deus, e apenas a Ele. O cristão deve morrer pela sua causa e não matar (Vincimus, cum occidimur, Apologeticum). Finalmente : Orate (…) pro regibus et pro principibus et potestatibus, ut omnia tranquilla sint vobis! (18) Mesma atitude na Cidade de Deus. Mas Agostinho introduz algumas concessões no tocante ao tiranicídio. Uma autoridade pública, face à maldade do culpado, pode matar. Não convêm aos particulares exercer tal decisão e ato. Se não é conveniente, não significa no entanto não ser possível ou justificável. Se Deus manda uma pessoa privada matar o péssimo dirigente, ela deve obedecer.
O grande nome das doutrinas eclesiásticas, quando se trata do tiranicídio, é João de Salisbury. O seu monumento sobre o problema é o Policraticus (1159). No livro 3, capítulo 15 daquele tratado, o autor se ocupa com o tirano por usurpação que tomou o poder por astúcia e violência. “Devemos viver de um modo com o amigo, de outro com o tirano. De qualquer modo, não convêm adular o amigo, mas é lícito acariciar (mulcere) (19) as orelhas do tirano. Pois é permitido lisonjear a quem é permitido matar. Não apenas é lícito matar o tirano como é eqüitativo e justo. Quem toma o gládio é digno de matar pelo gládio. Mas por ´tomar´ se entenda : quem o usurpa por sua própria temeridade ou recebe de seu senhor o poder de o utilizar. Quem recebe de Deus o poder conserva as leis, é servidor da justiça e do direito. Quem o usurpa rebaixa os direitos, submete as leis à sua vontade”. Não só o tirano usurpador pode ser morto, mas também o legítimo cujo exercício vai contra a lei e a justiça. O tirano “oprime o povo de modo violento (…) a lei é dom divino, forma de equidade e justiça, imagem da vontade divina, guardiã da salvação, fortaleza dos povos, regra das magistraturas, exclusão e termo dos vícios, pena contra a violência e toda injustiça (…) O príncipe combate pelas leis e pela liberdade do povo, o tirano acha que nada se faz se não se rejeita as leis e não se leva o povo à servidão. O principe é imagem da divindade mas o tirano figura a força contrária, a perversidade diabólica”.
No capítulo 20 do Policraticus, Salisbury narra os tiranicídios bíblicos. Integram sua lista os reis legítimos como Joram e Ocosias, bem como César e demais imperadores romanos. O governante é tirânico? Deve ser morto. Ao violar as leis divinas ele se torna culpado de lesa majestade divina. “Dos crimes de lesa majestade nenhum é mais grave do que o cometido contra o próprio corpo da justiça”. Retornamos ao início dessas considerações, com o preceito paulíneo da obediência à autoridade. A mais sublime dentre todas as autoridades é Deus. Ferir a lei de morte é tentar assassinar o divino. Não existe crime pior. (20)
Em Tomás de Aquino nota-se forte hesitação no tratamento do tiranicídio. No Segundo livro dos Comentários sobre as Sentenças de Pedro Lombardo (entre 1254 e 1256), os tiranos de usurpação podem ser mortos. O mesmo não é dito sobre os de exercício. Ninguém é obrigado a obedecê-los, e mesmo é preciso não acatar suas ordens em algumas ocasiões. Em geral, no entanto, deve-se obedecer o governante. O referido dever é “causado pela ordem de comissão, que tem uma virtude obrigatória, não apenas no plano temporal mas também no espiritual, em consciência como diz o Apóstolo (Romanos, 13), segundo o qual a comissão desce de Deus (…) logo segundo o que é de Deus, obedecer a tais prepostos é dever do cristão, mesmo que a comissão, ela mesma, não seja de Deus”.
Se o rei é um comissário divino, deve ser obedecido. (21) A idéia do comissariato será substituída na modernidade por símiles como o empregado por Blaise Pascal na Carta sobre a Condição dos Grandes. Os príncipes e dirigentes são como o náufrago que aparece nas praias de uma ilha distante. Ele se parece com o príncipe efetivo, mas não é ele. Assim, precisa agir como se fosse legítimo, mas sabe que a qualquer instante o soberano real pode surgir. (22) Segundo Aquino, o comissário pode abusar de sua missão de duas maneiras: fazer o contrário do que ela autoriza (exemplo, um pecado) ou obrigar os dirigidos à prática de algo alheio à sua comissão (exemplo, querer impostos indevidos). O governado pode obedecer, ou não. Se o tirano insiste os cristãos devem sofrer o martírio, mas nada é dito sobre matar o governante injusto.
Já no Regime dos Príncipes, escrito entre 1265 e 1266 (do qual com alguma certeza os livros primeiro e segundo são do filósofo, incluindo o capítulo quarto) a doutrina do tiranicídio é mais clara (ela é exposta no primeiro). Alí desaparece a distinção entre as tiranias (usurpação e exercício) e Aquino retoma Aristóteles : “Como o regime do rei é o melhor, o regime do tirano é o pior”. E logo após : “Um regime torna-se injusto se, ao desprezar o bem comum da multidão, busca o bem privado do governante. Por tal motivo, quanto mais um regime se afasta do bem comum, mais ele é injusto (…) Na tirania, se afasta mais do bem comum, pois nela se procura o bem de um só, logo o regime do tirano é o mais injusto”. (Capítulo 3). Com base em Aristóteles, mas também por recolher alguma lembrança do injusto platônico, Aquino diz que o tirano é como o lobo que não garante a segurança dos governados e persegue os bons cidadãos, favorece as quadrilhas reunidas para delinqüir, impede a amizade, propicia a discórdia. Ele em nada difere de uma fera. Si (…) regimen iniustum per unum tantum fiat qui sua commoda ex regimine quaerat, non autem bonum multitudinis sibi subiectae, talis rector tyrannus vocatur, nomine a fortitudine derivato, quia scilicet per potentiam opprimit, non per iustitiam regit: unde et apud antiquos potentes quique tyranni vocabantur .“ Se (…) o regime é exercido injustamente por um homem só e ao governar ele busca ganho para si mesmo e não o bem da comunidade a ele sujeita, tal dirigente é chamado tirano que significa ‘força’ porque ele oprime com poder, e não governa com justiça”. (23) Aquino, neste passo, cita Isidoro de Sevilha (Etymologiae 9:3, PL 82:344), cuja etimologia não é correta.
Tomás de Aquino possui dois pilares, em sua discussão teórica sobre a ordem pública. O primeiro é Dionísio, o Pseudo-Areopagita, o segundo é Isidoro de Sevilha. Aquino expõe a noção do universo como imensa hierarquia verticalizada que desce do Senhor, atravessa os arcanjos e anjos, chega aos sacerdotes e passa aos leigos poderosos para atingir os ínfimos da natura, define a doutrina cósmica e cívica, espinha dorsal do catolicismo religioso e político.() Essa doutrina tem origem neo-platônica, em Dionisio o pseudo-areopagita. Deus encontra- se além de todos os nossos sentidos e apenas pelos intermediários entre Ele e nós recebemos as suas bençãos. A hierarquia encontra-se na mais funda determinação do ser. É o que diz o teólogo e filósofo Paul Tillich, ao citar em Dionísio o “sistema sagrado onde os graus referem-se ao saber e à eficácia”. E arremata o pensador : “Isto caracteriza todo o pensamento católico em grande extensão; ele não é apenas ontológico, mas também epistemológico; existem graus não apenas no ser, mas também no conhecimento”.() Há, neste sentido, uma via para cima e uma via para baixo da escala e cada ente encontra-se num lugar certo e determinado desde sempre. Deus está além de todos os nomes que a teologia lhe atribui, além do espírito, além do Bem, numa “indizível obscuridade”. Dada esta transcendência absoluta, a hierarquia celeste é a emanação de sua luz. Quanto mais próxima d´Ele, mais a entidade se ilumina, quanto mais distante, mais escura. Os homens não podem perceber a luz divina, porque ela é tão intensa que os cega. Assim, os intermediários angélicos são o caminho para o fulgor Eterno. A Igreja Católica exibe na sua forma de governo e de pensamento social este imaginário metafísico.() É impossível quebrar a escala hierárquica dos anjos aos homens. Trata-se de responder à pergunta central de todo pensamento político sobre a teodicéia: “Porque, se Deus fez todas as coisas, ele não as fez todas iguais?”. Agostinho apresentou a sua fórmula: non essent omnia, si essent aequalia (se todas as coisas fossem iguais, nada seriam). Cada coisa ocupa um lugar na escada dos seres, da mais humilde à excelsa. () A queda do arcanjo luminoso apenas destrói na aparência, jamais na essência, a ordem universal. Lúcifer engana-se e procura enganar os homens sobre o poder divino.
Há um heliotropismo essencial no pensamento católico onde a hierarquia insere-se com perfeição. Embora cada ser tenha o seu lugar natural, os homens possuem o livre arbítrio (algo que trouxe lutas penosas para a Igreja, desde Agostinho até Jansenius e Pascal). Assim, retoma-se na Igreja a tese de Platão de que “o divino não é culpado” pelos nossos males. O mal não pode ser atribuído ao Absoluto. “Deus”, afirma Tomás de Aquino, “não quer que se faça o mal, nem quer que não se faça; o que Ele quer é permitir que se faça, e isto é bom” (Summa Theologia, 1 q. 19 a 9). O espelho terrestre foi embaçado pelo hálito pestilento do mal, mas pode ser limpo e resplandecer novamente. A criaturas atingem a perfeição no campo iluminado pelo brilho divino. No capítulo sobre a luz e a visão dos homens, Aquino refuta o símile entre os últimos e o morcego “que não pode ver o mais visível, o Sol, por causa precisamente do excesso de luz”. Os homens não nasceram para a lamentável escuridão e seu alvo é a perfeita alegria da vista: “como a suprema felicidade do homem consiste na mais elevada de suas operações, a do intelecto, se este nunca pudesse ver a essência divina, segue-se que o homem nunca alcançaria a felicidade, ou que esta é algo distinto de Deus, o que se opõe à fé (…) uma coisa é tanto mais perfeita, quanto mais se une ao princípio”. Assim, “os bem aventurados vêem a essência divina” (Summa 1 q. 12 a 1).
Mas como pode o homem unir-se ao divino? Os anjos e a sua hierarquia, espelhada na hierarquia eclesiástica, dão a primeira resposta. A segunda (a que trouxe maiores violências no debate cristão, sobretudo entre os jansenistas e calvinistas) é explicitada por Tomás de Aquino: “é indispensável que, em virtude da Graça, seja-lhe concedido o poder intelectual e este acréscimo de poder é o que chamamos iluminação do intelecto, bem como chamamos luz ao objeto inteligível. Esta é a luz de que fala o Apocalipse referindo-se à sociedade dos bem aventurados que vêem a Deus, que a claridade de Deus a ilumina e graças a esta luz se fazem deiformes, isto é, semelhantes a Deus (idest Deo similes)” (Summa, 1 q. 12 a 5). Os entes humanos, pela Graça, tornam-se iguais a Deus na contemplação beatífica, na transcendência eterna.() A igualdade entre eles não é possível, visto que em cada um dos indivíduos humanos há uma relação especial com Deus mediata pela cooperação de cada um deles com a Graça divina, o que indica uma proximidade maior ou menor entre a consciência e Deus. () Para que possa existir visão divina, a luz deve ser percebida segundo graus, não de imediato. A doutrina sobre o poder político exige a tese dos graus de visibilidade contemplativa, o que prepara o óbice maior que se instala entre o pensamento católico e as modernas idéias democráticas sobre a igualdade, onde o divino transcendente é posto fora do trato político ou, como dizia Laplace a Napoleão Bonaparte quando este ao folhear o texto sobre a Mecânica Celeste, perguntou ao cientista sobre Deus: “Je n’ ai pas eu besoin de cette hypothèse”.
O segundo pilar do pensamento político de Aquino, se deixarmos de lado os seus maiores apoios, Aristóteles e Platão, é Isidoro de Sevilha, sobretudo quando se trata da análise da lei e da tirania. O debate sobre a lei é feito a partir das Etimologias (2:10; 5:3, PL 82: 130 e 5:21, PL 82:203). () A lei é fundamentada na razão e composta não tendo em vista a vantagem privada mas o bem comum dos cidadãos. O alvo final da vida humana é a felicidade, ou beatitude, a lei deve satisfazer o bem dos indivíduos tendo em vista o bem comum, no Estado. A passagem fundamenta-se também em Aristóteles (Ética, V, 7: 8, 1151a 16) () e (Física 2: 9, 200a 22). ()
Qual deve ser o legislador ? O povo ou homens superiores? Para o debate, Aquino cita Isodoro, ainda nas Etimologias (5:10, PL 82:200) : “lei é um ordenamento do povo pelo qual algo é sancionado pelos de alto nascimento em conjunção com os comuns”. Todos possuem a lei em si mesmos e todos têm interesse na lei. Mas as pessoas privadas não podem compelir as demais à virtude, tal poder está presente na comunidade ou na pessoa cujo dever é aplicar punições e, portanto, a lei pertence a ela apenas. Ademais, a promulgação da lei é essencial na ordem pública? Sim, responde Aquino, porque os não presentes no ato da instauração legal têm obrigação de saber a lei. Quando a lei é promulgada por escrito, é como se ela tivesse sua promulgação refeita no passado, no presente e no futuro, de modo contínuo. É por tal motivo que Isidoro diz que “a lei deriva de ‘ler’(legendo) porque ela é escrita” (Etimologias 2: 10, PL 82:130). Se alguns homens são inclinados para este ou aquele modo de ser e desejam honras, riquezas, prazeres, como definir a lei da natureza, visto que Isidoro indica que “o direito natural (ius naturale) é comum a todas as nacões” ? (Etimologias 5:4, PL 82:199). Assim como a verdade é a mesma em todos os homens mas não é igualmente conhecida por todos, também a lei da natureza é idêntica para todos, mas é recebida e praticada de modos diversos.
Qual o alvo das leis? Segundo Isidoro, citado por Aquino, “as leis foram feitas para que a audácia humana pudesse ser colocada em limites pelo medo delas, para que a inocência fosse protegida no meio dos desordeiros, e que o pavor da punição restringisse os perversos de produzir danos” (Etimologias 5:20, PL: 82:202). Neste passo, Aquino cita com maior vigor Aristóteles, quando se trata do papel punitivo das leis. “Como o Filósofo diz na Retórica 1 ( 1:1, 1354a31), ‘é melhor que todas as coisas sejam reguladas por lei do que deixadas à decisão dos juízes’e isto por três razões. Primeira, porque é mais fácil encontrar poucos homens sábios capazes de encontrar leis sábias do que os muitos para julgar cada caso individual corretamente. Segundo porque os que estabelecem leis devotam muito tempo ao que faz a lei enquanto o juizo de cada caso singular deve ser dado logo que o caso ocorre; mas é mais fácil para o homem ver o que é direito tomando em consideração muitos exemplos, em vez de um só caso. Terceiro, porque os legisladores julgam termos em geral, com o futuro em mente, mas os juízes o fazem em relação ao presente, tratam com o que pode afetá-los pelo amor ou ódio ou ambição de algum tipo, e assim seu julgamento pode ser distorcido. Dado que a ‘lei animada’ dos juizes não se encontra em muitos homens, e porque ela pode ser distorcida, foi preciso, sempre que possível, que a lei determinasse como deveria ser o julgamento, e para muito poucas matérias se confiasse na decisão dos homens”. O direito positivo deve ser contrastado com o natural, como diz Isidoro (Etimologias, 5:4, PL 82:199).
Aquino se dirige ao próprio conceito de lei, enunciado por Isidoro, se perguntando se é apropriada descrição da lei inscrita nas Etimologias. Citação de Isidoro : “a lei deve ser franca, justa, possível, seguir a natureza e o costume da terra, capaz de ser aplicada em tempo e espaço determinados, necessária, útil, expressa com clareza, que ela não contenha alguma provisão temível pela sua obscuridade; seja composta não para vantagem privada, mas para o benefício dos cidadãos”(Etimologias, 5: 21, PL 82: 203). Aquino explica cada um dos termos expressos por Isidoro, inclusive a idéia de que o homem é útil para o homem, base da política. ()
O autor da Summa se dirige, então ao problema da tirania e dos outros regimes. A lei humana pode ser dividida segundo as formas de governo. Aquino cita Aristóteles na Política (3: 5, 1279a26) e divide os regimes em monarquia, aristocracia, oligarquia, democracia, e “também existe a tirania, inteiramente corrompida e à qual nenhum tipo de lei corresponde”. Tudo o que existe por força de um fim deve necessáriamente ser adaptado ao citado fim. Sendo o fim da lei o bem comum, “porque, como diz Isidoro, ‘a lei não deve ser composta para vantagem privada mas para o benefício comum dos cidadãos’( Etimologias, 2:10, 5: 21, PL 82: 131, 203), ela deve se adaptar ao bem comum. Se a lei é injusta, no entanto, “a ordem divinamente ordenada dos poderes não se aplica, e portanto um homem não é obrigado a obedecer a lei em tais casos, se pode resistir (resistere) , assim o fazendo sem escândalo ou alarma pior”.
Se possível, no entanto, é melhor tolerar o tirano. Caso os revoltados fracassem, ele pode se tornar ainda mais feroz. Mesmo se a tirania é insuportável não vale a pena o tiranicídio. O remédio aceito pelo doutor da Igreja é a revolta regulada por representantes legítimos do povo. “Parece que se deva proceder contra a selvageria dos tiranos, não pela presunção privada de alguns, mas por autoridade pública” como uma assembléia do povo ou como o Senado romano, que destituirá o tirano. Segundo a Suma Teológica é preciso obedecer as autoridades, quando ocorrem abusos que trazem rebeliões. Ao retomar Aristóteles e dizer que a “tirania é ordenada para o bem próprio do governante, com prejuízo da multidão” (IIa II ae, q. 42) ele condena a sedição como oposta à justiça e ao bem comum. Ora, o regime tirânico não é justo, pois não se ordena ao bem comum, mas ao proveito do dirigente. Logo, “a derrubada desse regime não tem o caráter de sedição”. () A sedição pode não ser pecado. E matar o tirano? Na questão 64, artigo 2 da Suma ao discutir se é lícito matar bandidos, ele afirma com apoio em Êxodo, 22 que “não suportarás que os bandidos vivam”. Assim, “se algum homem é perigoso para a comunidade e seu corruptor por causa de algum pecado, que seja morto elogiadamente e com vantagem, para que o bem comum seja conservado. Com efeito, pequena porção de fermento corrompe toda a massa”.
Uma pessoa privada pode matar o bandido? Responde o santo: “é licito matar um malfeitor, na medida em que o ato é ordenado para a salvação da comunidade; como pertence ao médico arrancar o membro apodrecido, quando foi-lhe confiada a saúde do corpo inteiro. O cuidado do bem comum e confiado aos notáveis com autoridade pública. E apenas a eles é confiado matar os malfeitores, não às pessoas privadas”. No final, chega-se à sugestão, não dita explicitamente pelo autor, de que as pessoas privadas podem matar o malfeitor e o tirano, desde que receba uma ordem divina, a missão, tal como ela se apresenta à sua consciência.
Bartolo da Sassoferrato (1314-1357?) professor de direito em Pisa (entre 1339-1350) se ocupa dos tiranos que assolam as cidades italianas, cujos regimes republicanos deslizam para o despotismo oligarquico ou individual. Hodie Italia est tota plena tyrannis, diz ele no De regiminis civitatis. () Bartolo foi dos primeiros a sistematizar o campo do direito público nas cidades, o que lhe permitiu uma vista sinoptica da ordem jurídica e política. Ao mesmo tempo, teve conhecimento direto dos problemas mais amplos da Europa, por ter sido embaixador de Perugia junto a Carlos 4º.
Bartolo, como Aquino, distingue duas formas de tirania. A primeira, por defectu tituli, por problemas de origem na legitimidade. A segunda, tem a indicação de Ex parte exercitii, o desempenho no cargo. O pensador usa os sinais fornecidos por Plutarco para o reconhecimento do tirano. Este último assassina os melhores homens da cidade e chega a matar seus parentes mais próximos, impede os estudos e os sábios, proíbe reuniões particulares, semeia espiões entre a cidadania, empobrece os contribuintes para que eles fiquem ocupados com dívidas, guerreia o países estrangeiros, é mantido por um grupo de mercenários, adere a um partido político e inviabiliza os demais. (De Tyrannia, capitulo 8º).
Segundo Bartolo, o tirano pode ser responsabilizado pelos ordenamentos legais do Império, passível de ser punido com penas previstas no direito romano. Quem divide a cidade, por exemplo, pode ser castigado com a Lex Julia Majestatis () e assim por diante. Se o imperador não pune o tirano, os magistrados da cidade podem processá-lo e chegar à sua condenação por exílio ou morte. Mas o escritor não autoriza as pessoas privadas a cometer o tiranicídio.
No século 14 o Concílio de Constança foi encarregado de várias tarefas espinhosas, entre elas, a de resolver o cisma papal e o problema da sede pontifícia em Avinhão, analisar as doutrinas de João Wyclif, Jan Hus e sectários. O Concilio condenou o assassinato do tirano devido ao caso do Duque de Orleans (23/11/1407). O confesso mandante do crime, João Sem Medo, queria se desembaraçar do concorrente no Conselho de Estado. Defendido pelo causídico João Pequeno em 08/03/1408, seu pleito se baseia nos seguintes pontos : é lícito matar o tirano, e louvável. O Duque de Orleans era um tirano, amigo do diabo e de feiticeiros, a diaba Venus o presenteou com um talismã para se fazer amar por ele, etc. () Além de tudo o defunto era desleal, traidor, inimigo do povo. Assim, foi lícito matar o tirano. O assassino foi absolvido, os honorários de João Pequeno dobrados.
Quando o novo duque de Orleans entra em Paris e João Sem Medo precisa fugir, o chanceler Gerson de Notre Dame denuncia as teses de João Pequeno. Em 30/11/ 1413 uma espécie de concilio jurídico e teológico extraiu da defesa feita por João Pequeno nove proposições erradas. Finalmente, o tribunal condenou a sua apologia do tiranicídio, em nome do arcebispo de Paris e do Inquisidor da Fé. João Pequeno apela ao papa João 23º. Este submeteu o apelo ao Concilio de Constança. Assim, o processo sobre o tiranicídio adquire estatuto próximo ao da heresia de Hus. O Concilio condena as primeiras teses de Pequeno, selecionadas por Gerson, em especial a que enunciava ser lícito matar o tirano sem esperar sentença ou mandato judicial.
Roland Mousnier resume do seguinte modo as teses jurídicas e religiosas sobre o tiranicídio : () “Nenhum particular pode, por seu movimento próprio e sem juízo prévio por magistrado competente matar o tirano de exercício ou o de usurpação. Mas Deus sempre pode, ao seu arbítrio, confiar a um homem privado a missão de executar o tirano e por tal mandato o escolhido por Deus tem o dever de cumprir sem que exista julgamento e sem por isso se transformar em assassino. Contra os tiranos de usurpação a revolta é permitida sem que se possa qualificar os atos como sedição. Mas quanto ao tirano de exercício apenas os magistrados ou depositários legítimos da autoridade pública, príncipes, senhores, governos, representantes dos povos consultados, podem se rebelar, recusar obediência, pegar em armas, deter o governante, o julgar e depor, exilar, condenar à morte quando necessário. Contra o usurpador, que gera a guerra civil, todo cidadão pode se levantar numa guerra justa”. ()
Na Renascença os tiranicidas têm melhor imprensa. () Maquiavel (), Erasmo, com seu lamento : O Brutorum genus jam olim extinctum.() As advertências contra a tirania encontram-se espalhadas pelos textos erasmianos. Por exemplo, no tratado sobre a Educação do Príncipe Cristão. Após descrever a pintura do bom governante o autor se refere à “terrível fera, repulsiva besta, formada por um dragão, lobo, leão, serpente, urso, e monstros semelhantes; com seiscentos olhos espalhados sobre seu corpo, dentes por toda parte, temível em todos os seus ângulos, com anzóis em todas as suas unhas; nunca satisfeita a sua fome, nutrido por entranhas de seres humanos e pelo sangue dos homens; nunca adormecida, sempre ameaçadora para a vida e os bens dos cidadãos; perigosa para todos, especialmente para os bons; um tipo de maldição fatal para o mundo inteiro, sobre ela, todos os interessados pelo bem estar político tem sentimentos de execração e de ódio. Tal fera não pode ser limitada devido à sua monstruosidade e não pode ser derrubada devido ao desastre que tal ato traria para a cidade, porque sua malícia se fortalece com armas e riqueza. Esta é a pintura do tirano, nada pior pode ser descrito. Monstros desse genero foram Cláudio e Calígula. Os mitos nos poetas também mostram Busiris, Penteu, Midas, cujos nomes hoje são objeto de ódio para toda a raça humana”. ()
Lutero, adversário do tomismo em todos os assuntos, () interdita o tiranicídio, sobretudo se praticado por um particular. Calvino, na Instituição Cristã (tanto na de 1541 quanto em 1560) () define: como todo poder vem de Deus é preciso obedecer a autoridade civil, mesmo tirânica. O pensador não distingue entre tirania por usurpação e por exercício. “Conhecemos por suas palavras a grande obediência exigida por Nosso Senhor para que este tirano perverso e cruel (Nabucodonosor) fosse honrado, não por outra razão, mas porque ele possuía o reino. Aquela posse apenas mostrava que ele tinha sido posto no trono por ordem de Deus e por tal ordem, elevado à majestade real, que não é lícito violar”. Calvino cita o livro de Jó (28) e relembra Davi que recusa atentar contra Saul, tirano mas ungido pelo Senhor. O cristão, diante de um tirano, deve examinar sua própria consciência, para ver os pecados pelos quais Deus assim o castiga. Se o principe deseja impor algo contrário à lei divina, no entanto, é preciso resistir até o martírio. “São Pedro nos ensina que é ´preciso mais obedecer a Deus do que aos homens´, mesmo com o risco de morte”. As pessoas privadas não podem se levantar, salvo se recebem missão especial de Deus, contra o tirano. “Algumas vezes Ele suscita manifestamente alguns de seus servidores e os arma com o seu mandamento, para punir uma dominação injusta e livrar da calamidade o povo iniquamente afligido.” O assassino, mesmo que não tenha consciência de alguma tarefa religiosa e possua outros alvos pessoais, pode servir de instrumento divino.
Chegamos ao calvinismo político que afasta todas as dúvidas quando se trata do reino francês, dividido entre papistas e huguenotes, nomes insultuosos que sempre aparecem nas guerras civis ou religiosas. Em 1573 na luta religiosa que estraçalhou a França surge o libelo O direito dos magistrados sobre seus súditos. () Pouco antes, em 1572, ocorrera a noite de São Bartolomeu. Em 1584 sobe ao trono um protestante, o Bourbon Henrique de Navarra, com o título de Henrique 4º. O Direito dos magistrados, apresenta a situação da desobediência quando esta passa de passiva a ativa, quando o poder contradiz os mandamentos divinos. O metron da ordem política só pode ser o divino, jamais humano, porque “nenhuma vontade a não ser a divina é perpétua e imutável, regra de toda justiça”. O tom platônico desse enunciado mostra que ele pode ser incluído na linha de Agostinho e não na vertente tomista.
Mas o escrito dá um passo a mais e sanciona as doutrinas sobre o tiranicídio. Ele autoriza o particular à execução do governante tirânico e inimigo das ordens divinas, caso os magistrados deixem de cumprir seu dever. Há um contrato entre povo e soberano. Como o Estado está acima do soberano a soberania não lhe cabe totalmente. Ele depende dos magistrados comuns que não “dependem propriamente do soberano, mas da soberania” a quem o rei presta um juramento de fidelidade. “É evidente que existe uma obrigação mútua entre o rei e os funcionários (officiers) de um reino, segundo a qual o seu governo não é posto nas mãos reais, mas apenas o soberano grau deste governo, como também os funcionários (officiers) tem, cada um, parte segundo o seu grau”.() O rei é um magistrado, como os demais, apenas o seu posto está acima dos outros. Os magistrados inferiores, quando o superior tomba em tirania, têm o dever de salvaguardar as leis. “Eles são obrigados (mesmo com uso de armas, se possível) de se levantar contra uma tirania manifesta, para a salvação dos que são postos sob sua guarda, até uma comum deliberação dos Estados”. Como afirma Roland Mousnier, isto vai muito além de Calvino.
Se há contrato, este se baseia no direito natural e divino, e não pode ser quebrado pelas partes. O tirano rompe o contrato, o que lhe retira a garantia no governo. O povo, portador da soberania, merece sempre a resposta certa ao quesito da responsabilidade do governante face ao contrato fundamental. Se rompe o contrato, o príncipe torna-se tirano e pode ser destituído ou morto.
Outro documento relevante dos monarcômacos franceses é o livro Vindiciae contra tyrannos, surgido em 1581 de maneira anônima. Ele foi atribuído a Teodoro de Beza, François Hotman, Buchanan, Hubert Languet. Sua importância foi enorme, tanto na França quanto na Europa. Mas não vai muito além do que aparece no Direito dos Magistrados. Ele avança, no entanto, no campo do contrato. Da Biblia é extraída a noção de um duplo contrato. Em primeiro, o contrato entre povo e rei, Deus garante este acordo, pois o povo é o propriedade divina. Depois, um segundo contrato entre rei e povo, para que o último obedeça bem se for bem dirigido. Daí nascem os direitos populares para exigir prestação de contas do rei, lhe resistir, depor. Depois, o livro inova no que se relaciona ao direito de resistência. Se o povo aprova o tirano que ignora a lei e a desrespeita, uma cidade apenas, um só magistrado, um só par do reino tem o direito de se levantar contra a tirania. A verdade não é quantitativa, um só pode ter razão contra muitos, estar no legítimo direito contra muitos, estar com a verdade contra muitos, e ser o único a defender a liberdade e a fé, contra muitos. Em plano ordinário, no entanto, não cabe ao particular exercer a vingança, a menos que Deus ordene sua missão.
João Althusius, em 1603, na Politica methodice digesta segue o plano geral da Vindiciae contra tyrannos. Temos nesse ponto um elemento estratégico de ordem jurídica, a suposta ou efetiva personalidade soberana do povo, com a idéia do contrato pelo qual o mesmo povo entrega o seu poder originário ao governante. Para a famosa transferência de poder, no entanto, o povo deveria possuir uma “subjetividade” comum. Se tal asserção for verdadeira, o povo jamais transfere totalmente seu direito ao dirigente, ele guarda para si a maiestas. Mesmo os defensores do absolutismo guardam a noção de que existe um contrato a ser cumprido pelo povo. Se o povo é cobrado pelo contrato, é porque ele teria alguma personalidade original. A personalidade do povo só poderia ser coletiva, o que traz problemas para a própria noção de persona capaz de decisões e de responsabilidade. O costume, trazido do direito romano, de chamar o povo de universitas, communitas, corpus, para explicar a personalidade popular como uma unidade incorporada, foi assumida pelos monarcômacos, como na Vindiciae contra tyrannos e nos textos de Althusius.
Althusius não pode aceitar as teses dos escritores católicos, como aliás nenhum de seus pares protestantes, de uma personalidade coletiva superior e anterior, ontológica e lógicamente, aos indivíduos. Tal é o ponto grave dos monarcômacos. Como vimos, embora neguem às pessoas privadas o direito de executar o tirano, quase sempre chegam ao indivíduo ou grupo que, por ordem expressa de Deus, podem justiçar o péssimo governante. Além disso, como também vimos, o indivíduo, em casos excepcionais, tem maior acesso ao verdadeiro do que a massa. Se a lógica aqui presente for levada ao máximo (e nas guerras ou revoluções do tempo ocorreu tal fato) os direitos coletivos são os direitos dos indivíduos somados. Althusius pensa numa conexão social, numa “parceria” dos indivíduos, que gera o Estado. Temos a noção de uma consociatio, corpus symbioticum. De modo artificioso retorna o peso do coletivo sobre os átomos sociais, a autoridade da comunhão política sobre os seus integrantes.
Importa insistir sobre a visão da soberania popular em autores protestantes como Althusius, que no mesmo ato se liga ao campo do federalismo. Dos indivíduos aos Estado e deste às federações, existem graus de autonomia e dignidade, sempre com o instrumento da consociatio. A sua política pode ser dita uma teoria rigorosa de muitas associações. Todas as instâncias sociais, no entender do escritor, surgem de associações. Dentre elas, são indicadas cinco species consociationis : a família, a de camaradagem (Genossenschaft), a comunidade local (Gemeinde), a província e o Estado. Cada uma das superiores resulta das inferiores e são elas, não os indivíduos diretamente, que entram no contrato que gera as mais elevadas. Elas possuem um direito que vai além dos indivíduos, direitos que não podem ser violados tanto pelas associações superiores, quanto pelos próprios grupos inferiores ou individualidades. Se tal é o ponto, é possível aceitar que um grupo ou indivíduo, sem licença das respectivas associações (inferiores ou superiores) decrete que tal instância é tirânica e mate os seus titulares? () Se uma instância associada, ou grupo ou indivíduo no seu interior, abusa de suas prerrogativas, nota-se que a qualificação de “tirania” lhe cabe. Mas o indivíduo privado ou grupo que se arroga a executar uma justiça não escrita, e matar quem imagina (ou de fato é) tirânico, não é também algo contra o direito e tirânico?
No capítulo 38 da Politica Althusius analisa os abusos do poder estatal, a tirania e os meios para afastar semelhantes males. Como defensor das associações, ele sublinha a soberania popular como algo inalienável e reforça o veto contra toda e qualquer tentativa de subtraí-la aos seus legítimo proprietários. Tirano, para ele, em sentido rigoroso, o governante legítimo que viola o direito e trai seu dever. Assim, retoma a distinção já mencionada entre tyrannus absque titulo e tyrannus quoad exercitium. Só que para ele o pretenso tyrannus quoad exercitium é apenas e simplesmente o inimigo público. E aí temos a concessão de Althusius às doutrinas anteriores, protestantes e católicas, sobre o tiranicídio: qualquer particular tem o direito de executar a sentença contra o tirano. (Cf. Politica, § 27).
Quem é o verdadeiro tirano? O que “violando tanto a palavra quanto o juramento, começa a abalar as bases e afrouxar os laços do corpo associado da comunidade. O tirano pode ser um monarca ou poliarca que, em decorrência da avareza, soberba ou perfídia, extingue ou destrói os bens máximos da comunidade, quais sejam, sua paz, virtude, ordem, lei e nobreza”. () Com tais critério, Althusius fixa o jus resistentiae et exauctorationis, contra o tirano. Tal direito resulta de doze princípios, extraídos da essência do contrato, do ofício e do mandato, do conceito de soberania popular, do direito natural e da palavra divina (§§ 28-43), da história civil e religiosa (§§44-45). O referido direito é atribuído ao povo apenas, coletivamente, e em seu nome, aos Eforos. Os privados cidadãos têm direito apenas à resistência passiva e, caso exista ameaça direta contra suas vidas, bens, liberdades, o direito de legítima defesa concedido pelo direito natural (§§ 65.68). () Os Eforos, coletivamente, têm a prerrogativa (caso verifiquem um comportamento tirânico) de advertir o governante pacificamente. Caso ele não se emende, eles podem cassar o seu mandato com violência ou mesmo condenar a morte. (§§ 53-64). Em caso de evidente tirania, as associações podem romper o contrato e se retirar das entidades federadas (§§ 42-52). ()
O ponto crucial do problema inteiro gira ao redor do estatuto da indivíduo no campo coletivo. Quais os limites do primeiro e do segundo? Quem é fonte dos direitos e da ação política? Quando a tirania do Todo suscita a resistência legítima ? Todas essas questões, suscitadas pelos monarcômacos protestantes, são refletidas de maneira inversa nos monarcômacos do catolicismo. O ponto mais grave, no meu entender, reside na tese de que não raro os átomos sociais e políticos, os indivíduos, podem estar na posse do direito efetivo, quando a maioria se deixa controlar por tiranias mentirosas e anti- jurídicas. Basta recordar os totalitarismos do século 20 : quem tinha razão e estava na verdade, as massas animalizadas pela propaganda nazista, estalinista, fascista, ou os poucos cidadãos que aceitaram ir para a morte, sem disto precisar por eram “arianos” ou porque simplesmente poderiam calar e cooperar com o Estado?
Para os monarcômacos católicos tirano é todo governante que não aceita os ditames da Igreja no campo da soberania, da ética, da ordem pública. Se abrirmos os textos dos monarcômacos do catolicismo, veremos que a grande maioria fazem epikéia do 5 mandamento, “não matarás”. Se é legítimo matar o invasor de sua pátria, um bandido que penetra sua casa, é permitido matar o tirano de usurpação , pois o que ele faz contra a república é uma guerra injusta e fora da lei. Assim, todo cidadão, parte da autoridade coletiva, pode executar o governante tirânico.
Manuel de Sá, jesuíta, nos Aphorismi confessiorum (1593) aprovado pela Faculdade de Teologia de Paris em 1609, diz que o governante tirânico de “uma senhoria justamente adquirida não pode ser dela despojado, a não ser por um julgamento público, sentença pronunciada. Daí, cada um pode ser o executor. Ele também pode ser deposto pelo povo, mesmo se este último jurou obediência perpétua caso, advertido, ele não se corrija. Mas todo membro do povo pode matar quem ocupa tiranicamente o poder, se não há outro remédio, pois ele é o inimigo público (publicus hostis)”. João Mariana, no De rege et regis institutione (1598) pergunta se é lícito matar o tirano. Sua resposta é uma longa discussão escolástica pelo sim e pelo não, ressaltando o sim em caso de atentado à religião.
Outro monarcômaco relevante é Georg Buchanan (1506-1582). Em 1549 o autor foi preso pela Inquisição de Portugal, pelo seu ensino considerado herético na Universidade de Coimbra. Após abjurar sua pretensa heresia, ele é solto e retorna para a França. O De Iure Regni apud Scotos Dialogus (1579), põe os fundamento da responsabilização (accountability) dos governantes face aos governados e da lei e desenvolve a doutrina da soberania popular, o que exige a tese da resistência legal aos tirano. Ele foi peça central na queda de Maria, rainha da Escócia (1567) e se tornou tutor de Tiago 6º da Escócia, futuro Tiago 1º da Inglaterra). Buchanan, pode-se dizer, foi dos primeiros a usar a retórica na tarefa pouco nobre de aniquilar os inimigos políticos. Foi o que ele fez com Maria, a quem acusou de assassina, adúltera, tirana prostituta. no libelo intitulado Detectio Mariae Reginae Scotorum (1571) () e desenvolvido mais amplamente na história da Escócia por ele publicada : Rerum Scoticarum Historia (1582).
No De Jure Regni apud Scotos, aparece o elemento causador do tiranicídio : a opressão do povo e sua revolta. () As fontes de Buchanan encontram-se em Erasmo, Aristóteles, Cícero. O núcleo do diálogo é a diferença entre monarquia e tirania, com a tese da superioridade do povo face aos dois tipos de poder. Para tal tarefa, o autor assume a famosa narrativa das origens, encontrada em Platão, nos estoicos e usada em grande quantidade no século 18, em especial por Rousseau. Ninguém pode dizer que tal narrativa pretende ser efetivamente histórica. Ela é uma idéia diretora para explicar, com algum fundamento racional, o sentido da vida humana em coletividade. Os homens, diz o autor, viviam de modo selvagem e bruto, isolados em cavernas. O sentimento da utilidade e o instinto social os aproximou. O instinto social, como em Cícero, é dado por Deus e com ele torna-se possível construir a civitas segundo as normas do bom e do justo. Quem mais perto chega do justo e do bom é imagem divina entre os seus iguais (Plane Deo similimum). Ele será o chefe, o guia, o médico que conserva a integridade física e a saúde da reunião humana. Justiça, portanto, é guardar a saúde do corpo social, assegurar a prosperidade das suas partes e a coesão voluntária do todo. O rei aparece com tal múnus. Mas a simples eleição do rei nada garante em termos de justiça. Ela é um sinal de excelência, não a própria excelência : natura, non suffragiis regem esse . A eleição não gera um rei, nem um médico competentes. Mas como o diploma confere ao médico o seu direito, a eleição confere ao líder a licença para governar. Diploma ou eleição constituem formas de reconhecimento, não o saber ou o poder reais. Para evitar abusos, mesmo dos que são prudentes ao serem eleitos (ou diplomados), existe a lei, freio dos desejos de quem governa (Legem ei velut collegam aut potius moderatricem libidinum adjiciemus). As leis, diz o autor, “foram criadas com tal fim pelos povos e os reis são constrangidos a governar não segundo seu arbítrio mas segundo o direito que o povo tinha estabelecido para eles”. Mesmo um rei bom não pode dispensar a lei. Buchanan pensa numa colaboração dos poderes, do povo, magistrados e rei, não os procedimentos cortesãos e nem o tumulto dos comícios. No seu entender, os deputados deliberam o texto de uma lei com os conselheiros do governo, depois submetem sua decisão preliminar (προβουλευµα) à aprovação do povo. A lei é mais poderosa do que o rei, o povo é mais poderoso do que a lei (Est enim velut parens, certe auctor legis ut qui eam, ubi visum est, concedere aut abrogere potest). O contrato entre povo e governante não retira do primeiro sua majestade, pelo contrário.
Nesse ponto surge a distinção entre rei e tirano. O tirano segundo o título pode até ser suportado, se o governo segue a lei e a justiça. Mas o de exercício, que viola a lei, devem ser “declarados inimigos públicos e considerados como sátiros, macacos e ursos, fúrias ou Kakodemônios”. Quando o governante viola a legalidade, rompe o contrato que estabeleceu com o povo. Assim, “o povo, de quem nossos reis ganham os seus direitos, é superior aos reis, e o conjunto dos cidadãos tem sobre eles o mesmo poder que eles têm sobre um de seus membros”. Nada vai contra a deposição de um tirano, mesmo que ele seja disfarçado. Buchanan analisa a Carta aos Romanos de maneira inusitada : São Paula falaria de um soberano legítimo e não de um tirano a ser obedecido. A carta a Tito fala em obedecer o que é bom e à Timóteo pede que se reze pelos reis e magistrados. Mas o que impede matar os reis péssimos e ao mesmo tempo por eles orar? O apóstolo falava de reis pagãos, que não tinha conhecimento da lei divina. Os reis cristãos ficam sem desculpa quando agem como tiranos. ()
O retrato acima, do povo e do rei, no entanto, precisa ser melhor precisado nos textos de Buchanan. Nem sempre o rei é o tirano por ele execrado (falando-se em termos históricos, na Escócia da qual ele faz a teoria) e pouco tem de “popular” o “povo” por ele evocado. Trata-se na verdade da nobreza sediciosa e que exigia privilégios, auto-nomeada “povo”. No entanto, sob tais nomes e com tal lógica, as idéias de Buchanan se espalharam pela Europa e abriram vias para a defesa da soberania popular, contra o arbítrio dos reis. o De Iure Regni apud Scotos Dialogus (1579) () no qual defende a responsabilização dos governantes e a soberania popular. O texto mostra que o assassinato pode ser justificado como ato virtuoso. A radicalidade com a qual Tiago 1º defende o direito divino dos reis, com muita probabilidade é devida à virulência das teses de Buchanan. Aluno de Buchanan, Tiago apreciou as lições de grego, de latim, de humanidades adquiridas com o mestre. Mas renegou o quanto pode a tese da soberania popular e do tiranicídio, especialmente nos livrinhos The True Law of Free Monarchies (1598) e Basilikon Doron. () Os textos de Buchanan foram importantes para toda a história política da Inglaterra, sobretudo na revolução do século 17 e do período dominado por Cromwell.
O texto mais célebre da modernidade, ao se tratar dos monarcômacos, intitula-se Killing no Murder. () Ele se dirige contra Oliver Cromwell, o Lord Protector da Inglaterra ou mero ditador no entendimento de muitos. O regime do protetorado aparentemente se instalou em 1653 sem comoções graves. Mas as duas supressões do Parlamento anteriores (a de abril e dezembro de 1653) mostram grave crise política. A Constituição imposta (The Instrument of Government) mostrava tudo, menos reverência para o princípio da representação do poder. O regime instalado era mais presidencial do que parlamentar. Sob a rubrica de “uma só pessoa e um só parlamento”, o autoritarismo aparecia sem muitos cosméticos. A prática de Cromwell face ao Parlamento se reduzia a visitas esporádicas, nas quais o governante falava longamente, sempre no costume dos ditadores que adoram alugar orelhas de parlamentares imaginados impotentes. Os Levellers tinham perdido sua força e seus projetos de mando constitucional tinham se atenuado ao máximo. Como sempre ocorre em regimes autoritários de lavra cristã, Cromwell também acreditou num contrato (Covenant) entre Deus e o povo inglês, no qual ele, o governante, seria o intermediário sacrossanto. Entre as proclamações demagógicas e o próprio Cromwell, no entanto, a modéstia carateriza os seus atos e falas. Para o povo, ele seria um quase Moisés. Para si mesmo, não passaria de um guarda de propriedade (Constable), para um povo rude e indisciplinado. Ditadores costumem parecer modestos…
Modestos, mas a sua tarefa consiste “apenas” em negar ou trair os ideais da revolução que os levam ao poder. No caso de Cromwell, tratava-se de recusar as “bravatas” da luta contra a censura, do exército politizado e sem hierarquias nobres, do nivelamento político democrático, reforma agrária, respeito ao misticismo religioso (Quakers), justiça contra o rei e magistrados não responsáveis (accountability). Em suma: a ditadura foi efetuada para acabar com as exigências de mudanças na ordem pública.
Entre os antigos Levellers (os niveladores...) vários se indignam com o “realismo” do ditador e de seus amigos. Um deles era o jurista Wildman, preso em 1654 e solto no ano seguinte. Seu amigo Edward Sexby, soldado revolucionário e agitador, servira como espião e organizador de rebeliões na França, a serviço da Inglaterra. Na mesma operação, ele apresenta aos rebeldes franceses um “agreement” que seria cópia do programa dos niveladores. O que suscita a cólera de Cromwell, naturalmente. A partir daí, com Wildman, passa liderar planos contra o ditador. Do estrangeiro, ele começa a campanha para abater “o usurpador”. As tratativas com o rei destronado, no exílio francês, não foram adiante, porque Sexby insiste nos preceitos democráticos. O rei, como previsível, nada aceita que possa lessening the power of the crown and devolving an absurd power to the people. Cromwell, no Parlamento em 1656 denuncia Sexby num de seus longos discursos como a wretched creature, an apostate from religion and all honesty.
Os ocupantes das cadeiras parlamentares, beneficiados materialmente pela Revolução, não aceitaram pregações como as de Sexby. Eles na verdade queriam uma legitimidade nova para Cromwell, o que garantiria suas propriedades e a situação política de “segurança”. Não apenas de satisfeitos se compunha o clima político. Muitos setores não aceitavam o controle do ditador. Assim, Sexby imagina mover os defensores da realeza contra o governante e assim captar todas as insatisfações levantadas em seu protetorado. E surge o Killing no Murder em 1657. Preso, Sexby com muita probabilidade foi torturado e confessou, mas sem deixar suas convicções.
O primeiro arrazoado do texto gira ao redor da questão clássica: Cromwell é tirano ? Como sempre, Aristóteles e Cícero são fonte analítica. Mas a fonte maior, no passo, encontra-se em Maquiavel : “Tiranos efetivam seus fins muito mais por fraude do que pela força. Nem virtude nem a força (diz Maquiavel no Príncipe, cap. 9) são necessárias para aquele alvo, tanto quanto una Astutia fortunata, uma astúcia com sorte: a qual, diz ele (Principe, 2 capitulo 13) sem a força foi sempre considerada suficiente, mas nunca a força sem ela. E num outro lugar (Capítulo 18) ele diz que o caminho é Aggirare li cervelli de gli huomini con Astutia, etc.” Daí, a indicação de que Sua Alteza, o protetor, usa os artifícios maquiavélicos para conseguir seus alvos. ()
Além disso, é marca dos tiranos rebaixar os bons. Eles, como diz Aristóteles, “purgam” as assembléias em sentido negativo (a fonte mais antiga disso é Platão, na fenomenologia do tirano feita na República, livro 8), e nelas só deixam quem não possua inteligência (Wit) interesse ou coragem para se opor aos seus desígnios (Aristóteles, Política, 5, cap. 11). Eles não suportam assembléias e colocam em toda parte espias e delatores e não saem do palácio sem guarda de corpo. Eles declaram guerras para divertir o povo e mante-lo ocupado. Eles mantêm aduladores. E coisas detestáveis, eles exigem que seus subordinados as cometam. Eles fingem cuidar do povo. Mas vendem as coisas santas, na religião e em outros domínios. Eles fingem receber inspiração divina. Eles pretendem, assim, amar a Deus e fingem que oráculos divinos conduzem sua ação. Todas essas marcas são encontráveis, diz Sexby, em Cromwell. ()
A segunda série de razões gira ao redor de outra questão clássica: é legal matar um tirano? Os juízos variam, afirma Sexby. Alguns acham que os tiranos são abortos, para a cura dos quais apenas a nossa paciência é eficaz. Outros acham que eles devem ser questionados pela suprema lei da salvação popular. Eles são responsáveis (answerable) diante dos povos, por quebrarem a fé pública. Ninguém, no entanto, “em boas condições de pensamento”, torna a pessoa privada juízes nos casos de tirania. Mas o próprio tirano é um caso de vida particular, não pública. Se o governante não assegura a felicidade e a segurança públicas, ele não é mais diretor da ordem pública, mas age nela como privado. Para ser legítimo, o governante deve ser parte da Civitatis, porque toda parte se subordina ao todo ao mandar ou obedecer. O tirano nunca se subordina. Só existe civitas quando o coletivo é como se fosse só homem. Sexby cita Sófocles em latim : Non est civitas quae unius est viri. Como o tirano não é parte da Comonwealth “mas se coloca acima da lei, não existe razão para que ele seja protegido pelas leis, pois não as reconhece. Deve ser considerado uma fera, nada mais. E seguem-se exegeses bíblicas e fontes antigas para validar a tese da tirania de Cromwell.
Terceira série de arrazoados: após mostrar o que é um tirano e indicar suas marcas, vem a questão de saber se é vantajoso para o coletivo a sua destituição. E Buchanan cita muitas autoridades sobre o assunto. Dos trechos recolhidos, o mais cortante é o de Maquiavel : quem apoia a tirania, deve matar Brutus. Um tirano, diz Platão, deve afastar toda pessoa virtuosa. E se com o tirano não é possível viver em paz, felicidade, segurança, etc., é saudável e vantajoso acabar com ele.
Os monarcômacos, dos quais dei apenas alguns exemplos, colocam o direito de resistência no centro de todo o seu sistema político. () Mas devido à substituição da soberania principesca ao povo, o seu problema passou para o campo mais amplo, da transgressão dos limites do Estado. Todos os direitos que eles atribuem ao povo contra e acima do tirano seriam consequências, não limites da soberania. O que se deve pensar de um poder sem limites, inclusive e sobretudo se tratamos de um soberano coletivo? Não irei analisar aqui as teses de Hobbes e da modernidade. Importa dizer que o impulso para definir limites aos soberanos principescos ajudou e muito na edificação das democracias ocidentais, como a inglêsa, a norte-americana e a francesa. Com a Revolução de 1917 na Rússia, encerra-se a eficácia da doutrina com o Estado totalitário. Doravante, no mundo, os satélites da URSS agiram como se assumissem o principio da resistência à tirania, mas logo que atingiram o poder, impuseram tiranias ainda piores do que as derrubadas por eles. O nazi-fascismo levantou contra seu programa de horrores a resistência de alemães, franceses, italianos, gregos. Mas logo que a Segunda Guerra foi vencida, o único foco de resistência encontrou-se na luta contra os países colonialistas. E logo após muitos movimentos de libertação, no poder, instauraram tiranias sangrentas que até hoje matam milhares e milhares de pessoas humanas. Nas consciências terroristas de hoje, há uma tintura das doutrinas sobre a resistência à tirania. Mas na verdade trata-se de tiranos que usurpam o título de resistentes, e também exercem a tirania de modo exacerbado.
1 Léon Homo: L’ Italie primitive et les débuts de l ‘imperialisme romain (Paris, Albin Michel, 1925), 272 ss.
2 Ilíada, II, 204- 205 e X, 224 : (II, 204-205);; “Dois que marcham juntos, um provê ao outro como seja melhor… (Iliade di Homero, Torino, Einaudi, 1950). Para toda a análise que segue, cf. Raymond Weil, ”De la tyrannie dans la pensée grecque”, in Duverger. M. : Dictatures et Légitimités (Paris, PUF, 1982), pp. 29 ss.
3 “Die älteste erhaltene Verwendungen des Tyrannis-Begriffes findet in den literarischen Zeugnisse der archaischen Zeit bei Archilocos von Paros , der die Mitte des 7. Jarhunderstes v.Chr. gelebt haben dürfte . Der Iambograph lässt in einem Vielzeiler einem Handwerker namens Charon sagen (…) [eu traduzo os versos,RR] “Não desejo a riqueza de Gyges, nem emulei ou me arrependi diante dos decretos divinos, nem desejei seguir os grandes tiranos, diante dos quais os meus olhos permanecem fechados” in Loretana de Libero, Die archaische Tyrannis (Stuttgart, Franz Steiner Verlag, 1995) p. 24. Cf. também Pedro Barceló: Basileia, Monarchia, Tyrannis, Untersuchungen zu Entwiclung und Beurteilungen von Alleinherrschaft im vorhellenistischen Griechenland (Stuttgart, Franz Steiner Verlag, 1993). Também: Parker V.. : “Tyrannos. The semantics of a political concept from Archilochus to Aristotle” Hermes ( Steiner Verlag, Stuttgart,) 1998, vol. 126, no 2, pp. 145-172.
4 ‘After the tumult quieted down, and five days passed, the rebels against the Magi held a council on the whole state of affairs, at which sentiments were uttered which to some Greeks seem incredible, but there is no doubt that they were spoken. Otanes was for turning the government over to the Persian people: “It seems to me,” he said, “that there can no longer be a single sovereign over us, for that is not pleasant or good. You saw the insolence of Cambyses, how far it went, and you had your share of the insolence of the Magus. How can monarchy be a fit thing, when the ruler can do what he wants with impunity? Give this power to the best man on earth, and it would stir him to unaccustomed thoughts. Insolence is created in him by the good things to hand, while from birth envy is rooted in man. Acquiring the two he possesses complete evil; for being satiated he does many reckless things, some from insolence, some from envy. And yet an absolute ruler ought to be free of envy, having all good things; but he becomes the opposite of this towards his citizens; he envies the best who thrive and live, and is pleased by the worst of his fellows; and he is the best confidant of slander. Of all men he is the most inconsistent; for if you admire him modestly he is angry that you do not give him excessive attention, but if one gives him excessive attention he is angry because one is a flatter. But I have yet worse to say of him than that; he upsets the ancestral ways and rapes women and kills indiscriminately. But the rule of the multitude has in the first place the loveliest name of all, equality, and does in the second place none of the things that a monarch does. It determines offices by lot, and holds power accountable, and conducts all deliberating publicly. Therefore I give my opinion that we make an end of monarchy and exalt the multitude, for all things are possible for the majority. Such was the judgment of Otanes: but Megabyzus urged that they resort to an oligarchy. “I agree,” said he, “with all that Otanes says against the rule of one; but when he tells you to give the power to the multitude, his judgment strays from the best. Nothing is more foolish and violent than a useless mob; for men fleeing the insolence of a tyrant to fall victim to the insolence of the unguided populace is by no means to be tolerated. Whatever the one does, he does with knowledge, but for the other knowledge is impossible; how can they have knowledge who have not learned or seen for themselves what is best, but always rush headlong and drive blindly onward, like a river in flood? Let those like democracy who wish ill to Persia; but let us choose a group of the best men and invest these with the power. For we ourselves shall be among them, and among the best men it is likely that there will be the best counsels. Such was the judgment of Megabyzus. Darius was the third to express his opinion. “It seems to me,” he said, “that Megabyzus speaks well concerning democracy but not concerning oligarchy. For if the three are proposed and all are at their best for the sake of argument, the best democracy and oligarchy and monarchy, I hold that monarchy is by far the most excellent. One could describe nothing better than the rule of the one best man; using the best judgment, he will govern the multitude with perfect wisdom, and best conceal plans made for the defeat of enemies. But in an oligarchy, the desire of many to do the state good service often produces bitter hate among them; for because each one wishes to be first and to make his opinions prevail, violent hate is the outcome, from which comes faction and from faction killing, and from killing it reverts to monarchy, and by this is shown how much better monarchy is. Then again, when the people rule it is impossible that wickedness will not occur; and when wickedness towards the state occurs, hatred does not result among the wicked, but strong alliances; for those that want to do the state harm conspire to do it together. This goes on until one of the people rises to stop such men. He therefore becomes the people’s idol, and being their idol is made their monarch; and thus he also proves that monarchy is best. But (to conclude the whole matter in one word) tell me, where did freedom come from for us and who gave it, from the people or an oligarchy or a single ruler? I believe, therefore, that we who were liberated through one man should maintain such a government, and, besides this, that we should not alter our ancestral ways that are good; that would not be better.” Having to choose between these three options, four of the seven men preferred the last. Then Otanes, whose proposal to give the Persians equality was defeated, spoke thus among them all: “Fellow partisans, it is plain that one of us must be made king (whether by lot, or entrusted with the office by the choice of the Persians, or in some other way), but I shall not compete with you; I desire neither to rule nor to be ruled; but if I waive my claim to be king, I make this condition, that neither I nor any of my descendants shall be subject to any one of you.” [3] To these terms the six others agreed; Otanes took no part in the contest but stood aside; and to this day his house (and no other in Persia) remains free, and is ruled only so far as it is willing to be, so long as it does not transgress Persian law” (Herodotus, Perseus Project).
5 “But the rule of the multitude has in the first place the loveliest name of all, equality, and does in the second place none of the things that a monarch does. It determines offices by lot, and holds power accountable, and conducts all deliberating publicly. Therefore I give my opinion that we make an end of monarchy and exalt the multitude, for all things are possible for the majority. Cf. Loeb Classical Library, Herodotus, II, Books III-IV, translated by A.D. Godley, pp.107 ss.
6 Para uma análise antiga, mas cheia de informações sobre a tirania, cf. P. N. Ure : The Origin of Tyranny (Cambridge University Press, 1922).
7 Sigo as análises de Raymond Weil, citadas. “If we could all agree on what is “fair” and what is “wise” There would be nothing for men to argue and debate about. “Fairness” or “equality” are not things, they are simply words . Because we have a word for it, that does not prove a thing exists. I shall speak frankly, mother, and hold nothing back. I would climb the star-studded vault of heaven,Or descend to the black pit of hell, if I could do just this:Possess total power. Power to me’ s a goddess, tall, and beautiful and out of reach. She’s what I want, mother, and I can’t bear To think of handing her on to someone else. I want to keep her for myself. I would not be a man, if I threw away The greater share to take the lesser. I should look a fool if this man got what he wanted By marching in with his army and laying waste my land.It would be a disgrace to Thebes to surrender to fear,And hand the sceptre that is mine to a terrorist to wield.He must not be allowed to influence Our conference by threats of violence:Words kill quarrels, not swords and blood.If he just wants to live here in Thebes – that’s fine. But if he wants my power, there is no way I’ll let my mistress go without a fight. When I can be master, why should I be his slave?Let’s have the flames, let’s have the clash of steel, Yoke up the horses, let chariots crowd the plain: I shall not give my royal power to him! Most men have many vices: I have one -I worship Power. Wrong in her defence I don’t call wrong at all. Outra tradução inglesa: “If all were at one in their ideas of honor and wisdom, there would be no strife to make men disagree; but, as it is, fairness and equality have no existence in this world beyond the name; there is really no such thing. I will tell you this, mother, without any concealment: I would go to the rising of the stars and the sun, or beneath the earth, if I were able so to do, to win Tyranny, the greatest of the gods. Therefore, mother, I will not yield this blessing to another rather than keep it for myself; for it is cowardly to lose the greater and to win the less. Besides, I am ashamed to think that he should gain his object by coming with arms and ravaging the land; for this would be a disgrace to Thebes, if I should yield my scepter up to him for fear of Mycenaean might. He ought not to have attempted reconcilement by armed force, mother, for words accomplish everything that even the sword of an enemy might effect. Still, if on any other terms he cares to dwell here, he may; but that I shall never willingly let go. Shall I become his slave, when I can rule? Therefore come fire, come sword! Harness your horses, fill the plains with chariots, for I will not give up my tyranny to him. For if we must do wrong, to do so for tyranny is the fairest cause, but in all else piety should be our aim.”
8 Trata-se de um espanto diante da maravilha diametralmente oposto ao da natureza filosófica, tal como pensada por Platão no Teeteto: “Theodorus seems to be a pretty good guesser about your nature. For this feeling of wonder shows that you are a philosopher, since wonder is the only beginning of philosophy, and he who said that Iris was the child of Thaumas1 made a good genealogy. Hes. Theog. 750. Iris is the messenger of heaven, and Plato interprets the name of her father as “Wonder” e na República 5, 475c.
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10 Jean-Jacques Rousseau, Revêries du promeneur solitaire, VIème Revêrie : Si ma figure et mes traits étaient aussi parfaitement inconnus aux hommes que le sont mon caractère et mon naturel, je vivrais encore sans peine au milieu d’eux; leur société même pourrait me plaire tant que je leur serais parfaitement étranger. Livré sans contrainte à mes inclinations naturelles, je les aimerais encore s’ils ne s’occupaient jamais de moi. J’exercerais sur eux une bienveillance universelle et parfaitement désintéressée: mais sans former jamais d’attachement particulier, et sans porter le joug d’aucun devoir, je ferais envers eux librement et de moi-même, tout ce qu’ils ont tant de peine à faire incités par leur amour-propre et contraints par toutes leurs lois. Si j’étais resté libre, obscur, isolé, comme j’étais fait pour l’être, je n’aurais fait que du bien: car je n’ai dans le coeur le germe d’aucune passion nuisible. Si j’eusse été invisible et tout-puissant comme Dieu, j’aurais été bienfaisant et bon comme lui. C’est la force et la liberté qui font les excellents hommes. La faiblesse et l’esclavage n’ont fait jamais que des méchants. Si j’eusse été possesseur de l’anneau de Gygès, il m’eût tiré de la dépendance des hommes et les eût mis dans la mienne. Je me suis souvent demandé, dans mes châteaux en Espagne, quel usage j’aurais fait de cet anneau; car c’est bien là que la tentation d’abuser doit être près du pouvoir. Maître de contenter mes désirs, pouvant tout sans pouvoir être trompé par personne, qu’aurais-je pu désirer avec quelque suite? Une seule chose: c’eût été de voir tous les coeurs contents. L’aspect de la félicité publique eût pu seul toucher mon coeur d’un sentiment permanent, et l’ardent désir d’y concourir eût été ma plus constante passion. Toujours juste sans partialité et toujours bon sans faiblesse, je me serais également garanti des méfiances aveugles et des haines implacables; parce que, voyant les hommes tels qu’ils sont et lisant aisément au fond de leurs coeurs, j’en aurais peu trouvé d’assez aimables pour mériter toutes mes affections, peu d’assez odieux pour mériter toute ma haine, et que leur méchanceté même m’eût disposé à les plaindre par la connaissance certaine du mal qu’ils se font à eux-mêmes en voulant en faire à autrui. Peut-être aurais-je eu dans des moments de gaieté l’enfantillage d’opérer quelquefois des prodiges: mais parfaitement désintéressé pour moi-même et n’ayant pour loi que mes inclinations naturelles, sur quelques actes de justice sévère j’en aurais fait mille de clémence et d’équité. Ministre de la Providence et dispensateur de ses lois selon mon pouvoir, j’aurais fait des miracles plus sages et plus utiles que ceux de la légende dorée et du tombeau de saint Médard.Il n’y a qu’un seul point sur lequel la faculté de pénétrer partout invisible m’eût pu faire chercher des tentations auxquelles j’aurais mal résisté, et une fois entré dans ces voies d’égarement où n’eussé-je point été conduit par elles? Ce serait bien mal connaître la nature et moi-même que de me flatter que ces facilités ne m’auraient point séduit, ou que la raison m’aurait arrêté dans cette fatale pente. Sûr de moi sur tout autre article, j’étais perdu par celui-là seul. Celui que sa puissance met au-dessus de l’homme doit être au-dessus des faiblesses de l’humanité, sans quoi cet excès de force ne servira qu’à le mettre en effet au-dessous des autres et de ce qu’il eût été lui-même s’il fût resté leur égal.Tout bien considéré, je crois que je ferai mieux de jeter mon anneau magique avant qu’il m’ait fait faire quelque sottise. Si les hommes s’obstinent à me voir tout autre que je ne suis et que mon aspect irrite leur injustice, pour leur ôter cette vue il faut les fuir, mais non pas m’éclipser au milieu d’eux. C’est à eux de se cacher devant moi, de me dérober leurs manoeuvres, de fuir la lumière du jour, de s’enfoncer en terre comme des taupes. Pour moi qu’ils me voient s’ils peuvent, tant mieux, mais cela leur est impossible; ils ne verront jamais à ma place que le Jean-Jacques qu’ils se sont fait et qu’ils ont fait selon leur coeur, pour le haïr à leur aise. J’aurais donc tort de m’affecter de la façon dont ils me voient: je n’y dois prendre aucun intérêt véritable, car ce n’est pas moi qu’ils voient ainsi.Le résultat que je puis tirer de toutes ces réflexions est que je n’ai jamais été vraiment propre à la société civile où tout est gêne, obligation, devoir, et que mon naturel indépendant me rendit toujours incapable des assujettissements nécessaires à qui veut vivre avec les hommes. Tant que j’agis librement je suis bon et je ne fais que du bien; mais sitôt que je sens le joug, soit de la nécessité soit des hommes, je deviens rebelle ou plutôt rétif, alors je suis nul. Lorsqu’il faut faire le contraire de ma volonté, je ne le fais point, quoi qu’il arrive; je ne fais pas non plus ma volonté même, parce que je suis faible. Je m’abstiens d’agir: car toute ma faiblesse est pour l’action, toute ma force est négative, et tous mes péchés sont d’omission, rarement de commission. Je n’ai jamais cru que la liberté de l’homme consistât à faire ce qu’il veut, mais bien à ne jamais faire ce qu’il ne veut pas, et voilà celle que j’ai toujours réclamée, souvent conservée, et par qui j’ai été le plus en scandale à mes contemporains. Car pour eux, actifs, remuants, ambitieux, détestant la liberté dans les autres et n’en voulant point pour eux-mêmes, pourvu qu’ils fassent quelquefois leur volonté, ou plutôt qu’ils dominent celle d’autrui, ils se gênent toute leur vie à faire ce qui leur répugne et n’omettent rien de servile pour commander. Leur tort n’a donc pas été de m’écarter de la société comme un membre inutile, mais de m’en proscrire comme un membre pernicieux: car j’ai très peu fait de bien, je l’avoue, mais pour du mal, il n’en est entré dans ma volonté de ma vie, et je doute qu’il y ait aucun homme au monde qui en ait réellement moins fait que moi.” Gallica, coleção Bibliopolis http://www.bibliopolis.fr
11 Em toda a sequência, até aviso em contrário, as considerações redigidas aqui vêm do clássico livro de Roland Mousnier: L´ assassinat d´ Henry IV. Le problème du tyrannicide et l ´affermissement de la monarchie absolue (Paris, Gallimard, 1964). As fontes históricas são tratadas naquele escrito com mão de mestre, bem como a sua leitura no mundo europeu, em especial no século 17 francês. Ampliei a citação de fontes, não incluídas por Mousnier, para deixar mais evidente o problema do tiranicídio nos exercícios filosóficos.
12 “Não tem o povo o hábito invariável de pôr à sua testa um homem cujo poder ele nutre e torna maior? É de seu hábito, concordou. É portanto evidente que, onde quer que o tirano medre, é na raiz deste protetor e não alhures que ele se entronca. É absolutamente evidente. Mas onde começa a transformação do protetor em tirano ? Não é, evidentemente, quando se põe a fazer o que é relatado na fábula do templo de Zeus Liceu, na Arcádia? O que diz a fábula? indagou. Que aquele que provou entranhas humanas, cortadas em postas junto com as de outra vitimas, é inevitavelmente transmudado em lobo. Não ouviste contá-la ? Sim. Do mesmo modo, quando o chefe do povo, seguro da obediência absoluta da multidão, não sabe abster-se do sangue dos homens de sua própria tribo, mas, acusando-os injustamente, conforme o processo favorito dos de sua igualha, e arrastando-os perante os tribunais, se mancha de crimes mandando tirar-lhes a vida, quando, com lingua e boca ímpias, prova o sangue de sua raça, exila e mata acenando com a supressão das dívidas e uma nova partilha das terras, então, não deverá um tal homem necessariamente, e como que por uma lei do destino, perecer pela mão de seus inimigos, ou tornar-se tirano, e de homem transformar-se em lobo?” (A República, 8, 565 c – 566 a). Cito na tradução de J. Guinsburg (São Paulo, Perspectiva, 2006), pp. 332-333.
13 “A corrupção da realeza é a tirania. Ambas são governos monárquicos, mas diferem profundamente. O tirano visa apenas seu interesse pessoal e o rei se preocupa com o de seus dirigidos …o tirano só busca o seu próprio bem. Sem dúvida, a tirania é o pior dentre os governos. Da monarquia se desliza para tirania, corrupção da monarquia, e um rei péssimo se transforma em tirano” (Etica a Nicômaco, 8, 10). A realeza se fundamenta no consentimento dos governados e na lei. A tirania é um desvio dessa prática. “A tirania é monarquia absoluta que, sem responsabilidade e só no interesse do tirano, governa homens que valem tanto ou mais do que ele, esta monarquia nunca se ocupa com os interesses particulares dos governados. Assim, ela existe apesar deles, pois não existe um só homem livre que suporte voluntariamente tal poder”. (Política, 6, 3 e 6, 2). Cf. Aristotle Politics Loeb Classical Library, Volume XXI, trad- Rackham, H. (Cambridge, Harvard University Press, 1990) pp. 324 e ss.
14 “Omnium autem rerum nec aptius est quicquam ad opes tuendas ac tenendas quam diligi nec alienius quam timeri. Praeclare enim Ennius ‘Quem metuunt oderunt; quem quisque odit, perisse expetit’. Multorum autem odiis nullas opes posse obsistere, si antea fuit ignotum, nuper est cognitum. Nec vero huius tyranni solum, quem armis oppressa pertulit civitas ac paret cum maxime mortuo interitus declarat, quantum odium hominum valeat ad pestem, sed reliquorum similes exitus tyrannorum, quorum haud fere quisquam talem interitum effugit. Malus enim est custos diuturnitatis metus contraque benivolentia fidelis vel ad perpetuitatem. Sed iis, qui vi oppressos imperio coercent, sit sane adhibenda saevitia, ut eris in famulos, si aliter teneri non possunt; qui vero in libera civitate ita se instruunt, ut metuantur, iis nihil potest esse dementius. .” De officiis, II, 7, 23-26. Segue a tradução mais ampla do trecho, feita por Walter Miller : “Whom they fear they hate. And whom one hates, one hopes to see him dead.” And we recently discovered, if it was not known before, that no amount of power can withstand the hatred of the many. The death of this tyrant whose yoke the state endured under the constraint of armed force and whom it still obeys more humbly than ever, though he is dead, illustrates the deadly effects of popular hatred; and the same lesson is taught by the similar fate of all other despots, of whom practically no one has ever escaped such a death. For fear is but a poor safeguard of lasting power; while affection, on the other hand, may be trusted to keep it safe for ever. But those who keep subjects in cheek by force would of course have to employ severity — masters, for example, toward their servants, when these cannot be held in control in any other way. But those who in a free state deliberately put themselves in a position to be feared are the maddest of the mad. For let the laws be never so much overborne by some one individual’s power, let the spirit of freedom be never so intimidated, still sooner or later they assert themselves either through unvoiced public sentiment, or through secret ballots disposing of some high office of state. Freedom suppressed and again regained bites with keener fangs than freedom never endangered. Let us, then, embrace this policy, which appeals to every heart and is the strongest support not only of security but also of influence and power — namely, to banish fear and cleave to love. And thus we shall most easily secure success both in private and in public life. Furthermore, those who wish to be feared must inevitably be afraid of those whom they intimidate. What, for instance, shall we think of the elder Dionysius? With what tormenting fears he used to be racked! For through fear of the barber’s razor he used to have his hair singed off with a glowing coal. In what state of mind do we fancy Alexander of Pherae lived? We read in history that he dearly loved his wife Thebe; and yet, whenever he went from the banquet hall to her in her chamber, he used to order a barbarian — one, too, tattooed like a Thracian, as the records state — to go before him with a drawn sword; and he used to send ahead some of his bodyguard to pry into the lady’s caskets and to search and see whether some weapon were not concealed in her wardrobe. Unhappy man! To think a barbarian, a branded slave, more faithful than his own wife! Nor was he mistaken. For he was murdered by her own hand, because she suspected him of infidelity. And indeed no power is strong enough to be last ing, if it labours under the weight of fear. Witness Phalaris, whose cruelty is notorious beyond that of all others. He was slain, not treacherously (like that Alexander whom I named but now), not by a few conspirators (like that tyrant of ours), but the whole population of Agrigentum rose against him with one accord. Again, did not the Macedonians abandon Demetrius and march over as one man to Pyrrhus? And again, when the Spartans exercised their supremacy tyrannically, did not practically all the allies desert them and view their disaster at Leuctra, as idle spectators? I prefer in this connection to draw my illustrations from foreign history rather than from our own. Let me add, however, that as long as the empire of the Roman People maintained itself by acts of service, not of oppression, wars were waged in the interest of our allies or to safeguard our supremacy; the end of our wars was marked by acts of clemency or by only a necessary degree of severity; the senate was a haven of refuge for kings, tribes, 27 and nations; and the highest ambition of our magistrates and generals was to defend our provinces and (27) allies with justice and honour. And so our government could be called more accurately a protectorate of the world than a dominion” Cicero De officiis, trad, Walter Miller (New York, The Macmillan Co. 1948), pp. 168 e ss.
15 “Saepe enim tempore fit, ut quod turpe plerumque haberi soleat, inveniatur non esse turpe. Exempli causa ponatur aliquid, quod pateat latius. Quod potest maius scelus quam non modo hominem, sed etiam familiarem hominem occidere? Num igitur se adstrinxit scelere, si qui tyrannum occidit quamvis familiarem? Populo quidem Romano non videtur, qui ex omnibus praeclaris factis illud pulcherrimum existimat.” De officiis, III, 4, 19.
16 De beneficiis, 7, 19. Cautela, no entanto, com tais linhas. Elas não correspondem ao pensamento do estoico Seneca. Leia-se a meditação seguinte: “Esta é uma questão usual levantada sobre Marcos Brutus : deveria ele aceitar ter sua vida poupada pelo divino Júlio quando Brutus desejou matar César ? (…) Considero que se em outras ocasiões Brutus agiu como grande homem, errou neste caso particular e não agiu segundo os princípios estoicos”. De beneficiis, ed. C. Hosius (Lipsiae: Ed. Teubner, 1900). Para uma análise do trecho, cf. M. Piccolomini (South Illinois University Press, 1991), pp. 27 e ss. Para outro comentário do problema, cf. M. T. Griffin : Seneca, a philosopher in Politics (Oxford, Clarendon Press, 1992), pp. 189 e ss.
17 A apresentação de Jó, no livro, já traz a sua marca de temente a Deus. Ele é dito θεοσεβής, reverente e temente a Deus (a versão do rei Tiago traz o termo Fear, para medo), alguém que foge do mal. A encruzilhada diante do divino e do mal é a mesma apresentada por Paulo em Romanos.
18 “O diabo na Figura do Leviatã” capítulo do livro de Tomás de Aquino sobre o livro de Jó. Cf. Job, um homme pour notre temps. De Saint Thomas d´ Aquin, exposition littérale sur le livre de Job (Paris, Tequi, 1980).
19 Apologeticum, 31, 1. Acessado em Ad Fontes Academy [http://www.thelatinlibrary.com] no dia 30/03/2008, as 11h05 AM.
20 De mulceo, verbo transitivo que significa apalpar, afagar com as mãos, acariciar, ameigar.
21 Uso a excelente tradução de M. A. Ladero, M. Garcia, T. Zamarriego : Policraticus (Madrid, Editora Nacional, 1984). Para o pensamento de Salisbury, cf. Roberto Romano:“´Lembra-te de que és homem´. Governantes e Juízes no Policraticus de Jean Salisbury”. Revista Justiça e Democracia. Número 1, Primeiro Semestre de 1996. Páginas 153-161.
22 Não há espaço, aqui, para analisar os nexos entre a idéia de comissão, ou poder comissário, nas doutrinas jurídicas medievais, tanto laicas quanto religiosas. Mas é correto pensar que a idéia de Tomás de Aquino, neste passo, está inserida no plano mais amplo do direito ligado aos poderes. Uma tarefa fascinante e arriscada, dados os problemas óbvios trazidos pelo autor, é comparar a noção de autoridade delegada, comissária, em Tomás de Aquino da exposta por Carl Schmitt no cinzento livro A ditadura. Se possível, voltarei ao ponto.
23 Cf. Trois Discours sur la condition des grands, Premier Discours.
24 De regno ad regem Cypri, in Corpus Thomisticum : http://www.corpusthomisticum.org; Cf. também Scripta super libros sententiarum II, Dist. 44, quaest. 2 43 articulus 2: “ Utrum Christiani teneantur obedire potestatibus saecularibus, et maxime tyrannis”.
25 O que segue é citação de meu artigo “A Igualdade, considerações críticas”, publicado no Foglio Spinoziano (Itália). http://www.fogliospinoziano.it/ARTICOLI.htm Na mesma home page, cf. outro texto meu, “Democracia e Direito Natural”. Os dois escritos têm como alvo discutir o pensamento de Spinoza.
26 Tal certeza foi enunciada por Jacques Maritain em Distinguer pour unir, les degrés du savoir. Cf. Roberto Romano, “Maritain filósofo dos matizes” in Corpo e Cristal, Marx romântico (RJ, Ed. Guanabara, 1987), pp. 141 e ss.
27 Estudo há bom tempo esta doutrina hierárquica. Considero os seus detalhes desde a minha tese de doutoramento sobre a Igreja e a política (Cf. R. Romano, Brasil: Igreja contra Estado, SP, Kayrós, 1979). Desde Lorenzo Valla, o estudo de Dionisio foi modificado, a partir do seu próprio nome. Com as análises filológicas de Valla, some a lenda que envolve a suposta presença de Dionisio no areópago, quando Paulo pregou aos gregos. Uso a edição dirigida por Maurice de Gandillac, Oeuvres complètes du Pseudo-Denys, l´ Aréopagite (Paris, Aubier, 1943), e também a edição magistral da Hierarquia Celeste (Cf. Roques, René, Heil, Günter, et Maurice Gandillac : Denys l ´Aréopagite, L´ Hierarchie céleste, Paris, Cerf, 1958). Para uma síntese do problema, cf. P. Tillich : A History of Christian Thought. From its Judaic and Hellenistic Origins to Existentialism (NY, Touchstone Book, 1967).
28 Ainda hoje um livro sugestivo é o escrito por Arthur O. Levejoy: The Great Chain of Being (Cambridge, Harvard University Press, 1936 e 1964). Para o assunto tratado neste ponto de minha exposição, cf. o capítulo III, “The chain of being and some internal conflicts in medieval thought”, pp. 67 e ss.
29 Um dos comentários mais belos sobre o assunto foi realizado por Erich Auerbach sobre a Divina Comédia. A unidade daquele poema que sintetiza o pensamento ético cristão, “descansa sobre o tema geral, sobre o status animarum post mortem; este deve ser, como sentença divina final, uma unidade perfeitamente ordenada, tanto como sistema teórico, quanto como realidade prática e, portanto, também como criação estética; deve representar a unidade da ordem divina de uma forma ainda mais pura e atual do que o mundo terreno, ou algo que nele acontece, pois que o Além, ainda que inacabado até o Juízo Final, não apresenta, na medida em que o faz o mundo terreno, desenvolvimento, potencialidade e provisoriedade, mas é o ato completo do plano divino. A ordem unitária do Além, assim como Dante no-la apresenta, é tangível da maneira mais imediata como sistema moral, na repartição das almas nos três reinos e suas subdivisões: o sistema segue em tudo a ética aristotélico-tomista”. Cf. “Farinata e Cavalcante” in Mimesis. A representação da Realidade na Literatura Ocidental. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1971, pp. 161-162.
30 Uma análise mais ampla desta problemática é feita por mim em trabalho já antigo : Cf. “Lux in Tenebris. Franciscanos e Dominicanos, utopia democrática”, in Lux in Tenebris. Meditações sobre Filosofia e Cultura. São Paulo, Unicamp Ed., 1987, pp. 31 e ss.
31 Scriptum super Sententiis II, Distinctio 44, questio 2, articulus 2 in Corpus thomisticum : http://www.corpusthomisticum.org/snp2044.html e também Summa theologiae IIa IIae 104: De obedientia.
32 Cf. Etica a Nicômaco V, vi. 9– vii. 3 e ss in Aristotle Loeb Classical Library, volume XIX, translated by H. Rackham p. 295 ss. “But we must not forget that the subject of our investigation is at once Justice in the absolute sense and Political Justice. Political Justice means justice as between free and (actually or proportionately) equal persons, living a common life for the purpose of satisfying their needs. Hence between people not free and equal political justice cannot exist, but only a sort of justice in a metaphorical sense. For justice can only exist between those whose mutual relations are regulated by law, and law exists among those between whom there is a possibility of injustice, for the administration of the law means the discrimination of what is just and what is unjust. Persons therefore between whom injustice can exist can act unjustly towards each other (although unjust action does not necessarily involve injustice): to act unjustly meaning to assign oneself too large a share of things generally good and too small a share of things generally evil. This is why we do not permit a man to rule, but the law, because a man rules in his own interest,and becomes a tyrant; but the function of a ruler is to be the guardian of justice, and if of justice, then of equality. A just ruler seems to make nothing out of his office; for he does not allot to himself a larger share of things generally good, unless it be proportionate to his merits; so that he labors for others, which accounts for the saying mentioned above,1 that ‘Justice is the good of others.’ Consequently some recompense has to be given him, in the shape of honor and dignity. It is those whom such rewards do not satisfy who make themselves tyrants.Cf. texto diverso no Site Perseus.
33 Física in Opere 3, trad. Antonio Russo (Bari, Laterza, 1973), p. 49.
34 Cf. B. Nicholas, An Introduction to Roman Law (Oxford, 1992) e sobretudo R. W. Dyson : Thomas Aquinas (Cambridge University Press, 2002) . Questia.
35 …regimen tyrannicum non est justum: quia non ordinatur ad bonum commune, sed ad bonum privatum regentis, ut patet per Philosophum, in tertia Polit. et in VIII Ethic. et ideo perturbatio hujus regiminis non habet rationem seditionis.
36 Cf. R. W. Carlyle and A. J. Carlyle : A History of Medieval Political Theory in the West (William Blackwood & Sons Ltd, Edinburgh and London, 1936). “For to Bartolus tyranny is not only a corrupt form of government, but it is the worst of all corrupt governments. The government of a few, or of the multitude, is corrupt when they pursue their own advantage, but it is not so far removed from a government for the common good as that of the one man. 1 We may put it in concrete terms, the Italian oligarchy or democracy was not so really corrupt and evil a thing as the Italian tyranny. Bartolus adds that the corrupt oligarchy or democracy tends to develop into a tyranny, as they had seen in their own day, for ” Italy is full of tyrants.” 2 This treatment of tyranny by Bartolus is of importance, and we must consider it not only in the ‘ De Begimine Civitatis,’ but also in another treatise, entitled ‘ De Tyranno.’ We have just seen that Bartolus derives from Egidius Colonna and Aristotle the conception of the tyrant as one who governs for his own profit and not for the good of the community. In the treatise, ‘ De Tyranno,’ he derives from S. Isidore, directly or indirectly, the description of the tyrant as that wicked king who exercises a cruel rule over his subjects ; [" Sicut enim rex, seu boni, quia ex eo quod plures sunt, ali- imperator Romanorum est Justus et quid sapit de natura communis boni. verus et universalis : ita si quis ilium Sed si unus est tyrannus otiam recedit locum vult injuste obtinere, appellatur a commuui bono. Praeterea, sicut proprie tyrannus."] from S. Gregory the Great he takes his description of the tyrant as one who governs the commonwealth but not lawfully (non jure), 4 and he applies this to the case of the King or Emperor of the Romans ; if any man seeks to obtain that place unjustly he is properly called a tyrant. 5 In another place Bartolus says : ” The tyrant may be either manifest ‘ or ‘ veiled,’ ” but, what is more important, he may be a tyrant, ” ex defectu tituli ” or ” ex parte exercitus.” The distinction is important, though it was not new ; Aquinas had pointed it out in his commentary on the ” Sentences.” . When he comes to the question of tyranny ” ex parte exercitus,” he first says in general terms that the tyrant is he who does tyrannical things that is, things directed to his own advantage and not that of the community, and then cites from a work, which he attributes to Plutarch, ‘ De Regimine Principum,’ an enumeration of such actions. What is the remedy against the tyrant. If he has a superior, it is for the superior to depose him ; but Bartolus interpolates the observation that there may be occasions when the emperor or Pope may maintain such tyrants in their position for some grave and sufficient reason. 4 In another work he seems clearly to indicate that the tyrant may rightfully be deposed, and he cites a passage from Aquinas, to which we have often referred, that it is not sedition to resist the tyrant.”
37Ad Legem Juliam Majestatis no Digesto, 48 tit. 4 s1 : “crimen illud quod adversus Populum Romanum vel adversus securitatem ejus committitur”. Cf. William Smith e outros : Dictionnary of Greek and Roman Antiquities, verbete “Majestas”( New York, Harper & Brothers, 1847), pp. 609 ss : “A frase majestas publica no Digesto equivale à majestas populi Romani. No período republicano o termo majestas laesa ou minuta era mais comumente aplicado a casos como traição geral ou render o exército ao inimigo, excitar sedições, e geralmente pela péssima conduta administrativa, que lesava a majestas do Estado.” Cf. Lauterpacht, H.(Ed.) : International Law Reports, 8 in Annual Digest and Reports of Public International Laws Cases, 1935-1937, (Cambridge University Press, 1937), pp. 88 ss : “Os Pandecta que tratam com a Lex Julia Majestatis (Dig. 48, 4), na lei I deste título, que Ulpiano define como Majestatis crimen como segue: quod adversus populum Romanum vel adversus securitatem ejus committitur. Por securitatem, diz Godofredo, seguindo os primeiros comentadores, devemos entender a segurança e tranqüilidade do Estado (…) perduellio era um ramo do crimen majestatis que cobria toda ofensa contra a dignidade, autoridade ou poder do estado. E este elemento se liga a tal ponto, porque não pode existir crimen majestatis onde a autoridade em questão não tem majestas. Perduellio só pode ser cometido contra um dirigente que possui majestas”. Perduellio é o mau guerreiro, inimigo do país em geral. Quando a palavra hostis perdeu seu sentido primitivo de “estrangeiro” ele se tornou sinônimo de perduellio, mas esta última palavra designa o inimigo interior, hostis o externo. Sob o império, o crime de lesa majestade abarcou o de perduellio. (Dic. Saglio e Daremberg, verbete Perduellio). Uma correta tradução de texto essencial de Bartolo encontra-se na página da internet dedicada aos escritos medievais cujo título é Medieval Sourcebook. Alí, pode-se ler o livro de Bartolo designado, em inglês, Treatise on City Government, c. 1330. Com esta fonte é possível deduzir o que pensa Bartolo da tirania e da maneira mais eficaz de eliminá-la. Endereço da página : http://www.fordham.edu/halsall/sbook.html
38 As acusações de feitiçaria dirigidas aos adversários políticos são comuns na época. Ainda no Ricardo 3º de Shakespeare, o tirano acusa seus oponentes reais ou imaginários de feitiçaria contra ele. Em Macbeth o jogo cênico e do destino é regido por bruxas. A bibliografia sobre bruxas é imensa. Basta citar alguns textos e nomes significativos da pesquisa acadêmica, independentemente de suas posições teóricas ou ideológicas: MARWICK, M. (org.). Witchcraft and sorcery (Middlesex, Penguin Books, 1982) e também Trevor-Roper , H.R. : The european witch – craze of the sixteenth and seventeenth centuries (Hamondsworth, Penguin, 1990).
39 Reitero que as enunciações até este passo são extraídas de Mousnier. Apenas ampliei o tema com alguns comentários ou indicação de fontes.
40 Mousnier, op. cit. pp. 70-71.
41 A. Douarche : De tyrannicidio apud scriptores XVI saeculi (Tese de Letras, Paris, 1888); Lossen, Die Lehre vom Tyrannenmord.
42 Discorsi, 3, 6. “Delle congiure”. Texto ambiguo no qual ao mesmo tempo o autor descreve os motivos e as formas, nas tentativas de tiranicídio, mas alerta contra o seu perigoso para os sediciosos. “ Un’altra cagione ci è, e grandissima, che fa gli uomini congiurare contro al principe; la quale è il desiderio di liberare la patria, stata da quello occupata. Questa cagione mosse Bruto e Cassio contro a Cesare; questa ha mosso molti altri contro a’ Falari, Dionisii, ed altri occupatori della patria loro. Né può, da questo omore, alcuno tiranno guardarsi, se non con diporre la tirannide. E perché non si truova alcuno che faccia questo, si truova pochi che non capitino male; donde nacque quel verso di Iuvenale :Ad generum cereris sine caede et vulnere pauci descendunt reges, et sicca morte tiranni (Satirae, 10, 112-113: ”A morada de Ceres (Plutão) são poucos os reis que descem sem feridas mortais, ou os tiranos por morte incruenta”. Cf. Niccolò Machiavelli Discorsi sopra la prima decada di Tito Livio, in Il Principe e Discorsi (Milano, Feltrinelli, 1973), pp. 390 ss.
43 Adagia, chiliadis primae, centuria secunda.
44 Uso a tradução de Lester K. Born : The Education of a Christian Prince (New York, Columbia University Press, 1936), pp. 162 ss. Erasmo encontra boa parte de sua inspiração no pequeno escrito de Plutarco, Ad principem ineruditum (Para um principe sem erudição).in Loeb Classical Library, Plutarch´ s Moralia, X, trad. H.N. Fowler, pp. 52 ss.
45 Ver Contra Henricum regem Angliae. trad. E. S. Buchanan (New York, Charles A. Swift, 1928).
46 Institution de la religion chrétienne, livro IV, cap. 20, “Du gouvernement civil”. Jean Daniel Benoît ed., (Paris, Vrin, 1957).
47 Du droit des magistrats sur leurs subiets. Traité tres necessaire en ce temps pour aduertir de leur deuoir, tant les Magistrats que les Subiets : publié par ceux de Magdebourg l ´an M.D.L & maintenant reueu & augmenté de plusieurs raisons & exemples. 1575. (Paris, Editions D´ Histoire Sociale, 1977). Fac similar.
48 O termo é dos mais difíceis de serem traduzidos para a nossa lingua. É possível encontrar em traduções de filmes, reportagens e mesmo em livros acadêmicos a palavra “oficial” para explicar a palavra inglêsa e francesa. A palavra “funcionário” seria a mais adequada, mas ela obnubila os matizes hierárquicos do termo, no Estado e na Igreja. No caso, o texto fala com clareza de funcionários de alta situação, não de subordinados. A magistratura maior é a do rei, mas ele pode ser pensado como “primeiro entre os iguais”. Max Weber é uma rica fonte teórica e histórica para o exame desse passo.
49 Cf. Gierke, Otto : Natural law and the theory of society 1500 to 1800 (Boston, Beacon Hill, Beacon Press, 1960), pp. 70 ss.
50 Uso aqui a tradução brasileira, infelizmente não integral :Joahnnes Althusius, Política (Rio, Topbooks, 2003), pp. 349 ss.
51 “…quando a força manifesta é utilizada pelo magistrado contra pessoas privadas, é permitido que elas defendam suas vidas pela resistência, pois, nesse caso, as leis que constituem os reis e o direito natural (jus naturale) armam essas pessoas contra o magistrado que usa a força contra a vida”. Ed. brasileira citada, p. 356.
52 Sigo literalmente o ainda hoje instigante exame de Althusius, feito por Otto Gierke, no clássico Johannes Althusius und die Entwicklung der naturrechtlichen Staatstheorien. Uso a tradução italiana : Giovanni Althusius e lo sviluppo storico delle teorie politiche giusnaturalistiche, contributo alla storia della sistematica del diritto (Torino, Einaudi, 1974). O livro inteiro é útil para o estudo dos monarcômacos.
53 George Buchanan, De Maria Scotorum regina, totaque eius contra regem coniuratione, foedo cum Bothuelio adulterio, nefaria in maritum crudelitate & rabie, horrendo insuper & deterrimo eiusdem parricidio: plena, & tragica planè historia. [By George Buchanan] (Actio contra Mariam Scotorum reginam … [By Thomas Wilson] – Literae reginae Scot. ad comitem Bothuelium scriptae). [London] : [publicado por John Day], [1571] e George Buchanan, Ane detectioun of the du*inges of Marie Quene of Scottes, touchand the murder of hir husband, and hir conspiracie, adulterie, and pretended mariage with the Erle of Bothwell. And ane defence of the trew lordis, mainteineris of the Kingis graces ctioun [sic] and authaoritie [sic]. Translated out of the latine quhilke was written by G.B. [i.e. George Buchanan]. [London] : [John Day], [1571].
54 As notas seguintes são extraídas do excelente trabalho, já antigo mas importante em nossos dias, de Paul Mesnard : L´ Essor de la Philosophie Politique au XVIe Siècle (Paris, Vrin, 1977), pp. 355 ss.
55 A tese de que o catolicismo político e jurídico ajudou poderosamente a formação moderna da ordem democrática é algo que merece reflexões. Como diz um comentador do assunto, “The first great influence of the church for democracy, which in general was spread over the three centuries after Christ, had been the teachings of the early Christians in the face of persecution. How antagonistic these teachings were to the Roman Empire may be gathered from a review of the systematic persecution of those who placed obedience to God before the law of Rome. Such persecution had resulted only in the quickened absorption of Christian principles throughout the Roman world, and it would be difficult to overvalue such spread of Christianity as the seed from which future democratic government was to grow. But even after the identification of the Church with the Empire, and the acquisition of temporal power by the Church itself, whereby it became in part responsible for the obedience of its members to the state, the Catholic Church made its second great contribution to the growth of democratic ideas, i.e., the political pholosophy of individual teachers who remained within the fold of the Church. The support which Iraeneus, Tertullian, Ambrose, Gratian, Chrysostom, Lactantius, and Isidore of Seville gave to the Stoic conception of natural law, the vigor with which Thomas Aquinas, Suarez, and Bellarmine defended the power of the people to depose a king, and the influence of Ivo of Chartres and his successors in rationalizing English civil law,–all these forces did service to the cause of democratic development which can hardly be calculated. Milton frequently refers to the church fathers as authorities for his republican principles. If, as Gooch and Borgeaud say, democracy is the child of the Reformation, not of the comparatively conservative reformers, she is the great grandchild of primitive Christianity, and the grandchild of the great Catholic political thinkers.” Don M. Wolfe : Milton in the Puritan Revolution (Thomas Nelson and Sons, 1941), p. 9.
56 George Buchanan, De iure regni apud Scotos, dialogus, authore Georgio Buchanano Scoto. [Edinburgh] : [Publicado por John Ross], 1579.
57 O Rei, segundo Tiago 1º é “ a manner or resemblance of Diuine power vpon earth,” ele pode, à similitude divina “make and vnmake their subiects: they haue power of raising, and casting downe: of life, and of death …. They haue power to exalt low things, and abase high things, and make of their subiects like men at the Chesse: a pawne to take a Bishop or a Knight, and to cry vp, or downe any of their subiects, as they do their money. . . . For to Emperors, or Kings that are Monarches, their Subiects bodies & goods are due for their defence and maintenance. . . . Now a Father may dispose of his Inheritance to his children, at his pleasure: yea, euen disinherite the eldest vpon iust occasions, and preferre the youngest, according to his liking; make them beggars, or rich at his pleasure; restraine, or banish out of his presence, as h *ee findes them giue cause of offence, or restore them in fauour againe with the penitent sinner: So may the King deale with his Subiects.” Speech in Parliament, 1609-10. Charles Howard McIlwain cita a passagem na sua Introdução às Obras de Tiago 1º, editadas eletrônicamente no Perseus Project. Cf. também The workes of the most high and mightie prince, Iames by the grace of God, King of Great Britaine, France and Ireland, Defender of the Faith, &c. Published by Iames [Montagu], Bishop of Winton, and Deane of His Maiesties Chappel Royall (London, Robert Barker and John Bill, 1616).
58 Cf. Wootton, D. (Ed.) : Divine right and Democracy, (Penguin, 1986) (com o texto do Killing No Murder); Coward, B. . Oliver Cromwell (Longman, 2000); Brailsford, H.N. : The Levellers and the English Revolution (Spokesman Books, 1976).
59 Theodore Calvin Pease: “Debate in the Council of the Army on the Agreement of the people” in The Leveller Movement: A Study in the History and Political Theory of the English Great Civil War (American Historical Association, 1916). p. 227 ss. Também W. Schenk : The Concern for Social Justice in the Puritan Revolution (Longmans, Green and Co., 1948), p. 72 ss.
60 Uso o texto original inglês publicado no livro de Olivier Lutaud: Des Révolutions d´ Angleterre à la Révolution Française. Le tyrannicide & Killing no Murder (Cromwell, Athalie, Bonaparte), (Haia, Martinus Nijhoff, 1973), pp. 374 ss. Há no mesmo volume, uma tradução francesa da época.
61 Otto Gierke : Giovanni Althusius…ed. cit. p. 234 ss.
62 Vem de praeire e significa o chefe que marcha à frente do exército. Primitivamente a palavra designa o consul e mesmo o ditador (praetor maximus). Cf. Dicionário Saglio, verbete Praetor, p. 628.
 
 63 Cf. para a continuidade de choques semelhantes até os dias de hoje, no Estado democrático, o belo texto de Norberto Bobbio, “A Praça e o Palácio” in L’ Utopia capovolta.

64 Nome retomado por um autor de famoso manifesto contra a tirania, o livro Vindiciae contra tyrannos (1660) “The Vindiciae deals directly with the four great questions of the time. Are subjects bound to obey princes if they command that which is contrary to the law of God? Is it lawful to resist a prince who infringes the law of God, and ruins the Church, and, if so, who ought to resist him, by what means, and how far should resistance extend? Is it lawful to resist a prince who ruins the state, and, if so, to whom should the organisation of resistance, its means and limits, be confided? Are neighbouring princes bound by law to help the subjects of princes who afflict them either for the cause of religion or in the practice of tyranny? To the first question, the Vindiciae responds in the negative. It is clear from the authority of Scripture and the example of the martyrs that the commands of God merit obedience before any orders from an earthly prince. Nor is this situation altered by the fact that princes claim to rule by divine right. The earth is the possession of the Lord, and Kings reign only by his will; one must then obey them only to the degree that they obey the commands of their master. The King is a vassal like any other vassal; he is, therefore, bound by a contract. Should he break its terms, diffidatio ensues, as it would in any other case. The establishment of Kingship, in fact, clearly involves a double contract. There is a contract between God, on the one hand, and the King upon the other; there is a contract also between the King and the people. Clearly again, therefore, whatever binds the King binds the people also; and should the King fail in his duty, the people must not -forget its obligations. To obey its earthly master in preference to obedience from God is to invoke the punishment of heaven. For when men fail to obey the laws of God they are expelling him from his Kingdom. The King is instituted only to secure the better observance of those laws, and, when he fails, his sin ought not to involve popular acquiescence. That, indeed, is the true rebellion. It is as though men obeyed an officer rather than the express ordinance of the King himself. When subjects refuse to give their conscience into evil keeping, they obey the true source of right. For there are, as Cicero said, degrees of duty, of which the highest belongs to God, and the second only to one’s country; just as in the civil law treason, though it be a heinous crime, is inferior in wickedness to wrongdoing. Nor do the Apostles write otherwise. It is one thing to refuse obedience to a command which infringes the will of God. Whether one ought to organise resistance to a prince who seeks to infringe it and attack the Church seems, at first sight, a more difficult and complex question. Harold J. Laski:Vindiciae contra Tyrannos,Historical Introduction, in http://www.constitution.org/vct/vind_laski.htm