sábado, 8 de dezembro de 2012

Contas Abertas, 08/12/2012


08/12/2012
Brasil ainda está longe de ser eficaz no combate à corrupção, afirma especialista
Dyelle Menezes
Do Contas Abertas
Operação Monte Carlo, CPI do Cachoeira, julgamento do Mensalão e Operação Porto Seguro. Carlinhos Cachoeira, Demóstenes Torres, José Dirceu e Rosemary Noronha. Esses foram os nomes e temas mais comentados em 2012. A verdade é que o Brasil não tem muito o que comemorar neste domingo (9), quando é celebrado o Dia Internacional Contra a Corrupção. A data marca a assinatura da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. 
Em razão da data, o professor de ética e filosofia da Universidade Estadual de Campinas, Roberto Romano, concedeu entrevista ao Contas Abertas. Romano afirmou que o Brasil ainda não conseguiu vencer o antigo regime absolutista dentro do qual foi descoberto e que, apesar dos avanços, ainda está longe de ser eficaz no combate à corrupção.
Confira a entrevista completa:
Contas Abertas (CA) - O senhor poderia citar qual é, na sua opinião, a principal raiz da corrupção brasileira?
Roberto Romano (RR) – O Brasil já surgiu sob o signo do poder absoluto dos reis que definia o estado moderno na Europa. A prática era empregada no sentido de conseguir o controle completo do país. Para isso, o rei precisava cooptar os nobres, a Igreja e todas as camadas mais poderosas da sociedade, distribuindo cargos, privilégios e criando leis favoráveis. O princípio do absolutismo, então, está na diferença entre quem é poderoso e o terceiro estado, sem direito algum. Esse sistema é considerado o mais corrupto da história da humanidade. O Brasil, porém, até hoje vive sob esse costume do favor, do clientelismo e da compra de apoio. A nossa ética, o nosso modo de ser, passa necessariamente por tudo isso. Ainda não vencemos o antigo regime na sociedade e no Estado. 
CA – Como os países europeus conseguiram superar esse sistema de troca de favores?
RR - No século XVII, na Inglaterra, ocorreu a primeira revolução democrática contra esse poder. A partir disso, foi retomada a prática da democracia grega, onde os governantes prestavam contas pelos recursos econômicos e humanos que o Estado colocava nas mãos deles. Surgiu nesse momento o famoso princípio da “accountability”: o governante em qualquer posto tem que prestar contas ao povo. Em resumo, o que a revolução inglesa originou foi a transferência dos poderes do rei absoluto para o Parlamento. O Brasil, no entanto, nunca passou por essa revolução democrática. Quando tivemos a primeira Carta do império, em 1824, o imperador foi declarado “irresponsável”, ou seja, ele não tinha que responder diante de ninguém.
CA - Como o senhor avalia o papel do Legislativo no combate à corrupção nos últimos anos?
 
RR - O Parlamento sempre existiu para fiscalizar o Poder Executivo. Se a República segue esse princípio, então tem “accountability”. Como nunca passou pela revolução democrática, o Congresso Nacional brasileiro está longe de assumir a função de fiscalização e controle. Ao contrário, é, muitas vezes, cooptado à maneira do antigo regime por cargos e verbas. 
Os senadores e deputados se julgam superiores ao povo comum. Não aceitam ser julgados por juízes de primeira instância, exigem a prerrogativa de foro privilegiado, não pagam o próprio imposto de renda, se dão de presente o décimo quarto e décimo quinto salários. 
Os parlamentares se autodenominam “excelência”, esquecendo-se que pela constituição democrática e republicana, o termo é utilizado para o povo. Quando há privilégios considerados normais, evidentemente, utilizar recursos públicos em prol de fins privados não parece errado.
CA - Tendo em vista que foi aprovada a lei da Ficha Limpa e a lei que amplia o combate à lavagem de dinheiro, o senhor acredita que evoluímos?
RR - Isso indica que estamos trilhando uma boa estrada e nos preparando para ter uma cidadania que exige mais e que faz deputados e senadores cobrarem do Executivo. Melhoramos, como demonstrou o ranking da Transparência Internacional (veja matéria). Mesmo poucos, os pontos que ganhamos significam muita coisa em relação ao passado.
Mas ainda é pouco por que o Congresso é só um coadjuvante e não um Poder independente no Brasil. Isso fica explícito, por exemplo, na grande necessidade dos presidentes em compor a base parlamentar de apoio, o que garante a grande hegemonia do Poder Executivo sobre o Legislativo, tirando deste a capacidade de fiscalização. Ou na dificuldade da oposição em criar uma CPI que chegue a bons resultados.
CA - No Brasil, a corrupção sempre esteve muito associada à impunidade. Assim, o que a condenação dos mensaleiros representa? É uma nova era?
 
RR - Acredito que sim. Mas é preciso muita prudência nesse caminho. A composição do Supremo Tribunal Federal varia constantemente e a maneira de indicar os ocupantes é a mais desastrosa e antiética possível. Nos EUA, por exemplo, o Senado Federal tem um papel forte e tem vetado muitas indicações do Executivo. No caso brasileiro, em vez de ser um contrapeso forte, há uma cooptação vergonhosa. Não são realizados exames rigorosos dos candidatos, que têm a certeza de que já ganharam, em razão de meios obscuros. O ministro Luiz Fux afirmar que pediu apoio ao José Dirceu é assustador. O que isso significa é que um magistrado pediu ajuda para um réu. 
CA - Qual a importância do Ministério Público no combate à corrupção? Há estrutura suficiente?
RR - Um dos elementos fundamentais da Constituição de 1988 é a doutrina da autonomia. A Constituição é clara e garantiu ao MP trabalhar no sentido de perseguir a corrupção. E ele tem cumprido muito bem esse papel.
Contudo, obstáculos surgem a cada momento, como a prerrogativa de foro, por exemplo. Na Itália e na França, uma vez tendo sido feita pela polícia uma investigação, e sendo indiciados até mesmo ex-presidentes da República, o MP denuncia e a pessoa precisa responder. No Brasil é extremamente difícil instaurar processo contra político, o que facilita a impunidade. Investigar é preciso. 
CA - Como o senhor analisa o trabalho de órgãos fiscalizadores, como a Controladoria-Geral da União (CGU)?
RR - Na medida do possível, a CGU tem realizado um bom trabalho. Porque são muitos municípios, e a quantidade de fiscais da Controladoria não é suficiente para cobrir toda essa rede. No meu entender, a corrupção possui dois aspectos cronológicos. O primeiro é diacrônico, ou seja, um escândalo vem depois do outro, às vezes aceleradamente. Contudo, isso nos distrai quanto ao outro aspecto, que é a sincronia: no mesmo momento que um escândalo está sendo julgado tem diversos outros ocorrendo. As irregularidades precisam ser entendidas como um sistema. A CGU não consegue tomar conta de tudo isso. O trabalho é correto, porém, insuficiente. É preciso considerar também que, aumentando o número de fiscais, o órgão poderia se transformar em uma polícia paralela e não podemos esquecer que ela está sob a tutela do Executivo.
CA - E o Tribunal de Contas da União (TCU)?
RR - O TCU vive o drama de todos os tribunais de contas do Brasil, que são simplesmente cadeiras onde os favores são trocados. Os ministros são indicados segundo a hegemonia política no Congresso e no Executivo. O que vemos são indicações políticas no exame das contas públicas. Se quisermos a democratização e a maior fiscalização, é necessário entender que o TCU deve trabalhar para o Poder Legislativo.
CA - Qual a importância do controle social realizado pela sociedade civil no combate à corrupção?
RR - O processo de educação da cidadania é um trabalho de formiguinha. A construção da cidadania crítica é muito difícil no Brasil porque somos marcados pela outra face da moeda ética. Nós tivemos picos de melhorias nesse padrão, que resultou no movimento para aprovação da Lei da Ficha Limpa. Contudo, precisamos fazer com que esse movimento seja ininterrupto para que o controle social e a fiscalização por parte da sociedade possam se tornar efetivos, e mais importante, participativos.
CA - A imprensa é sempre um ator importante em questões éticas quando o problema ocorre na esfera governamental. Qual o balanço da atuação da mídia nesse quesito em 2012?
RR - A imprensa cumpriu muito bem o seu papel, mas sinto falta de maior autonomia em relação à Polícia Federal, ao Ministério Público e aos partidos políticos. O jornalismo investigativo brasileiro precisa retomar a força e o vigor. A imprensa está muita pautada pelos mecanismos de poder. Porém, tudo o que veio a público foi fundamental e é notório que os ímprobos em geral têm ódio e tentam diminuir a liberdade de imprensa.
CA - O que precisa ser feito para que a ética prevaleça dentro das instituições públicas?
RR - É muito difícil. Temos seguido o caminho correto, no sentido de exigir leis que norteiem novas formas de compromisso com a cidadania por parte de quem opera o Estado. A Ficha Limpa foi muito importante, mas devemos partir para outras pautas complementares, como a exigência do fim da prerrogativa de foro para os políticos e a regulamentação do lobby, que está no Congresso Nacional há muito tempo, mas não tem projetos de lei aprovados. A ausência da regulamentação do lobby, por exemplo, transforma nossos políticos em lobistas. Com a regulamentação eles vão precisar escolher: ou são lobistas ou políticos.

Transparência Internacional, Entrevista de Roberto Romano à Globonews, Jornal das Dez da manhã, 5/12/2012



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