terça-feira, 18 de setembro de 2012

Do amigo Alvaro Caputo.

HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 18/09


SÃO PAULO - A sensação de "déjà-vu" é inescapável. No início de 2006, 

foram os protestos que se seguiram à publicação, por um jornal dinamarquês, 
de charges ridicularizando o profeta Maomé. Cem mortos.

Alguns meses depois, muçulmanos foram às ruas para pedir a cabeça do 
papa Bento 16, por ter supostamente afirmado que o islã era uma religião 
violenta. Ao menos uma freira foi assassinada. Agora, os tumultos têm como 
pretexto um obscuro filme anti-islâmico postado no YouTube. É cedo para 
contabilizar os mortos.

Não sou um especialista em exegese corânica, mas não creio que possamos atribuir a, 
vá lá, veemência islâmica a especificidades de seu texto sagrado. O Antigo Testamento, 
que é canônico para judeus e cristãos, traz injunções tão ou mais violentas do que o 
Corão. Quem duvida pode consultar o Deuteronômio, 13:7-11, onde somos instados 
a apedrejar nossos familiares que tenham se afastado de Iahweh.

A diferença entre o islã e o Ocidente, creio, está no fato de que, por aqui, passamos 
por um processo de secularização que teve início no Iluminismo e afastou a maioria 
dos fiéis de interpretações literais da Bíblia. Os muçulmanos estariam apenas no 
início dessa jornada, que, na melhor das hipóteses, ainda levará décadas.

Se há um problema mais propriamente teológico, ele é comum às três religiões 
abraâmicas e reside no fato de elas se pretenderem universais e fundadas numa 
verdade revelada pelo próprio Deus. Assim, se os cristãos estão certos, judeus e 
muçulmanos estão necessariamente em apuros e vice-versa duas vezes.

Sob esse aspecto, éramos mais felizes nos tempos do politeísmo, cujos deuses 
não eram tão exclusivistas nem ciumentos. Gregos, romanos e acádios podiam 
passar boas horas bebendo e apontando as semelhanças entre Afrodite, Vênus 
e Ishtar. É verdade que isso não os impedia de se matar logo depois, mas pelo
 menos não era por causa da religião.