domingo, 19 de agosto de 2012

Um texto para ler, pensar e pensar, e depois agir.

O PROIFES e a greve nas Universidades Federais

5 de agosto de 2012  
Categoria: Brasil
A greve vem colocando em cena o choque frontal de dois modelos sindicaisPor João Alberto da Costa Pinto [*]
Com o processo de contratações dos últimos anos, milhares de novos professores ingressaram por concursos públicos de provas e títulos nas universidades federais. A exigência do título de doutor tem sido majoritária nesses concursos e hoje aproximadamente 70% do corpo docente é composto por professores doutores. Com o processo de expansão promovido pelo programa REUNI [1], nos últimos cinco anos mais de vinte mil professores ingressaram nas Universidades Federais, sendo a grande maioria portadora do título de doutor. Com o REUNI e com esse processo vertiginoso de contratações, os governos Lula e Dilma mostraram ao país a necessidade de se definir os novos fundamentos estruturais das condições gerais de produção capitalista no Brasil. As universidades federais nesse processo definem-se como elemento-chave. Investir nessa instituição capitalista fundamental é garantir os alicerces da reprodução ampliada do capital, tanto na formação e qualificação da força de trabalho do país, como na garantia do processo de reprodução científico-tecnológica do capital [2].

A expansão física das universidades federais para o interior do país ampliou imensamente as condições gerais de produção capitalista. Essa interiorização garantirá por várias décadas os fundamentos conectores da integração produtiva do país, porque, ao contrário da maioria das faculdades e universidades particulares que pululam como “fábricas caça-níqueis” de diplomas em qualquer cidadezinha do interior, a interiorização das universidades federais significa garantia de expansão tecnológica e formação de mão de obra de alta qualificação. Se as “fábricas caça-níqueis” agregam baixo valor a uma mão de obra que atenderá fundamentalmente o setor de serviços, as universidades federais agregam um alto valor à qualificação da mão de obra que se demarcará institucionalmente junto à produção industrial, assim como à gestão das instituições capitalistas fundamentais (empresas transnacionalizadas, órgãos do poder público e ONGs). A universidade pública deve ser defendida não porque é pública, mas porque é a melhor instituição capitalista na reprodução ampliada de alto valor tecnológico. A universidade pública é o vértice da reprodução e realização da mais-valia relativa, enquanto as “fábricas caça-níqueis” garantem os qualificadores formais de uma força de trabalho perspectivada em níveis produtivos de baixo valor tecnológico, isto é, em níveis de mais-valia absoluta[3]. Defender a universidade pública é defender o êxito de um projeto capitalista de excelência para o país. Nesse sentido, a luta dos professores nesta greve é pela manutenção exitosa do projeto capitalista que os governos Lula-Dilma colocaram em movimento.
Há quase três meses o país assiste a uma das mais impressionantes greves já realizadas pelos professores das universidades federais. 58 das 59 universidades foram atingidas pela greve. Como entender isso? Como explicar que um governo socialdemocrata que agrega em si forças políticas tradicionais no campo da esquerda institucional (PT, PCdoB e PDT, além do PMDB) não consiga minimamente levar a cabo um processo de diálogo com o movimento grevista, e que nos últimos dias volte a fazer do Proifes, uma federação sindical irrelevante, o seu principal interlocutor? O que é, afinal, essa obscuridade institucional chamada Proifes?
O Proifes é uma federação sindical nascida com o processo de expansão das Universidades Federais. A sua composição política é oriunda de quadros associados aos mesmos partidos tradicionais da esquerda capitalista que atualmente governa o país, principalmente o PT e o PCdoB, e com vínculos junto a duas das principais centrais sindicais, a CUT (Central Única dos Trabalhadores) petista e a “comunista” CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) do PCdoB. Das 59 Universidades Federais, o Proifes é o representante sindical em apenas sete delas. Se o Andes-SN (vinculado à Conlutas, central sindical da esquerda capitalista de oposição ao atual governo, centrada por um espectro partidário composto pelo PSTU e frações do PSol) representa um amplíssimo marco sindical no magistério público em todos os seus níveis (federal, estadual, municipal e particular), o Proifes tem como vocação institucional o magistério superior das Universidades Federais; aliás, nasceu em 2004 como “parte derrotada” nas eleições para a direção do Andes-SN. O grupo derrotado nessas eleições organizou nesse mesmo ano a fundação do Proifes.
A greve vem colocando em cena o choque frontal de dois modelos sindicais. O Andes-SN iniciou a greve em 17 de maio e o Proifes, contrário a isso, só se viu em greve quase um mês depois, no dia 15 de junho. Nessa última semana vem se organizando autocraticamente pelo fim da greve, termo esse que vem afrontando dezenas de milhares de professores em greve, que vêm se decidindo pela continuidade da mesma através de assembleias realizadas em todas as universidades federais. O Proifes “entrou” em greve num momento em que 40 universidades já estavam paralisadas e agora, através de manobras “consultivas”, organiza junto com o governo o “fim” da greve. Se o país sempre teve tradição de sindicatos pelegos, o Proifes ultrapassa essa tradição em escala institucional nunca antes vista. Nunca houve na história sindical do Brasil sindicato pelego como o Proifes. Penso que isso não é uma sentença meramente retórica, as práticas institucionais dos últimos dias corroboram com cristalina evidência tal termo. Mas como explicar uma federação sindical tão irrelevante em práticas assim? Talvez pela sua própria irrelevância institucional é que se possa entender o porquê desse grupo obscuro movimentar-se com tanta tranquilidade no colo do governo, afrontando sem qualquer escrúpulo político dezenas de milhares de professores em greve que continuam a lutar por conquistas trabalhistas que vão muito além de cifras salariais. Tenho uma hipótese para explicar a existência institucional do Proifes, apresento-a a seguir.
Proifes: o capitalismo sindical dos pequenos gestores-tecnocratas
Durante muitos anos (da década de 1970 até meados da década de 2000) o acesso à carreira de professor federal dava-se majoritariamente por professores graduados ou, quando muito, por professores mestres. Raros eram os concursos para professores doutores, porque o mercado não tinha profissionais assim qualificados. O ingresso numa universidade federal é que garantiria o percurso de qualificação desse professor graduado à obtenção do seu doutorado. O sentido político-pedagógico de uma universidade federal era o de privilegiar a excelência do ensino nos cursos de graduação, a marca social de uma universidade federal era essa: excelente nível de ensino por causa dos excelentes professores (os melhores do mercado, porque avaliados por concursos públicos); os professores eram os melhores e a instituição, por sua vez, ainda os notabilizava mais pelas condições de titulação que lhes oferecia. Uma carreira no magistério superior se fazia pela excelência do ensino, com um corpo docente em processo de qualificação. Sob essas circunstâncias, obter um doutorado e logo a seguir conseguir ser aprovado como professor titular era a meta central de uma carreira de sucesso. A qualificação desse professor concursado acontecia com afastamentos remunerados de dois a três anos para um título de mestre e de quatro a cinco anos para um título de doutor. Administrar as saídas dos professores para a sua qualificação individual era um dos grandes problemas na gestão dos departamentos e faculdades. Os professores se qualificavam em carreiras individualizadas, a universidade queria deles o título, a qualificação individual. Com os afastamentos remunerados os professores ficavam fora da universidade por esses períodos, os demais colegas no departamento viam-se obrigados a “substituí-los” em sala de aula, e faziam isso porque cada um esperava a sua vez de saída; eram comuns as “listas de saída”. Em linhas bastante resumidas era assim que se caracterizava uma carreira docente nas universidades federais.
Essa qualificação realizava-se em centros de “excelência” estruturados ou fora do país (EUA e França, primordialmente) ou em universidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Exigia-se desse professor o deslocamento periódico da sua moradia de origem (na cidade onde trabalhava) para esses estudos ou mesmo fixar residência no local de estudos pelo período do afastamento. A garantia da remuneração (salários e bolsas de estudos) visava fundamentalmente estimular essa opção. Sair para fazer o mestrado e o doutorado era o ápice da carreira de um professor. Voltar à universidade de origem com o título às costas era o seu grande momento na carreira. Dali em diante administraria o seu novo status de professor titulado (professor-mestre assistente ou professor-doutor adjunto); exceto ministrar as aulas, a universidade pouco lhe exigia em termos produtivos. As principais agências de fomento (Capes e CNPq) organizavam-se para essa qualificação docente; qualificar um professor federal era o grande propósito dessas agências de fomento à pesquisa.
Nas assembleias desta greve uma evidência salta aos olhos de todos: os que organizam os comandos locais de greve são professores bastante jovens (“frangotes” como ouvi outro dia alguém dizer) e a imensa maioria dos que se batem contra a greve defendendo as práticas do “sindicalismo” do Proifes são professores bastantes mais velhos; alguns muito mais velhos do que a própria velhice demonstrada pelos cansados rostos, ainda que sempre firmíssimos nos seus propósitos e intervenções públicas. É preciso ainda dizer que entre os professores mais velhos também há aqueles que se mantêm firmíssimos numa juventude nunca perdida, como também há aqueles muito jovens que conseguem ser muito mais “velhos” do que os professores bastante mais velhos. E como em qualquer situação institucional das nossas vidas, há também uns poucos, jovens ou velhos, que só conseguem ser velhacos, mas esses se asfixiam na sua própria indigência existencial. Por que ressalvo “gerações” de professores? Por uma obviedade: os professores mais velhos estão em cena defendendo interesses associados às suas trajetórias dentro da universidade; muitos dos professores mais novos são recém-contratados, ingressaram na universidade já com os seus títulos de doutor (maioria) e/ou de mestre. A perspectiva da greve para os mais antigos mantem-se dentro de uma esfera meramente salarial; a perspectiva da greve para os mais novos é a do usufruto institucional da universidade para as suas carreiras individuais. São concepções de mundo distintas dentro do universo produtivo interno das universidades. Os professores mais velhos honram nas suas trajetórias o sofrimento dos anos dedicados às pesquisas que os qualificaram externamente à universidade de origem, honram os milhares de horas-aula que ministraram ao longo de suas vidas dentro de salas de aula lotadas de alunos na graduação, aquelas mesmas aulas repetidas todos os anos, durante tantos anos, em disciplinas de formação, raramente em disciplinas de pós-graduação. Esses professores dedicaram os melhores anos de suas vidas à universidade e foi na universidade que construíram tudo o que são e tudo o que possuem. A materialidade institucional da universidade, os prédios, as salas, os corredores, as passarelas, as paredes com aquelas fotografias horrendas de professores ilustres estão carregadas por lembranças quase fantasmáticas de trajetórias assim. Mesmo que não o digam conscientemente, afrontam-se inconscientemente com a presença dos milhares de professores “frangotes” que acabaram de chegar nesse mundo que sempre lhes foi tão particular. Lutaram a vida inteira por uma universidade pública, republicana, enfrentaram ao lado do PT, do PCdoB, do PCB, governos reacionários que se esmeraram em vilipendiar a universidade pública (como os famigerados anos do governo de Fernando Henrique Cardoso); apostaram e continuam a apostar nos governos Lula-Dilma; mas agora se vêm em guerra declarada nas assembleias contra esse outro mundo que ajudaram a criar, o mundo dos professores “frangotes”, a primeira geração-produto da universidade pública federal dos governos Lula-Dilma.
Com uma carreira marcada pelo esforço da titulação conquistada a duras penas, muitos desses quadros qualificados a longo prazo voltaram-se para os cargos internos da universidade. Se hoje uma carreira docente é medida pela quantidade de artigos ou livros publicados, até bem pouco tempo atrás o prestígio de um professor se definia no êxito de sua trajetória dentro dos meandros burocráticos da universidade. Chefes de departamento e diretores de faculdade consagravam o seu poder e sua importância política em cenários como Câmaras de Graduação, Conselhos Universitários e vários outros fóruns deliberativos internos ao funcionamento de uma universidade. Correndo o risco de estar aqui a simplificar uma situação bastante complexa, afirmo que tais cargos e tais ambientes ressaltavam trajetórias individuais de professores com fortes vínculos político-partidários no campo da esquerda capitalista (PT, PCdoB, PCB, PDT). Um detalhe não pode ser esquecido nesta descrição que aqui apresento: grande parte da antiga esquerda sindical (que hoje reitera e compõe a ação institucional do Proifes) é composta por professores que se notabilizaram localmente como professores de esquerda, muitos ainda se dizem “comunistas” (militantes do PCdoB), indivíduos que dedicaram toda a sua vida à Universidade que agora querem defender das “sinecuras esquerdistas” do Andes-SN; foram militantes no movimento estudantil, graduaram-se e tornaram-se professores na mesma universidade e depois fizeram a carreira procurando a titulação fora dessa universidade. Quando voltaram, encontraram uma universidade ainda estruturada apenas em cursos de graduação, tanto que muitos que se titularam como mestres desistiram de sair novamente à procura do título de doutor; afinal, de que lhes valia tal título se poderiam chegar a Adjunto 4 (o topo da carreira antes da reforma de 2005) sem precisar do mesmo? Esse é um detalhe a observar. E os que buscaram o doutorado? Esses, em não encontrando uma pós-graduação organizada na sua área de pesquisa e docência, seguiram adiante no interior da universidade atrás dos cargos. Definiram-se ao longo de décadas como especialistas na burocracia, especialistas na “ciência oculta” do controle institucional, pequenos gestores-tecnocratas que diante dos seus colegas em sala de aula só conseguiam dizer: “Isso não pode!” Essa é a frase do poder do pequeno gestor-tecnocrata universitário, a expressão emasculatória da imaginação. Nada se podia executar dentro das universidades porque lá estavam essas almas saloias de tez pálida a nos dizer: “Isso não pode!”. Ao lado dessas carreiras na burocracia da universidade, preenchida por doutores (uma exigência para os cargos), outra carreira se fez contundente: a do professor-sindicalista, aquele professor (apenas alguns doutores, a grande maioria era de mestres ou graduados) que encontrou nos cargos sindicais o sentido de sua existência acadêmica. Grandes lutas contra governos reacionários (como as do período Fernando Henrique Cardoso) consagraram tais professores; alguns se tornaram importantes referências institucionais no cenário da esquerda capitalista local (da universidade). Dessas práticas de resistência, combate e luta em defesa da universidade e das carreiras construíram-se os sindicatos (antes associações vinculadas ao Andes, mais recentemente transformados em sindicatos locais vinculados tanto ao ANDES [sindicato nacional] como aos sete vinculados ao Proifes federação).
Noutro artigo aqui publicado destaquei a ação do sindicato dos professores da Universidade Federal de Goiás (Adufg – mantém-se a legenda original de quando era Associação dos Docentes da UFG), e esse sindicato me parece bastante exemplar do que aqui estou a afirmar. Tem 2200 filiados, que lhe dão uma receita líquida e certa de quase 160 mil reais por mês, quase 2 milhões de reais por ano, com uma sede própria em expansão física; também é dono de uma sede de lazer campestre com ampla infraestrutura patrimonial; enfim, um sindicato que funciona tal e qual uma empresa capitalista de médio porte. Mas qual o motivo fundamental desse sindicato ter na sua carteira de sócios esses 2200 filiados? Certamente que não é por causa do Coral Adufg e muito menos pelo usufruto dos “tanques de água” (como muitos dizem em Goiânia quando se referem a piscinas). O único motivo para que tal conjunto de associados se mantenha sindicalizado é o plano de saúde da empresa Unimed. É comum esta expressão entre os professores da UFG: “sou filiado à Unimed e não à Adufg”. É bastante certo que com os últimos acontecimentos muitos dos professores sequer “filiados à Unimed” querem estar, só para não ter qualquer relação institucional com a ADUFG, tamanha a afronta política que a atual direção impõe aos professores em greve tanto dentro das Assembleias como fora delas.
O que temos com esta sucinta descrição que apresento ao leitor? O que é, afinal, o PROIFES?
As universidades federais passam por um duro processo de transição institucional nas suas funções produtivas basilares diante do atual processo de expansão e integração capitalista mundial, em que o Brasil, como potência capitalista, está envolvido. É um processo irreversível que exigirá lastros produtivos em pesquisa das universidades federais cada vez mais intensificados. Não há mais espaço para a existência da antiga Universidade Federal da excelência pública no ensino; aquilo que era marca da excelência de antes agora é marca que se exige a todas as faculdades e universidades em qualquer lugar do país (e sejam públicas ou privadas). A excelência acadêmica de hoje se determina pela pesquisa. Com a profusão de cursos de pós-graduação nos últimos 15 anos, instituiu-se um ritmo produtivo enlouquecido ao interior das universidades, esse ritmo enlouquecido aterroriza os velhos quadros tecnocráticos, esse ritmo produtivo estilhaça por dentro qualquer possibilidade de existência dos “tempos tranquilos” de antes. No atual momento produtivo de expansão generalizada das práticas de gestão fordistas-toyotistas reproduzidas em todas as áreas do conhecimento, exige-se de um professor o ritmo do gestor-empreendedor. Cada vez mais as carreiras dos jovens doutores se faz pelo gerenciamento capitalista de sua pesquisa com alguma pesquisa em rede, ou um sistema de grande eficiência para a reprodução tecnológica da cadeia produtiva em setores de pesquisa estratégica em redes de pesquisadores on line em laboratórios integrados, movimentando com isso uma quantidade extraordinária de estudantes associados, os futuros “jovens” doutores. E mesmo se não houver esse complexo interinstitucional que remeta a pesquisa acadêmica diretamente à produção capitalista, circuitos institucionais são reproduzidos e ampliados nas práticas dos congressos, simpósios, colóquios, uma gigantesca máquina empresarial capitalista retroalimenta essas institucionalidades universitárias. Se antes um professor doutor esperava dois anos pelo encontro nacional de sua área para apresentar os seus trabalhos de pesquisa, hoje organiza três ou quatro encontros internacionais por ano dentro da sua faculdade, para dizer exatamente a mesma coisa em todos eles. Nessas realidades é que encontramos os professores hoje em greve. Um emaranhado de contradições e armadilhas que nos colocam em choque uns contra os outros, interesses privados de carreiras privadas em choque num espaço institucional cada vez mais privatizado. Mas afirmar isso é também afirmar o óbvio.
Com a greve definiu-se um fato extraordinário: generalizaram-se dentro das universidades solidariedades que os professores não tinham condição de afirmar na rotina do seu próprio trabalho. Nas assembleias, nas reuniões dos Comandos Locais de Greve, nas passeatas e em muitos outros atos públicos, jovens e velhos professores reconhecem-se como professores de fato. Essas solidariedades jamais serão rompidas e essas solidariedades antagonizam não apenas um governo tecnocrata que perdeu completamente a sua capacidade de interlocução, mas também mostram a todos a soberba dos gestores-tecnocratas como classe dominante capitalista. É como classe dominante capitalista na organização e controle do ciclo produtivo transnacionalizado que os gestores-tecnocratas deveriam ser percebidos por todos, só assim é possível o real entendimento da mecânica institucional do poder capitalista sob o controle de indivíduos e partidos de esquerda. A greve não se faz como luta contra um governo de direita naquilo que se convencionava chamar de representantes ideológico-partidários da “burguesia”. Não. É uma luta contra a esquerda capitalista, contra os gestores-tecnocratas egressos do mundo sindical de antes, gestores-tecnocratas formados numa locução institucional de tempos produtivos de mais-valia absoluta, que pensavam, organizavam e realizavam os controles produtivos do poder individual presencial, o poder dos chefes; no caso das universidades em greve, o poder dos antigos chefes de departamento, dos diretores de faculdade, esses que agora não entendem porque não podem mais exclamar com toda a sua autoridade a velha frase de antes: “Isso não pode!”. Pode, sim senhor! Nas universidades federais em greve, cada vez mais integradas aos ritmos ensandecidos da produção da mais-valia relativa, agora tudo é possível porque tudo já está determinado pelos ciclos globais da produção. Se antes os velhos gestores-tecnocratas nos roubavam a imaginação, agora os gestores-tecnocratas estimulam-nos a realização da imaginação porque sabem que já não é mais possível imaginar nada. Somente quando essa selvageria institucional é interrompida, com solidariedades de novo tipo, como as que acontecem agora com a greve, é que os jovens e velhos professores reencontram novamente a imaginação e a aposta no futuro. Os senhores e as senhoras do “isso não pode!” estão sendo varridos ao esquecimento. O próprio ritmo produtivo do capitalismo acadêmico acabará por eliminá-los em definitivo, mas a radicalidade das solidariedades dos professores em greve no seu confronto político com o governo tem também que enfrentar e destruir em definitivo esse “zumbi” [4] sindical da mais-valia absoluta que é o Proifes.
Esse cenáculo de pequenos gestores-tecnocratas da esquerda sindical capitalista (PT, PCdoB, CUT, CTB), percebendo-se como lídimo sócio do projeto capitalista governamental, tem se apresentado aos professores em greve como antagonista democrata do “sectarismo” sindical do Andes-SN. Como já afirmei, os gestores-tecnocratas do Proifes são o escol remanescente de antigos professores da Universidade Federal do “isso não pode!”, são os antigos capitalistas sindicais que durante muitos anos administraram o patrimônio privado de alguns sindicatos. Esses pequenos gestores-tecnocratas olham para o sindicato não como uma relação social, mas como uma propriedade que cresce a olhos vistos tanto em paredes, salas e carros, como em fundos de investimento, como o que a Adufg administra com as comissões que obtém dos sócios que se vinculam à Unimed (em dados apresentados numa das últimas assembleias, tal fundo totalizava um volume de mais 500 mil reais; disseram à assembleia que esse dinheiro era um “fundo de reserva” para emergências, talvez a emergência de um terremoto que possa pôr abaixo os jardins da sede). Defender o patrimônio sindical-capitalista e continuar a sentir-se “sócio” do projeto capitalista transnacionalizado dos governos Lula-Dilma, esse é o sectarismo desses pequenos gestores-tecnocratas. Acreditam-se à margem do movimento grevista e pensam que o podem solapar porque no seu autismo institucional sempre podem contar, nesta briga, com a ajuda do “irmão” mais forte (o governo). Resta aos professores em greve não temer as práticas institucionais infames que lhes são peculiares e destruí-los politicamente, e isso haverá de acontecer durante a greve que ainda não tem data e tampouco motivos para se encerrar.
Notas
[*] Professor Doutor Adjunto da Universidade Federal de Goiás.
[1] O programa Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) do governo federal (Decreto 6096 de 2007) é a marca institucional da expansão física das Universidades Federais. Para uma descrição do programa consultar:
http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25&Itemid=2 
[2] A minha argumentação neste artigo está inspirada teoricamente pelo conjunto da obra de João Bernardo, especialmente em títulos como Economia dos conflitos sociais (2ª. Edição) (São Paulo, Expressão Popular, 2009) e Capitalismo Sindical (São Paulo, Xamã, 2008 [livro escrito com Luciano Pereira]).
[3] “Mais-valia absoluta” e “mais-valia relativa” são conceitos clássicos na tradição marxista. Ressalvo, contudo, que o uso que aqui faço dos mesmos refere-se única e exclusivamente à obra de João Bernardo, notadamente ao livro Economia dos conflitos sociais (2009). Desse livro, remeto o leitor ao Capítulo 02 – “Mais-valia relativa e mais-valia absoluta”, e especialmente às páginas 139-152 para uma definição geral dos termos.
[4] “Zumbi” sindical é um termo que extraio do artigo de Marcelo Badaró & Roberto Leher – Docentes contra zumbis (2012); artigo que motivou a resposta de Gil Vicente Reis de Figueiredo, Eduardo Rolim de Oliveira e Nilton Brandão – As marionetes do sectarismo serão derrotadas pela história (2012). Os artigos podem ser consultados nos links abaixo indicados:
http://www.adufmat.org.br/index.php/comunicacao/noticias/493-docentes-contra-zumbis 
http://proifes.org.br/artigo-as-marionetes-do-sectarismo-serao-derrotadas-pela-historia/