segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Jornal da Unicamp

Campinas, 06 de agosto de 2012 a 12 de agosto de 2012 – ANO 2012 – Nº 534

Estudo traça perfil de
crianças e jovens com câncer
em Campinas

Investigação da FCM
poderá resultar em políticas
públicas no município

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Crianças e adolescentes residentes no município de Campinas diagnosticadas com câncer maligno podem levar até cem dias, dependendo do tipo de tumor, para serem encaminhadas ao tratamento adequado. No município, o atendimento de referência para estes casos é realizado, sobretudo, pelo Centro Infantil Boldrini, serviço responsável por 85%, em média, da assistência a estas ocorrências.
O dado, correspondente ao início das queixas até a primeira consulta no serviço de referência, foi identificado pela enfermeira Jane Kelly Oliveira Silva em seu estudo de mestrado defendido junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Embora apresente baixa incidência quando comparado a outros tipos de população, o câncer infantil é altamente letal, principalmente em casos com diagnóstico tardio. No estudo, a pesquisadora constatou que a taxa de morte da população analisada foi de 37%.
Jane Kelly Oliveira Silva traçou detalhado perfil epidemiológico das crianças e adolescentes (até 19 anos) residentes em Campinas e tratadas no Hospital Boldrini. A enfermeira utilizou 180 prontuários do Hospital no período de 10 anos, de 1996 a 2005. O trabalho foi financiado pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
 Foram adotadas, inclusive, técnicas de georreferenciamento, que permitiram apontar, por exemplo, as regiões do município com maior incidência destes tipos de casos. Além de nortear novas pesquisas, o estudo consiste em um importante documento para apoiar o planejamento de políticas públicas nesta área, avalia o médico epidemiologista Djalma de Carvalho Moreira Filho, docente do Departamento de Saúde Coletiva da FCM e orientador da dissertação.
“Em dez anos, a população de Campinas sofreu um processo demográfico dinâmico evidente. Ela aumentou, mudou de lugar, envelheceu… E os serviços médicos foram alterados ao longo deste período. Em algumas regiões, houve ganhos; em outras, perdas. A pesquisa apontou o local do domicílio e do diagnóstico dessa população. Além disso, detectou como essas crianças e adolescentes foram incluídas no serviço de saúde de referência que cuidou delas. Identificando, por exemplo, em qual região do município a frequência de novos casos é maior, pode-se definir o planejamento e traçar políticas públicas, que vão auxiliar na detecção precoce do câncer infantil”, avalia o docente.
Os sistemas de informação georreferenciados são muito utilizados na área da saúde, especialmente nos casos de doenças transmissíveis, como o controle da dengue e da malária. Na pesquisa conduzida pela enfermeira, o georreferenciamento de dados foi empregado de modo pioneiro, permitindo apontar, por exemplo, que a frequência da doença é maior nas regiões sul, sudoeste e noroeste do município. “Isso decorre porque há uma maior concentração de crianças e adolescentes naquelas áreas e não pelo fato de, necessariamente, haver um risco maior de incidência de tumores malignos nas populações destas regiões”, ressalva a pesquisadora. “Deste modo, o estudo aponta que, nestas áreas, onde há um crescimento populacional mais intenso, o poder público deve estar atento, seja quando for construir um serviço de saúde na cidade, seja no treinamento dos profissionais da unidade básica de saúde da região”, acrescenta.
O docente Djalma Moreira Filho, que coordena na Unicamp linha de pesquisa sobre epidemiologia, metodologia e análises quantitativas, explica que os Registros de Câncer de Base Populacional partem da observação de novos casos diagnosticados nos serviços básicos de saúde. No Brasil, estes Registros são regulados pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) e também pela Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer (IAR), entidade internacional sediada em Lyon, na França.
Ainda de acordo com o professor, o controle do fluxo de atendimento nos diferentes momentos do tratamento é importante por manter atualizada a informação a respeito dos casos novos, permitindo que se garantam melhores resultados na terapia. “A unidade de saúde suspeita e encaminha para um serviço terciário, um hospital, por exemplo. No caso do câncer infantil em Campinas, é o Centro Boldrini. O município tem o privilégio de contar com um hospital de câncer infantil extremamente atento e ligado a este tipo de problema. Por ter um serviço com esta característica, o diagnóstico em Campinas é muito mais rápido do que em outras regiões do Brasil, chegando mesmo a poucos dias, em certos casos. E quanto mais rápido o diagnóstico, melhores são os prognósticos”, pondera o médico.

Epidemiologia
As análises epidemiológicas são fundamentais para o monitoramento de novos casos da doença. A epidemiologia dedica-se ao estudo quantitativo da distribuição de doenças e agravos à saúde, bem como seus fatores condicionantes e determinantes na população. As pesquisas nesta área são consideradas imprescindíveis para a saúde coletiva.
Apesar disso, no Brasil as investigações epidemiológicas sobre o câncer infantil são escassas, afirma a estudiosa. “Conforme levantamento realizado sobre a abordagem do câncer infantil na saúde coletiva, verificou-se que, até o ano de 2011, somente sete artigos brasileiros foram publicados e indexados na Lilacs, Scielo e Medline, sendo estas as bases de dados científicas mais representativas para o país”, confirma Jane.

Grupos estudados
A dissertação de Jane Kelly Oliveira Silva deteve-se à análise de quatro grupos de tumores mais frequentes na população infantil: leucemias; câncer do sistema linfático e retículo endotelial; tumores do sistema nervoso central, intracranianos e intraespinhais; e tumores de partes moles.
O grupo das leucemias representou no estudo 50% de todos os tumores registrados. É também neste grupo que a pesquisadora identificou a média mais baixa do tempo decorrido das queixas até a chegada ao serviço de referência, em torno de 27 dias.
Por outro lado, os tumores do sistema nervoso e linfático atingiram uma média de 97 dias para o encaminhamento adequado. “Para o grupo das leucemias, uma alteração evidenciada por um exame sanguíneo já pode levantar suspeitas a respeito de um câncer hematológico. Porém, quando o diagnóstico necessita de métodos como biópsia ou exames de imagem, como ressonância magnética ou tomografia, há um período maior para que se efetive o encaminhamento ao Boldrini”, conclui a pesquisadora.  No momento ela dá sequência aos trabalhos com novas investigações que farão parte de sua tese de doutorado.

Publicação

Dissertação: “Descrição dos casos atendidos em um serviço de referência do município de Campinas – SP”
Autora: Jane Kelly Oliveira Silva
Orientador: Djalma de Carvalho Moreira Filho
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Financiamento: Capes