sábado, 17 de março de 2012

UOL.

Sem-teto enfrentam desconforto das ocupações pelo sonho de conquistar a casa própria

Larissa Leiros Baroni
Do UOL, em São Paulo


O local não tem energia elétrica, banheiro, cozinha ou o mínimo de conforto, mas, duas semanas depois da ocupação, virou lar para mais de 2.000 famílias. Os novos moradores do chamado "Novo Pinheiro", em Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo, improvisam barracas apenas com bambus e lonas. Uns contam apenas com o básico: um lençol. Outras, mais sofisticadas, têm armários, sofás e camas. Todos, porém, têm um desejo em comum, que é abandonar um aluguel muito alto ou não precisar mais morar de favor na casa da sogra, dos pais, de algum amigo ou parente.

REALIDADE BRASILEIRA

  • 9.000

    é o número de famílias que sofrem com
    a falta de moradia digna em Embu das Artes, segundo estimativa do MTST

  • 33 milhões

    de brasileiros não possuem moradia,
    de acordo com o Programa das ONU para Assentamentos Humanos

Eles tentam conseguir auxílio do governo para comprar a casa própria ou, em último caso, para ganhar o bolsa-aluguel até que o objetivo seja alcançado. E, pelo sonho, tentam resistir o quanto podem ao cenário adverso.

As ocupações, segundo Vanessa de Souza, coordenadora estadual do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), duram em média um ano. "Algumas terminam em menos de três meses, mas outras se estendem até três anos", diz ela. "Não sabemos ao certos quantos deles desistem, mas as desistências são inferiores a 10%."

Com quatro crianças para criar e grávida de quatro meses, Maria Lucineide dos Santos, 23, se arrepende de ter desistido de sua última ocupação, e agora volta ao movimento com a promessa de resistir até que o sonho de sua casa própria seja realizado.

Sem-tetos enfrentam desconforto de ocupações

Foto 12 de 47 - Com quatro crianças para criar e grávida de quatro meses, Maria Lucineide dos Santos, 23, aderiu à ocupação chamada de "Novo Pinheiro" em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo, com a esperança de conseguir uma casa ou mesmo bolsa-aluguel. Ela, que está desempregada, mora de favor na casa da tia do pai de um de seus filhos Mais Fernando Donasci/UOL

"Na última vez, fiquei apenas 15 dias acampada e acabei tendo que desistir porque a minha filha ficou doente. Mas, confesso que fiquei chateada, principalmente por saber que todos os que ficaram até o final do movimento conseguiram suas casas", lamenta. Desta vez, a filha de dois anos também está doente. "Se for preciso, saio para levá-la ao hospital, mas volto."

Atualmente, Maria Lucineide está desempregada e mora de favor na casa da tia do pai de uma de suas filhas, que tem uma renda mensal de R$ 650. "Antes recebia R$ 80 do Programa Renda Cidadão, mas o benefício foi cortado porque não compareci a reunião escolar das crianças", conta ela, que além das duas filhas --uma de 2 e outra de 4 anos--, cuida da sobrinha de 11 anos, que perdeu a mãe e do enteado de 8 anos.

E, apesar da jovem reconhecer que o acampamento não é o lugar mais cômodo para ficar com seus filhos, afirma que terá que permanecer com eles na barraca com apenas uma cama até que as negociações sejam finalizadas. "Não tenho com quem deixá-los. Portanto, este é um mal mais que necessário para que no futuro possamos ter um conforto", diz.

Legado para os filhos

Diferentemente de Maria Lucineide, a diarista Ivanilde Oliveira de Jesus, 42, preferiu deixar os seis filhos de fora deste protesto. "Eu que tenho que sofrer por eles", diz ela, que não vê a hora conseguir a casa própria para não mais precisar morar de favor com a sogra. "Tenho 42 anos e quero deixar algo para os meus filhos", conta.

Enquanto Ivanilde passa fome e aguarda o marido voltar do trabalho com um prato de comida no final da tarde, os filhos são cuidados pela mais velha de 17 anos, "com todo o conforto da cama deles e sem atrapalhar a rotina escolar."

Para tentar tapear a fome, ela conta que recorre à água, e na hora do banheiro, apela para uma garrafa pet cortada ao meio. Os desafios ela enfrenta na tentativa de garantir aos seus filhos o que a mãe dela não dar a ela. "Nunca estudei, porque aos 15 anos tinha que ir ao farol vender balas para trazer dinheiro para casa. Quero que meus filhos tenham um futuro diferente, por isso que priorizo sempre os estudos deles."

Nem ela nem o marido têm renda fixa, mas recebem R$ 110 do programa Bolsa Escola. "Já tive que bater nas casas alheias para pedir comida e, pelo meus filhos, faço isso quantas vezes forem necessárias", diz.

Novo Pinheirinho

O terreno ocupado em Embu das Artes por cerca de 2.200 famílias desde o último dia 2 de março é de propriedade da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), que adquiriu o local em 1998 para construir um conjunto habitacional para a população de baixa renda. O projeto previa a manutenção da vegetação local, com a criação de um Parque Ecológico, a construção de 1.200 unidades habitacionais na área desmatada, bem como de um centro esportivo, um centro educacional e outro centro de cultura ambiental, destinados à comunidade.

Mas, a proposta nunca saiu do papel. Em 2006, um grupo de ambientalistas contrários à proposta das moradias populares conseguiu uma liminar do Ministério Público proibindo construções no local.

Em nota, a CDHU afirma que o projeto respeita estritamente a legislação ambiental vigente e que pediu à Justiça, no último dia 5 de março, uma nova perícia ambiental na área. A medida visa a revogar a liminar que impede os atos preparatórios para construção do empreendimento.

O MTST –que organiza a ocupação– defende a construção das unidades habitacionais na área desmatada e a preservação da área classificadas como APP (Área de Proteção Permanente), explica Vanessa de Souza, coordenadora do movimento.

Mas, enquanto o impasse judicial não se resolve, a CDHU diz que já vem atendendo às reivindicações do MTST com dois projetos em Taboão da Serra (SP), em parceria com o Programa Minha Casa Minha Vida Entidades, e com a oferta de auxílio-moradia para as famílias indicadas pelo movimento até o atendimento habitacional definitivo.

No dia 6 de março, a comunidade do acampamento Novo Pinheirinho do Embu recebeu uma ordem de despejo emitido por um grupo de ambientalistas autonomeado "pró-parque", sob a liderança da advogada Maria Isabel Hodnik. O MTST, no entanto, disse que tomará as medidas cabíveis para contornar a situação.