terça-feira, 24 de janeiro de 2012

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Paul Krugman

Coluna do Paul Krugman

Declarações de imposto de renda de Mitt Romney dizem muito sobre a política tributária americana

Paul Krugman

 
Pode me chamar de peculiar, mas estou realmente apreciando o espetáculo de Mitt Romney fazendo a Dança dos Sete Véus –parte por voyeurismo, é claro, mas também porque era hora de termos esta discussão.

O tema de sua dança, para aqueles que não estão prestando atenção, são os impostos –seus próprios impostos. Apesar de a evidenciação das declarações de impostos ser uma prática padrão para os candidatos políticos, Romney nunca o fez e, pela primeira vez, tentou esconder a questão mesmo em uma corrida presidencial. Então ele disse que provavelmente paga apenas cerca de 15% de sua renda em impostos e insinuou que poderia divulgar sua declaração de 2011.

Mesmo assim, ele enfrentará pressão para também divulgar as declarações anteriores –como seu pai, que divulgou 12 anos de declarações quando concorreu à presidência. (O Romney mais velho, a propósito, pagava 37% de sua renda em impostos.)

E o público tem o direito de ver os anos anteriores: em 2011, com a proximidade da campanha, Romney poderia ter rearranjado seu portfólio para minimizar questões problemáticas como suas contas nas Ilhas Cayman ou seu uso condenável de “ganhos de capital de longo prazo” para redução da alíquota do imposto.

Mas a questão maior não é o que as declarações de imposto de renda de Mitt Romney têm a dizer sobre Mitt Romney; é o que dizem sobre a política tributária americana. Há algum bom motivo para os ricos arcarem com um fardo tributário espantosamente menor?

Pois é o que acontece. Se Romney está dizendo a verdade sobre seus impostos, ele é na verdade mais ou menos um muito rico típico. Desde 1992, a Receita Federal divulga dados de renda e impostos dos 400 cidadãos de maior renda. Em 2008, o ano mais recente disponível, eles pagaram apenas 16,6%. Quando você tem em mente que os ricos pagam pouco tanto nos impostos descontados em folha quanto nos impostos estaduais e locais –o maior fardo recai sobre as famílias de classe média– isso implica que os 400 cidadãos de maior renda pagam menos impostos do que muitos trabalhadores comuns.

O principal motivo para os ricos pagarem tão pouco é que grande parte da renda deles vem na forma de ganhos de capital, que são tributados a uma taxa máxima de 15%, bem abaixo da taxa máxima sobre salários. Então a pergunta é se os ganhos de capital –três quartos dos quais vão para o 1% no topo da distribuição de renda– merecem esse tratamento especial.

Os defensores dos impostos mais baixos sobre os ricos geralmente apresentam dois argumentos: que os impostos mais baixos sobre os ganhos de capital são um princípio honrado pelo tempo, que são necessários para promover o crescimento econômico e a criação de empregos. Ambas as alegações são falsas.

Quando você toma conhecimento sobre os baixos impostos pagos por pessoas como Romney, o que você precisa saber é que nem sempre foi assim –e os dias em que os super-ricos pagavam impostos mais altos não ocorreram muito tempo atrás. Em 1986, Ronald Reagan –sim, Ronald Reagan– sancionou uma reforma tributária equalizando as taxas mais altas sobre renda e ganhos de capital em 28%. A taxa subiu ainda mais, para mais de 29%, durante o primeiro mandato de Bill Clinton.

Os impostos mais baixos sobre ganhos de capital datam apenas de 1997, quando Clinton fechou um acordo com os republicanos no Congresso, no qual ele reduziu os impostos sobre os ricos em troca da criação do Programa de Seguro Saúde para a Criança. E as taxas ultrabaixas atuais –as mais baixas desde os tempos de Herbert Hoover– datam apenas de 2003, quando o ex-presidente George W. Bush conseguiu a aprovação pelo Congresso de redução de impostos sobre ganhos de capital e sobre os dividendos, explorando a ilusão do triunfo no Iraque.

De modo correspondente, o status de baixos impostos sobre os muito ricos também é um desenvolvimento recente. Durante o primeiro mandato de Clinton, os 400 contribuintes de maior renda pagavam perto de 30% de sua renda em impostos federais, e mesmo após seu acordo de impostos, eles pagavam substancialmente mais do que eles têm pago desde a redução de 2003.

É essencial que os ricos recebam um alívio fiscal tão grande? Há um argumento teórico para concessão de tratamento especial aos ganhos de capital, mas também há argumentos teóricos e práticos contra esse tratamento especial. Em particular, a enorme desigualdade entre os impostos sobre os salários e os impostos sobre lucros e ganhos de capital criam um incentivo perverso para que seja realizado um arranjo para que a renda apareça na categoria “certa”.

E o retrospecto econômico certamente não apoia a noção de que impostos mais baixos sobre os super-ricos são a chave para a prosperidade. Durante o primeiro mandato de Clinton, quando os muito ricos pagavam impostos bem mais altos do que agora, a economia adicionou 11,5 milhões de empregos, tornando insignificante qualquer coisa realizada mesmo durante os anos bons do governo Bush.

Logo, a dança tributária de Romney está nos prestando um serviço ao destacar os favores caros, injustos e insensatos que estão sendo concedidos à classe altíssima. Em uma época em que todas as autoproclamadas pessoas sérias nos dizem que os pobres e a classe média devem sofrer em nome da probidade fiscal, esses impostos baixos sobre os muito ricos são indefensáveis.
 
Tradutor: George El Khouri Andolfato

Paul Krugman

Professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de economia em 2008