domingo, 16 de outubro de 2011

De como é possível eludir o pretérito, o presente e o futuro.

Peço aos leitores que analisem o texto abaixo. E notem que nem uma só palavra é dita sobre as pesquisas feitas na vida acadêmica sobre o uso politico de batizar escolas com nomes de oligarcas. É como se tudo tivesse brotado do nada. Existem livros sobre o fato, tanto na Bahia quanto em Santa Catarina, etc. Após seguir o artigo, peço aos mais pacientes que releiam a troca de correspondência minha com o então Senador Antonio Carlos Magalhães. Ele ficou irado porque, no Globo News Painel, recordei as pesquisas do Professor Arapiraca, que indicava o número de escolas públicas bahianas com o nome daquele político. Para demonstrar o peso da hierarquia, sua carta foi enviada diretamente ao reitor da Unicamp. De seu gabinete eu a recebi. O oligarca, com certeza, acostumado às pressões verticais, imaginou que eu seria cobrado pelos superiores. Ocorreu algo inesperado para ele. Eu respondi e coloquei as duas cartas na internet, o que não foi agradável para ele. Retomo a carta após o artigo da Folha, para mostrar a causa de minha indignação com o esquecimento de nomes como o do professor Arapiraca, amigo e desbravador do saber na Bahia, além de uma pessoa ética do primeiro time. Leiam então o texto da Folha e depois comparem com as cartas entre mim e o senador Magalhães. Roberto Romano


São Paulo, domingo, 16 de outubro de 2011



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Nomes religiosos dominam batismo de escolas públicas

Família Sarney nomeia 161 colégios no Maranhão; ACM batiza 119 na Bahia

Em Estados do Nordeste, políticos rivalizam em popularidade com Jesus Cristo; especialista critica patrimonialismo

ANTÔNIO GOIS
DO RIO
MARCELO SOARES
DE SÃO PAULO

O Estado brasileiro é laico, mas os nomes mais comuns de escolas públicas no Brasil são, de longe, religiosos. Um levantamento feito pela Folha no cadastro do MEC de mais de 160 mil estabelecimentos revela que Nossa Senhora, Jesus Cristo, São Francisco e Santo Antônio são, entre os nomes pesquisados, os mais frequentes.
Em alguns casos, os nomes parecem lemas de igreja. É o caso da Escola Municipal Só Jesus Salva, em Monte Santo (BA), ou Jesus é o Caminho, em Igarapé-Miri (PA).
Há ainda colégios com títulos idênticos ao de denominações religiosas do país. Assembleia de Deus, por exemplo, dá nome a 15 estabelecimentos públicos.
Depois das referências religiosas, aparecem figuras históricas como Ruy Barbosa, Tancredo Neves, Tiradentes, Castello Branco, Monteiro Lobato e Getúlio Vargas.

POLÍTICOS
Em alguns Estados, no entanto, o batismo de escolas parece ser estratégia de autopromoção de políticos. No Maranhão, por exemplo, o sobrenome Sarney está em 161 escolas (179 em todo o país). O ex-presidente José Sarney dá nome a 92. Sozinho, supera a soma de seus sucessores -Collor, Itamar, FHC e Lula-, presentes em 15 escolas do país.
Na Bahia, entre os nomes mais comuns estão Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), em 119 escolas, e Luís Eduardo Magalhães (1955-1998), em 101. Somados, os dois superam o número de homenagens em todo o país para a Princesa Isabel, o Papa João Paulo 2º ou o escritor Machado de Assis.
A prática é utilizada também em municípios. É o caso da cidade fluminense de Magé, com 223 mil habitantes. Das 87 escolas municipais, 21 têm o nome Cozzolino, o mesmo da ex-prefeita afastada por denúncia de corrupção em 2009, Núbia Cozzolino. Como o MEC não divulga estatísticas sobre nomes mais comuns em escolas, foi preciso fazer uma pesquisa nome por nome, para descobrir quantas vezes ele se repetia.
Embora não seja um levantamento completo, a reportagem procurou incluir nomes de figuras históricas ou políticos locais para identificar os que possivelmente usam o batismo de escolas como estratégia de autopromoção.
A prática é comum, apesar de uma lei federal de 1977 que proíbe atribuir nomes de pessoas vivas a bens públicos da União e a estabelecimentos que recebam verbas federais, caso de escolas.
Para o professor da Faculdade de Educação da UFRJ e coordenador do Observatório da Laicidade do Estado, Luiz Antônio Cunha, os alunos acabam sendo influenciados pois é comum escolas ensinarem quem são as personalidades que dão nome a elas.
"É a utilização da fachada da escola como outdoor. Uma expressão clara do patrimonialismo político, do uso privado do espaço público e dos alunos como destinatários cativos da celebração de algumas figuras políticas."


Observatório da Imprensa - 15 Anos



ÉTICA & POLÍTICA
ACM escreve, Roberto Romano responde

Brasília, 16 de abril de 2001

Senhor Professor Roberto Romano

Assisti as manifestações de Vossa Senhoria em programa televisivo da GloboNews sobre corrupção. levado ao ar no último final de semana.

Embora respeite os seus pontos de vista, incumbe-me dizer-lhe que, quanto a mim, está completamente enganado. De logo registro que a comparação com o Senador Jader Barbalho é injusta e despropositada. Entendo o que o teria levado a isso. O senhor fala por ouvir dizer, mas não com conhecimento de causa.

A minha liderança na Bahia, perdoe-me a modéstia, está sempre retratada pelas pesquisas de opinião, inclusive a mais recente, em Salvador, realizada no mês passado, me dá mais de 80% da aprovação dos baianos.

Além de basear-se nas pesquisas, sugeriria que Vossa Senhoria também, na feitura de uma análise sobre determinada pessoa, como professor diligente, ouvisse os escritores da terra. No meu caso, nomes como Jorge Amado e João Ubaldo; ou os compositores da terra, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jerônimo, Vevé Calazans e dezenas de outros; ou os artistas plásticos, todos eles. E, em se tratando de um professor, valeria a pena consultar, ainda, a população de 16 a 24 anos. Sob esse aspecto, devo dizer também que, na sua própria Universidade, alunos têm feito teses as mais variadas sobre o meu comportamento político e, em sua maioria, apresentando resultados positivos.

Se um dia Vossa Senhoria for à Bahia, ouvir o povo, andar pelas ruas, será lisonjeiro para mim acompanhá-lo. Ai sim, o Professor de Política e Ética fará uma observação correta.

Na minha idade, as injustiças, por mais que sejam repetidas, não mudam a rota de atuação. Continuarei trabalhando pela Bahia e, a ser verdadeira sua afirmação de que 400 escolas têm o meu nome, o que não creio, terá sido porque, indistintamente, nos nossos 417 municípios existe a minha presença através do trabalho e de obras pelo engrandecimento do Estado. Seja como for, achei o número exagerado e procurarei averiguar sua observação.

Vê Vossa Senhoria que a minha discordância é salutar, pois tem o objetivo de bem informá-lo a meu respeito, especialmente porque acredito na sua sinceridade de propósitos e dedicação ao conhecimento histórico sobre a política e os políticos de nosso país.

Atenciosamente, Senador Antonio Carlos Magalhães

***

São Paulo, 2 de maio de 2001

Ao Senador da República, Antonio Carlos Magalhães

Quando ocorreu o golpe de Estado, em 1964, eu tinha 19 anos. Em amargos anos aprendi, na universidade, a disciplina e o rigor da pesquisa. O livro que publiquei em 1979, fruto de um doutorado (Brasil, Igreja contra Estado, SP, Kayrós Ed.), sintetiza milhares de documentos recolhidos num processo lento e longo de investigação no qual as informações foram analisadas, confrontadas entre si e com os dados estatísticos, históricos, sociais, econômicos.

Todos os elementos do trabalho vieram de fontes sociais, arquivos, bibliotecas especializadas, laboratórios. Aprendi, portanto, a só apresentar um juízo após minuciosa observação de comportamentos, fatos, dados. Nunca escrevi um só livro ou artigo "por ouvir dizer".

Essa frase, cujo conteúdo é a mim atribuído pelo senhor, foi extraída, como deve ter ouvido dizer Vossa Excelência., de Spinoza. No Tratado sobre a Reforma do Intelecto, aquele é o modo mais baixo na hierarquia dos saberes. Vossa Excelência, afeito à produção de dossiês, com base em recortes de jornais (e nossa imprensa, infelizmente, não se notabiliza pela investigação isenta e cautelosa) confunde o vosso modus operandi com o comportamento científico habitual.

Não foi este modo opinativo que me levou aos considerandos sobre o comportamento público de senadores, na atual quadra da vida brasileira, que faz enrubescer até as pedras.

Voltando à minha pequena história, mencionada acima: durante a ditadura eu lutei pela democracia e pelo Estado de Direito. Fui preso político por bom tempo. Sofri, como os brasileiros em geral, o peso dos censores, dos atentados cometidos contra os que não tinham o comando de batalhões. Verifiquei toda a arrogância dos políticos que se fortaleceram à sombra da exceção. Não foi "por ouvir dizer" que formei uma idéia bastante negativa dos que apoiaram a tirania.

E foi como cidadão que segui o procedimento de Vossa Excelência., que sempre apoiou os mais lamentáveis atentados à democracia, como o fechamento do Congresso, as pressões contra o Judiciário, a intimidação sobre a sociedade civil através dos Atos Institucionais, os decretos secretos etc. Testemunhei tudo isto de um lugar privilegiado, a cidadania violentada, pagando caro os desmandos do regime do qual Vossa Excelência foi campeão.

Quanto à presença de vosso nome em escolas, minhas afirmações também não se originaram "no ouvir dizer". Elas se baseiam em pesquisas cuidadosas como a publicada pelo saudoso baiano, Dr. José de Oliveira Arapiraca (nome de uma só escola no seu Estado). Tive a honra de homenagear aquele grande homem na Câmara dos Vereadores de Salvador, discursando como convidado da Casa, no momento certo. O Dr. Arapiraca, após levantamento feito na Bahia, chegou aos números alarmantes a que me referi na GloboNews, no relativo aos estabelecimentos públicos de ensino. O nome de Vossa Excelência, ultrapassa numericamente, em muito, o de vultos pátrios como Rui Barbosa, Padre Vieira, Tiradentes etc. O dito livro pode ser encontrado com facilidade nas boas bibliotecas universitárias baianas. Não é preciso um levantamento especial para identificar este desvio.

Trata-se, como enuncia o autor, de uso político, para fins de marketing, da coisa pública. Este abuso, no plano espiritual, é tão grave quanto a subtração de bens materiais. Dominar a alma de um povo é um dos piores atentados à democracia.

Finalmente, fico surpreso com o rol dos artistas e intelectuais apresentado por Vossa Excelência em sua missiva. São os mesmos nomes inscritos no Manifesto em vossa defesa, lançado nestes dias. A coincidência indica um fato: existem pessoas, no âmbito da cultura, dispostas às zumbaias e aos rapapés. É triste, mas normal num país ainda não afeito à liberdade. Sua lista e Manifesto trouxeram-se a lembrança do célebre escrito de Julien Benda sobre a traição dos intelectuais.

Desconheço os trabalhos universitários favoráveis à Vossa Excelência feitos na Universidade de Campinas. Acho bizarra esta vossa afirmação, porque pesquisas sérias não são ideadas para definir juízos de partidos e de seus líderes. O rigor e a análise isenta constituem o único fundamento da ciência. E a Unicamp é uma pequena universidade que prima por estes prismas do rigor e da cautela, longe das seitas e das preferências ideológicas. É isto o que lhe dá credibilidade ética e científica, justamente porque nela não se confia o destino da sociedade e dos indivíduos ao "ouvir dizer" ou aos recortes de jornais, mas na lenta e dura pesquisa.

Grato pela sua missiva, digo a Vossa Excelência que tenho pela Bahia e pelo seu povo o maior respeito e admiração. Justo por isto, não tomo uma parcela, por mais expressiva que ela seja, pelo todo.

Atenciosamente, Roberto Romano