segunda-feira, 11 de abril de 2011

Jornal do Terra,

Analistas veem sinal de mudança nos primeiros 100 dias de Dilma
10 de abril de 2011 07h49 atualizado às 07h51

Brasília, 19 de março  - Obama e Dilma se cumprimentam antes de discurso conjunto. Foto: AFP

Obama e Dilma se cumprimentam antes de discurso conjunto
Foto: AFP


Os primeiros 100 dias do governo Dilma Rousseff foram marcados por sinais claros de mudança de atitude da presidente em relação ao governo anterior, principalmente na agência da política internacional. Analistas ouvidos pelo Terra avaliam que a nova postura do governo brasileiro frente ao Irã e o endurecimento na relação com as centrais sindicais durante a definição do salário mínimo pontuam a diferença da petista com seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.

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"Foi um recado bastante claro para as centrais sindicais, de que ela não está disposta a negociar com a faca no pescoço. Caso Dilma tivesse cedido aos seus interesses, elas poderiam se transformar em um verdadeiro Estado dentro do Estado", disse o professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano.

Dilma manteve a política de valorização do salário mínimo vinculada ao Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores, fixando o valor do mínimo em R$ 545, conforme política definida com as próprias centrais. Entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical pressionaram por um valor do mínimo em R$ 560 e, frustradas suas pretensões, flertaram com a oposição.

Em relação à política externa, Romano afirma que o governo federal teve uma postura firme com os Estados Unidos durante a visita do presidente Barack Obama, numa posição de "alinhamento que não é automático". "Dilma disse o que deveria ser dito, com elegância e firmeza, em especial no que tange às relações de comércio entre os dois países", avaliou o professor.

Após a visita do mandatário americano, a presidente brasileira pontuou sua diferença com o antecessor Luiz Inácio Lula da Silva ¿ a representação do País na Organização das Nações Unidas (ONU) ajudou a aprovar uma proposta apoiada pelos EUA para designar um investigador independente de direitos humanos para o Irã, o primeiro em uma década.

Para o cientista político americano e naturalizado brasileiro David Fleischer, a posição mostra coerência de Dilma Rousseff com a entrevista concedida por ela ao jornal Washington Post, no fim de 2010. Na ocasião, a presidente disse que "se sentiria desconfortável se não dissesse nada contra o apedrejamento", referindo-se à postura de Lula no caso de Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada à morte por adultério. "Tem que ter cuidado, as pessoas têm leis, têm regras. Se começassem a desobedecer as leis deles para atender aos pedidos dos presidentes, daqui a pouco haverá uma avacalhação", disse Lula no ano passado.

"Esta é uma mudança significativa, quando vemos que o ex-presidente mandava o representante brasileiro se abster quando se tratava de uma questão ligada aos direitos humanos", diz Fleischer, que é professor da Universidade de Brasília (UnB). Ainda de acordo com o analista, a mudança também é significativa no que toca a relação do Brasil com os EUA.

"Vemos que há uma clara posição de tirar o componente ideológico da política externa, numa tentativa de melhorar sensivelmente as relações com os norte-americanos", diz Fleischer. O professor afirma que as posições que a presidente adotará no encontro dos emergentes (Brics) e a visita à China deve delinear com mais clareza quais serão as atitudes da presidente na relação com os outros países.

Questionado se o discurso da presidente não poderia ter sido mais simpático ao colega Barack Obama em sua passagem no Brasil, condenando a desvalorização cambial na China, Fleischer é enfático. "China e EUA estão igualmente inseridos no contexto que o ministro Guido Mantega chama de 'guerra cambial' (a desvalorização forçada das moedas para favorecer o comércio exterior), sendo inclusive os EUA talvez mais danosos que a China neste tocante. Dilma foi educada em não tocar nesta ferida", diz o cientista político.

"Democracia intocável"
Na avaliação da professora da Universidade de São Paulo (USP) Maria Aparecida Aquino, Dilma mostrou nos 100 primeiros de governo que ¿soube estabelecer excelentes contatos¿ nas relações internacionais, principalmente com a recente vinda Barack Obama, momento em que "soube se colocar muito bem, mas não fazendo parecer aquela velha máxima do que é bom para os EUA é bom para o Brasil".

Dilma mostrou ainda, segundo Maria Aparecida, que mantém "intocável" o tom democrático que marcou os últimos governos. "Dilma mostrou que corre dentro da máxima de que o controle que se exerce sobre a imprensa é o controle remoto", disse a professora, que é coordenadora do programa de pós-graduação de História Social da USP.

De um modo geral, a historiadora vê a presidente como uma pessoa com posições "extremamente firmes", que tem tomado as decisões corretas para manter as conquistas da estabilidade econômica dos antecessores. "Dilma mostra que o Brasil já até passou da hora de adquirir uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU", diz.

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