sábado, 23 de abril de 2011

Jornal do Commercio - Pinga Fogo.

“Não há relação que dure sem reciprocidade”

Publicado em 14/04/2011, Às 3:00

FALA, LEITOR!
Artigo

* Evandro Martins Neto

O PSDB surgiu dum processo dissidente desgastante junto ao PMDB, face a debates constitucionais, programáticos e organizativos durante os anos 1980. Só para ilustrar, estava no DNA tucano a defesa do parlamentarism, gradativamente esquecido pelas gerações políticas subsequentes. Como um partido surgido num contexto dissidente, o PSDB não contava com o enraizamento social nato ao PT.

Logo, a busca pelas camadas populares se daria de forma muito mais difícil, requerendo das lideranças partidárias um esforço que deveria reunir fundamentos típicos de qualquer organização em busca de novos mercados, isto é, inovação e criatividade.

Entretanto, o PSDB estava no lugar e na hora certos quando da transição gerencial de Collor de Melo para Itamar Franco. FHC, enquanto ministro fazendário, soube colher os bônus de um equilibrado programa de estabilização, chegando à Presidência.

Os tucanos, ao chegarem ao poder pelas vias do sucesso do Plano Real, conquistaram suas colônias férteis, não carecendo mais de qualquer inovação na busca pela sobrevivência. Logo, o partido entrou numa zona de conforto perigosa. Enquanto isso, o PT fazia suas reformas organizacionais, modernizando-se e inovando, ou seja, se enraizando por setores esquecidos. O PSDB cada vez mais assumia feições de um partido liberal nos moldes do Conservador de Thatcher, Já o PT, rumava ao centro, tornando-se mais social democrata do que os próprios tucanos.

Outra dificuldade enfrentada pelo próprio PSDB diz respeito aos meandros internos da organização. O loteamento de alguns “diretórios burocráticos” (nas palavras de FHC) entre líderes desconectados das origens tucanas, de natureza ruralista, oligárquica em essência, contribui para o empobrecimento do debate programático partidário e o afugentamento dos formadores de opinião e das massas urbanas, desejosas de participação, base de qualquer democracia. Em São Paulo, berço tucano, cujo diretório é mais aberto ao debate, onde as lideranças conservam conexão com o passado partidário, o PSDB mostra uma longevidade não observada em outros entes federativos.

Enfim, o PSDB realmente carece de uma reestruturação. Porém, esta não se dará ao largo das bases, amparada exclusivamente em marketing. Pois se assim for, o resultado será o seguinte: uma captação de setores proeminentes e das massas urbanas identificados com as velhas bandeiras tucanas, esbarrando em seguida num muro colossal dominado por uma autocracia organizativa que não pretende ceder, sequer um milímetro, em prol da oxigenação organizativa, uma vez que estes profissionais da política alocam interesses que vão além da virtude democrática.

Mas não fujamos das palavras de FHC. Pois os apontamentos do ex-presidente miram erroneamente para determinados setores. Partidos como o PSDB, detentores de um capital eleitoral acima dos 40 milhões de votos, não podem se comportar como um “partido de notáveis” ou catch all. Muito pelo contrário. Exceto se o próprio PSDB abdicar da polarização com o PT e assumir uma feição federalista, isto é, de disputas regionalizadas, abandonando a arena nacional pelas arenas estaduais e municipais, como fez o PMDB após 1989.

Por fim, me chama a atenção, FHC demonizar os chamados diretórios burocráticos em favor de uma participação massiva dos líderes em terrenos virtuais, como as redes sociais. Porém, mais uma vez o sociólogo peca. Pois a participação nos chamados “diretórios burocráticos” por parte dos mais variados setores sociais é uma forma de desburocratizar os mesmos diretórios. Salvo se o ex-presidente enxerga as classes média e popular somente como clientes a serem conquistados, unicamente capazes de dar seus votos. Se esta visão elitista e excludente não for revista, o PSDB irá replicar o que acontece com tantos outros partidos. Veja o exemplo do PV. Os verdes são capazes de jogar pelo ralo o expoente Marina Silva apenas para não dividir a milionária estrutura partidária, diga-se, financiada com recursos públicos (Fundo Partidário).

Mudança não se faz apenas com retórica. Ou se rompe com as mazelas do atraso, algo realmente doloroso, ou mantém-se um discurso vago, atrativo aos alienados. Mas até estes esbarraram no muro da autocracia partidária. Não há relação que dure sem reciprocidade. E é isto que os líderes organizativos de hoje exigem das classes urbanas, ou seja, apoio incondicional sem direito a participação, sem direito a vez e voz. Uma forma de dar uma guinada nesse gerenciamento partidário autocrático é torná-los juridicamente entidades de direito público, ao invés de privado. Somado a um conselho externo fiscalizador, dando transparência às ações administrativas partidárias. Essas reformas não seriam determinantes na mudança de imagem que os partidos gozam, mas seria um passo importante.

*Prof. Evandro Martins Neto é fundador da Politik Consultoria e leitor da Pinga-Fogo