quinta-feira, 17 de março de 2011

Marta Bellini.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Inside job


Três anos depois da crise, bancos americanos criam novo sistema de abusos

Paul Krugman The New York Times


Pôster do filme "Trabalho Interno", sobre a crise financeira

Estou entre aqueles que ficaram felizes em ver o documentário “Trabalho Interno” receber um Oscar. O filme nos lembrou que a crise financeira de 2008, cujos efeitos ainda estão afligindo as vidas de milhões de americanos, não aconteceu por acaso –ela ocorreu devido ao mau comportamento por parte dos banqueiros, reguladores e, sim, os economistas.

O que o filme não apontou, entretanto, é que a crise gerou todo um novo conjunto de abusos, muitos deles tanto ilegais quanto imorais. E importantes figuras políticas estão, finalmente, demonstrando algum ultraje. Infelizmente, este ultraje é direcionado não contra os abusos dos bancos, mas contra aqueles que tentam fazerem os bancos responderem por esses abusos.

O ponto crítico imediato é o acordo proposto entre os procuradores-gerais estaduais e o setor hipotecário. Esse acordo é uma “sacudida”, diz o senador Richard Shelby, do Alabama. O dinheiro que os bancos seriam obrigados a alocar para modificação de hipotecas seria “extorquido”, como declara o “Wall Street Journal”. E os banqueiros alertam que qualquer ação contra eles colocaria a recuperação econômica em risco.

Tudo isso apenas confirma que os ricos são diferentes de nós: quando eles infringem a lei, são os promotores que vão a julgamento.

Para se ter uma ideia do que estamos falando aqui, veja a queixa impetrada pelo procurador-geral de Nevada contra o Bank of America. A queixa acusa o banco de atrair famílias para seu programa de refinanciamento de hipoteca –supostamente para ajudá-las a manter suas casas– usando falsos pretextos; dando informações falsas sobre as exigências do programa (por exemplo, dizendo que devem dar calote em suas hipotecas antes de receberem o refinanciamento); burlando as famílias com promessas de ação, depois “enviando notificações de execução hipotecária, marcando datas de leilão e até mesmo vendendo as casas dos clientes enquanto estes aguardam por decisões” e, em geral, explorando o programa para se enriquecerem às custas dessas famílias.

O resultado final, acusa a queixa, é de que “muitos consumidores de Nevada continuam pagando hipotecas acima de sua renda, esgotando suas economias, seus fundos de aposentadoria ou os fundos de educação dos filhos. Além disso, devido às garantias enganadoras do Bank of America, os consumidores aceitam vendas a descoberto e deixam passar outras opções para minimizar suas perdas. E aguardam ansiosamente, mês após mês, ligando para o Bank of America e apresentando a documentação repetidas vezes, sem saber se ou quando perderão suas casas”.

Ainda assim, coisas como essas só acontecem com perdedores que não conseguem pagar suas hipotecas, não é? Errado. Recentemente, Dana Milbank, o colunista do “Washington Post”, escreveu sobre sua própria experiência: um refinanciamento rotineiro de hipoteca junto ao Citibank de alguma forma se transformou em um pesadelo de taxas cotadas erroneamente, cobrança indevida de juros e congelamento de contas bancárias. E todas as evidências sugerem que a experiência de Milbank não foi incomum.

Note que não estamos falando sobre práticas de negócios de operadores irresponsáveis; nós estamos falando sobre duas de nossas três maiores empresas financeiras, com aproximadamente US$ 2 trilhões em ativos cada. Mas os políticos querem que você acredite que qualquer tentativa para fazer com que esses gigantes bancários abusivos façam uma restituição modesta é uma “extorsão”. A única dúvida real é se o acordo proposto sai barato demais para os bancos.

E quanto ao argumento de que cobrar dos bancos ameaçaria a recuperação? Há muito que ser dito sobre esse argumento, mas nada de bom. Mas permita-me enfatizar dois pontos.

Primeiro, o acordo proposto apenas pede por modificações de empréstimos que resultem em um maior “valor líquido presente” do que a execução hipotecária –isto é, oferecendo acordos que são de interesse tanto para os proprietários de imóveis quanto para os investidores. A verdade ultrajante é que, em muitos casos, os bancos estão bloqueando esses acordos mutuamente benéficos para que possam continuar cobrando taxas. Como acabar com esse assalto pode ser ruim para a economia?

Segundo, o maior obstáculo para a recuperação não é a condição financeira dos grandes bancos, que já foram resgatados uma vez e agora estão lucrando com a percepção de que serão resgatados se alguma coisa der errado, mas sim o excesso de endividamento dos lares somado à paralisia do mercado imobiliário. Fazer os bancos solucionarem as dívidas hipotecárias –em vez de enganar as famílias para extrair alguns poucos dólares a mais– ajudaria, e não prejudicaria, a economia.

Nos próximos dias e semanas, nós veremos muitos políticos pró-bancos condenando o acordo proposto, afirmando que é uma questão de defesa do Estado de direito. Mas o que estão de fato defendendo é o oposto –um sistema no qual apenas os pequenos têm que obedecer à lei, enquanto os ricos, especialmente os banqueiros, podem enganar e trapacear sem consequências.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Paul Krugman
Professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de economia em 2008