quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Outro dia falei dos fanáticos, da esquerda e direita, que usam aspas para falar deste seu servo (nada humilde, não sou hipócrita)...boa leitura!

As feras do mundo político

Roberto Romano

“Duas coisas a burguesia nos legou, e delas não podemos abrir mão: bom gosto e boas maneiras” (Vladimir Ulianov, conhecido como Lenine). Nos anos sessenta do século vinte, nas ciências humanas produzidas na França, surgiu o modelo estrutural de pesquisa. Conduzindo ao paradoxo teses como as de E. Durkheim, era dito que o sujeito nada mais é do que ilusão pré-científica. Jogados na ideologia inconsciente, os humanos não cogitariam algo original. Em vez de pensarem, seriam pensados pelas estruturas sociais. Em L. Althusser, quando não fala a ciência, o locutor real é a ideologia que deve ser suprimida. O alvo do ataque era, já se percebe, Sartre e demais escritores nos quais existe o privilégio da consciência e da subjetividade como fontes da ação livre.

Quem pensa nos indivíduos? As classes sociais, a sociedade no seu todo, o partido... O doente de ideologia não fala, é falado. Sartre distingue entre o ideólogo e o filósofo. O primeiro repete jargões. O segundo abre vias novas na língua ou nos estilos. O ideólogo cede seu nome ao Partido, Igreja ou seita. O filósofo recusa o chicote disciplinar dos coletivos indicados. Daí o ódio dirigido contra ele pelos partidos, cujas diatribes são repetidas, empobrecidas e pioradas, por energúmenos.

Na semana passada experimentei o quanto é correta a tese sobre os militantes educados por ideólogos (na Grécia, os “sofistas”) que não pensam, repetem vitupérios para “testemunhar a verdade”, monopólio de sua facção. Convidado pela revista Época para debater com o ministro Jorge Hage sobre se melhorou o combate à corrupção no Brasil, tive a temeridade de assumir a resposta negativa. Conheço o Dr. Hage, o admiro e respeito. Mas apesar das convergências entre nós, temos diferentes juízos sobre a ordem política.

Apresentei a idéia de que o centralismo das políticas públicas gera corrupção. Desci a minúcias sobre o elo entre municípios e Brasília. Na réplica, o Dr. Hage escreveu: “Debater com o Professor Roberto Romano é um prazer e uma honra. É, acima de tudo, uma garantia de debate limpo, sério e de alto nível. Nesta réplica, na verdade, não tenho o que contestar na excelente análise da formação histórica da nossa “federação”, sobretudo da fragilidade dos nossos municípios”. Critiquei a excessiva partidarização do problema na escrita do responsável pela CGU. O ministro diz, nas considerações finais: “Quero também dirigir meus cumprimentos ao Professor Roberto Romano pela sua postura sempre elegante ao travar este debate de maneira franca, séria e leal. Comungo, como já tive oportunidade de afirmar, de várias das opiniões reveladas pelo Professor Romano. Essencialmente, divirjo apenas da sua insistência em não reconhecer os avanços ocorridos no Brasil nos últimos anos nessa área”. Palavras polidas. Mas repetidores de xingamentos rompem a cerca do decorum e tentam transformar um debate em assassinato moral. Dou um exemplo, entre dezenas: “(...) Queria aproveitar a oportunidade e parabenizar ao Sr. Ministro Jorge Hage, pelo texto muito bem escrito e com muita ética! E queria comunicar a equipe da ÉPOCA, que substituíssem o professor Roberto Romano, e colocassem alguém com mais competência e ética para debater,alguém com mais argumente e que tenha mínima noção de política. Pois eu na verdade tenho dúvidas se melhorou, entretanto o Prof° Roberto não sabe o que escreve, motivo esse que atrapalha quem está em dúvida! Estude e leia mais, por gentileza, Roberto Romano ! Débora Garcia Lopes de Aparecida | São Paulo” (Deixei intactos os erros de digitação, pois todos podem cometer tais deslizes, eu inclusive).

Acredito terem boas razões os estruturalistas, para afirmar que os movidos pela ideologia ou pelas paixões subjetivas, não pensam, são pensados... O bom do final é que, apesar de não possuir a maioria das opiniões, os que defendem o governo federal e os oposicionistas, salvo as exceções mencionadas, redigiram textos racionais. O que traz esperanças de que no Brasil ainda existam pessoas inteligentes e capazes de conviver com as diferenças. Com bom gosto e boas maneiras.