sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Um artigo antigo, sobre um texto antigo de minha autoria, mas muito, muito, atual (leia a entrevista de Nicolelis, cap-tirado de Marta Bellini)

Ocupação da Reitoria: fascismo ou resistência democrática?

31/12/2009

Caro Mário,

Escrevi este texto em 2004, usando como argumento o texto do Prof. Roberto Romano.

Abraços,

Celso

Ocupação da Reitoria: fascismo ou resistência democrática?

Após a ocupação da reitoria da Unicamp pelos alunos no dia 02 de julho de 2004, várias manifestações de repúdio foram feitas por ilustres membros da comunidade universitária.

Uma citação recorrente é que a universidade é uma instituição democrática e republicana e que o ato dos alunos foi anti-democrático e fascista e portanto um atentado à democracia e a própria instituição republicana que é a universidade.

Após ler atentamente todas as manifestações, algumas perguntas devem ser feitas.

É a universidade brasileira, em especial as paulistas, democráticas? Podemos afirmar, categoricamente, que as universidades são de fato instituições republicanas? Para responder estas perguntas lembrei de um excelente artigo publicado na Folha de São Paulo – Tendências/Debates 1-3, de 19/10/1999, intitulado “Escândalos no mundo universitário” do Prof. Dr. Roberto Romano.

O Prof. Romano alerta que, infelizmente, – “há um bom tempo, os setores acadêmicos entraram numa fase decisiva para a sua vida ética: a renovação dos fins universitários.”

No artigo, o Prof. Romano faz inicialmente uma afirmação reveladora sobre a nova função dos professores – “No mundo todo, desde que Margaret Thatcher impôs as regras da avaliação neoliberal às venerandas Oxford e Cambridge, o imperativo categórico dos professores resume-se a arrecadar dinheiro para manter imensas estruturas (laboratórios, bibliotecas, prédios, etc.)”.

Levando em conta essa nova função dos professores, o Prof. Romano discorre sobre a importância desta nova classe nas universidades – “O correlato dessa faina é a preparação dos pesquisadores para a venda do que se produz naqueles setores. Segundo um analista do fenômeno, entre as pessoas mais importantes nas universidades está o indivíduo que amealha verbas, públicas ou particulares.” E continua – “Enquanto isso, os docentes assumem o papel de ambulantes que seguem pelo mundo inteiro, angariando lugar na mídia, vendendo o logotipo de sua instituição para o público e para quem decide sobre os orçamentos.”

A existência desse tipo de pesquisador na universidade faz que a mesma altere a sua função e a sua própria concepção. O Prof. Romano magistralmente escreve – “Hoje, as próprias universidades se definem como sôfregas concorrentes, numa guerra sem regras e sem respeito, tendo em vista os recursos. A “boa” administração, científica ou pedagógica, é a eficaz nesse plano. A “excelência” acadêmica mede-se com o número de entrevistas fornecidas pelos professores. Vencem os núcleos que dominam a propaganda.”

Essa anomalia na função das universidades públicas estabelece o fluxo forçado dos recursos para o financiamento do sistema universitário. Como escreveu o Prof. Romano –“Assim, mais dinheiro é dado aos departamentos colocados no topo das listas de avaliação regidas pelo marketing. No mesmo passo, “os mais pobres, ou os que ainda estão se desenvolvendo, permanecem famintos de dinheiro (…). Em longo termo, isso permite a concentração de recursos nos centros de alto desempenho, encorajando o sumiço de departamentos, até mesmo de universidades, percebidas como fracas” (Bill Readings, “The University in Ruins”, Havard Um. Press, 1996).”

Após esse longo relato, podemos concluir que a universidade pública brasileira está longe de ser democrática e segue exemplarmente o receituário neoliberal. Afinal, como escreveu o Prof. Romano – “Os governos brasileiros, no plano federal e nos Estados, cortaram recursos para instituições de ensino superior. No mesmo passo, os salários dos professores foram congelados. Numa sociedade onde não existe o investimento particular, a fundo perdido, nos campi, também definharam os meios oferecidos para a pesquisa fundamental. A receita salvadora, oferecida aos pesquisadores brasileiros, é a mesma imposta por Thatcher aos ingleses: buscar dinheiro onde ele se encontra, no mercado, na “parceiras com a iniciativa privada.””

Mas o que dizer da universidade como instituição republicana balizada no Ensino, na Pesquisa e na Extensão?

O Prof. Romano discorrendo sobre o que se tornou a Extensão Universitária, escreveu – “A atividade de extensão, um esteio da universidade hoje em ruínas, tornou-se o caminho de professores em busca de recursos.

No mesmo tempo, surgiram os “núcleos”, os “grupos”, os “centros”, entidades não raro fantasmagóricas e sem determinação jurídica responsável, servindo como instrumento na luta pela melhoria dos orçamentos familiares ou, se ainda existe certa ética, de laboratórios e bibliotecas sucateados.”

A conclusão do artigo é implacável com a universidade pública e propõe que a instituição universidade pública seja controlada pela sociedade. O prof. Romano alerta – “Sem esse pano de fundo é impossível entender a enxurrada de fatos escandalosos envolvendo a vida universitária.” E propõe uma comissão de controle externo dos recursos públicos alocados nos campi, oficiais ou particulares. “A comissão seria composta por representantes de Executivo, Legislativo e Judiciário, além de representantes da própria universidade e dos segmentos sociais”

Após ler atentamente o artigo do Prof. Romano, podemos ser mais tolerantes com os alunos que ocuparam a reitoria, afinal o que é um vidro quebrado, uma parede pichada perante as questões tão relevantes levantadas pelo Prof. Romano, que atingem diretamente a essência da universidade pública brasileira, sendo que o próprio autor adverte – “(se)…a política científica brasileira não assumir novos rumos os escândalos universitários serão cada vez piores, até que nada reste da autoridade ética e moral, base mínima do comportamento nas universidades.”

Uma última pergunta que fica – Será que a revolta dos alunos não tem a ver com as mudanças que as universidades públicas estão passando e será que os alunos não são os últimos pilares da resistência democrática em defesa da universidade pública?

Celso Ribeiro de Almeida

12 de julho de 2004


Celso Ribeiro de Almeida
Químico do Instituto de Biologia – Unicamp
Doutor em Ciências – Área de Concentração: “Energia Nuclear na Agricultura”