quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

IHU-UNISINOS.Para mostrar que não apenas em política civil existe a corrupção....

4/7/2010
Vaticália: a nobreza sombria do Vaticano

Pessoas do entorno do Papa estão envolvidas nos escândalos de corrupção da Proteção Civil e da Propaganda Fide. Nasceu um sistema de poder misto que mescla o leigo e o religioso, a Igreja e o Estado, a Itália e o Vaticano, a Cúria com a elite civil.

A reportagem é de Miguel Mora, publicada no jornal El País, 27-06-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Os Gentis-Homens de Sua Santidade fazem parte da família pontifícia como o comandante da Guarda Suíça ou os clérigos que trabalham com o papa. Antes, se chamavam Camareiros de Capa e Espada, e havia os secretos e os de honra. Em março de 1968, dois meses antes que fosse proibido proibir em Paris, Paulo VI, em Roma, aboliu a Corte Vaticana e criou os Gentis-Homens. Montini escreveu com um toque de pena: "Tanto na Igreja inteira, especialmente depois do Concílio Ecumênico Vaticano II, como na opinião pública mundial, abriu caminho uma mais atenta, digamos mais zelosa, sensibilidade sobre a preeminência dos valores puramente espirituais, uma exigência de verdade, ordem e realismo com relação ao eficaz, funcional e lógico, diante do que é só simbólico, decorativo e exterior".

Morto o patriciado, parecia que a modernidade havia chegado enfim ao Vaticano. E o Papa tentava explicar isso "motu proprio": "Nossa antiga e benemérita Corte – que agora será designada unicamente com seu original e nobre apelativo de Casa Pontifícia – continuará resplandecendo em seu prestígio autêntico, compreendendo eclesiásticos e leigos que, além de sua particular competência e autoridade, se distingam por seus destacados serviços no campo do apostolado, da cultura, da ciência, das diversas profissões, pelo bem das almas e a glória do nome do Senhor".

Os Gentis-Homens de Sua Santidade não recebem do Vaticano, embora às vezes trabalham dando pompa aos ritos. Vestem-se de preto rigoroso e têm o peitoril do fraque forrado de medalhas. Altivos, fugidios e misteriosos, fazem parte do clube mais exclusivo do mundo e têm o cargo mais alto a que um leigo pode aspirar no Vaticano.

Hoje, o trabalho secreto dessa nova nobreza sombria é muito estimado em São Pedro. Sua "competência e autoridade" e seus "destacados serviços" representam ações beneméritas para a Santa Sé. Em alguns casos, se diria que o requisito básico para entrar no clube é ajudar a engordar as arcas do Estado pontifício, o paraíso fiscal mais rico, melhor decorado e mais visitado do mundo.

Sistema "gelatinoso"

Alguns gentis-homens são verdadeiros prodígios das finanças. Tomemos por exemplo Herbert Batliner (foto). Nascido em 1928 em Liechtenstein, é considerado pela polícia alemã um dos maiores peritos em criar sociedades fiscalmente obscuras, um grande especialista em lavar dinheiro sujo. Batliner é um dos banqueiros que se movem na sombra das finanças vaticanas. O presidente da Fundação Peter Kaiser trabalha há décadas em silêncio pelo bem da Europa cristã. Pelo menos desde 1970. Foi nomeado gentil-homem por João Paulo II em 1998, e ainda o continua sendo.

No ano 2000, segundo revelou uma recente reportagem do jornal La Repubblica, um empregado do escritório de Batliner entregou à promotoria de Bochum, Alemanha, um CD cheio de dados secretos. Nesse momento, ele foi qualificado como o rei dos evasores fiscais em um relatório do serviço secreto alemão, que definiu o "sistema Batliner" como um mecanismo que durante anos havia subtraído ao fisco pelo menos 250 milhões de euros.

Apesar disso, no dia 9 de setembro de 2006, Batliner se encontrou com o Papa Joseph Ratzinger em Regensburg. Batliner foi até lá para doar pessoalmente à Igreja local um órgão avaliado em 730 mil euros. Sobre ele, pesava uma ordem de busca e captura da polícia alemã. Mas conseguiu entrar no país graças aos bons ofícios da diplomacia vaticana. E não foi detido. Apenas um ano depois, no verão de 2007, Batliner admitiu suas culpas e fez um pacto com o Estado alemão, aceitando pagar uma multa de 2 milhões de euros. Cinco anos antes, a Suprema Corte de Liechtenstein confirmou em uma sentença que Batliner já era, em 1990, o fiduciário do equatoriano Hugo Reyes Torres, indicado como chefe mafioso do narcotráfico, que nesse ínterim foi condenado.

Enquanto Ratzinger prega em suas homilias e encíclicas a ética da economia e clama contra os especuladores e "os sacerdotes que tentam fazer carreira para enriquecer", alguns membros desse clube de cavalheiros parecem fazer o contrário.

Nem todos, é claro. No clube laico papal, figuram 147 notáveis. Embora o título seja vitalício, o Papa pode revogá-lo quando considerar oportuno. Batliner ainda não foi expulso. Mas Angelo Balducci (foto), sim.

Balducci é um engenheiro que durante 25 anos se encarregou de executar as obras públicas na região do Lácio, onde se encontram Roma e o Vaticano. Dali passou para o governo central como responsável pelo Conselho Superior de Obras Públicas. Após uma vida dedicada a melhorar as infraestruturas italianas e vaticanas, Balducci, de 62 anos, vive agora na prisão romana de Regina Coeli.

Desde fevereiro Balducci é o principal acusado no escândalo de corrupção da todo-poderosa Proteção Civil italiana, que por enquanto tem mais de 50 pessoas acusadas ou sob investigação. Desde 2001 até agora, o superministério que depende da Presidência do Governo gastou fundos públicos no valor de 13 bilhões de euros, segundo o último relatório da Autoridade para a Vigilância dos Contratos Públicos.

O dinheiro era gerido pelo chefe da Proteção Civil, o secretário de Estado Guido Bertolaso, também acusado de corrupção, e pelo executor das obras, Balducci, graças a uma argúcia autorizada pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi, para superar a maldita burocracia e enfrentar as emergências com mais rapidez: a licitação de contratos públicos era feita sem concurso, a dedo, abolindo-se os procedimentos comuns.

Esse tratamento especial criou um monstro de mil cabeças. A Proteção Civil de Berlusconi não se encarrega só das calamidades. Também organiza competições esportivas como o Mundial de Natação, cúpulas internacionais como a do G-8, restaurações de museus e teatros e todo tipo de atividades religiosas.

A investigação dos fiscais de Perugia desde o início vinculou a Igreja Católica com a trama corrupta. Descobriu, por exemplo, que o padre Evaldo Biasini, de 83 anos, gerente da Congregação dos Missionários do Preciosíssimo Sangue de Jesus, guardava grandes quantias de dinheiro vivo para o construtor Diego Anemone, a quem os promotores acusam de ter recebido numerosos contratos da Proteção Civil em troca de comissões, presentes e favores de toda sorte, desde massagens em seu clube esportivo até reformas de apartamentos. Desde aquele dia, o idoso Pe. Evaldo passou a ser conhecido como "Pe. Bancomat" (padre caixa automático).

O "sistema gelatinoso", como definiram os promotores em seu texto de acusação, "inclui nomes de grande espessura institucional" e se expande por diversas vias piedosas. A lista de eventos católicos organizados pela Proteção Civil e pagos nesses anos pelo contribuinte italiano é longa, desde o Giro pela Itália do Papa no Ano Paulino, até as exéquias de João Paulo II ou as canonizações do Padre Pio e de São Josemaría Escrivá.

Balducci foi nomeado gentil-homem pelo Papa Wojtyla em 1995. Quinze anos depois, caiu em desgraça, e o Vaticano foi obrigado a cancelar seu nome do Anuário Pontifício. Mas seu pecado, ironicamente, não foi roubar. Balducci só foi riscado da lista quando se tornou público que ele recorria frequentemente a um tenor africano do coral suplente de São Pedro para que este organizasse encontros com jovens seminaristas e sem documentos. As escutas telefônicas interceptadas ao corista e ao gentil-homem eram deste estilo: "Tenho um bailarino da RAI", "Tenho um negro...".

Abuso de poder e excesso de patrimônio

Como Balducci, os cavaleiros papais se destacam por seus contatos, seu poder e seu patrimônio. Na lista, são abundantes os banqueiros, empresários, príncipes, políticos e diplomatas. A Itália encabeça de longe a lista, com 114 gentiluomini. São seguidos pelos EUA, com sete, e Áustria e Espanha com cinco cada um.

Poucos meses depois de chegar ao trono, em 2005, Bento XVI nomeou seus primeiros sete gentis-homens. Embora a doutrina e a teologia sejam os assuntos favoritos do Papa alemão, também lhe preocupa a eficácia organizacional. Nessa primeira lista, apareceu o personagem central das perigosas amizades Igreja-Estado. Trata-se do jornalista e político Gianni Letta (foto), 75, secretário de Estado da Presidência do Governo e número 2 de fato do Executivo de Berlusconi em 1994, 2001 e 2008, mentor e protetor de Guido Bertolaso, herdeiro do estilo e da arte para a tubulação política de Giulio Andreotti.

Curiosamente, o poderoso Letta se converteu em gentil-homem muitos anos depois que o anônimo técnico Balducci. Ex-forense, ex-diretor do jornal Il Tempo e ex-jornalista da Mediaset, vice-presidente da Fininvest Comunicações, supervisor dos serviços secretos e conselheiro externo do Goldman Sachs para investimentos na Itália, Letta é talvez o único berlusconiano que adora negociar. Ele se dá bem com todos, e comenta-se que é o único político italiano capaz de contentar a maçonaria e o Opus Dei. É o grande mediador, o homem que atende o telefone quando há problemas.

E sua referência na Cúria é Ratzinger. "Sob sua aparência de homem religioso, a fatura que Letta passa ao Vaticano é a mais discreta, mas também a mais cara", afirma o sacerdote e vaticanista Filippo di Giacomo. "O doutor Letta tem tanto poder que se permite nomear bispos à sua conveniência, como fez há alguns meses em L'Aquila ao promover seu amigo Giovanni d'Ercole."

No plano familiar, Letta não está sozinho. Seu sobrinho Enrico é um alto dirigente católico do Partido Democrata. Sua filha Marina é casada com o restaurador Ottaviani: é dele o monopólio dos serviços de bufê da Proteção Civil. Até agora, o nome de Letta só apareceu de forma colateral nas 410 mil ligações telefônicas que os promotores têm depositadas em Perugia. Embora em novembro de 2008 tenha sido imputado por abuso de poder e estelionato em um assunto que parece diferente, mas não é tanto assim: supostamente, fez a mediação em favor de uma cooperativa do movimento Comunhão e Libertação para a contratação de um centro de assistência para imigrantes.

Quando foi revelado o caso da Proteção Civil, o Papa dedicou a Letta um "pensamento especial" durante um discurso público. Coisa incomum, que significa: é um amigo. Como se explica essa condescendência em um Papa tão estrito?

Sujeiras, corrupção e limpeza

Segundo o filósofo Paolo Flores d'Arcais, o problema de Ratzinger é que está preso em um dilema existencial e histórico. "Estou convencido de que sua vontade de limpar a Igreja dos dois pecados capitais, sexo e dinheiro, é séria", diz o diretor da revista Micromega. "Sua linha é a do Concílio de Trento: dogmatismo até à morte e ataque aos comportamentos imorais. Ele quer acabar com os padres pedófilos e os prelados corruptos. Mas fazer isso supõe o impossível: sentar Wojtyla no banco dos réus. E isso não é tão fácil quanto pedir perdão pela condenação de Galileu. Representaria reconhecer que seu antecessor encobriu Marcinkus (presidente do Banco do Vaticano IOR entre 1971 e 1989) e Marcial Maciel (dirigente dos Legionários de Cristo). Limpar de verdade o obrigaria a revelar sujeiras a granel e a demitir meia cúria. Mas se não fizer isso, a Igreja continuará perdendo credibilidade. Esse é o seu dilema."

Letta é o eixo da aliança de Berlusconi com o cardeal Camillo Ruini, ex-chefe da Conferência Episcopal Italiana e criador do projeto cultural que ajudou a arrebatar da esquerda a hegemonia intelectual e informativa na Itália. Quando a Democracia Cristã desapareceu em 1993 sob o terremoto de Tangentópolis (o escândalo das comissões dos partidos), seus componentes se distribuíram entre a Forza Italia e a católica Margarita da centro-esquerda. Depois, o católico Romano Prodi nomeou Guido Bertolaso como chefe da Proteção Civil em 1996. E o católico Francesco Rutelli, ex-prefeito de Roma, pôs para trabalhar juntos Balducci e Bertolaso no Ano Santo do Jubileu.

Ali nasceu o sistema gelatinoso. O cardeal Crescenzio Sepe (foto), que acaba de ser denunciado por corrupção, era o secretário-geral do comitê organizador do jubileu. O Ano Santo foi uma maionese de negócios, obras, subvenções, presentes, silêncios e favores que ligou altos funcionários públicos à cúria da Opus Dei e dos Legionários de Cristo.

Protegido de Wojtyla, Sepe, agora arcebispo de Nápoles, foi entre 2001 e 2006 o responsável pela Propaganda Fide, hoje chamada de Congregação para a Evangelização dos Povos. É o ministério vaticano que se encarrega de financiar as missões e de administrar o patrimônio imobiliário do Vaticano. E seu principal assessor era Angelo Balducci.

A acusação afirma que o cardeal Sepe concedeu de graça um dos 2 mil apartamentos que a Propaganda Fide possui em Roma ao chefe da Proteção Civil, Guido Bertolaso. E que, além disso, vendeu em 2004 um luxuoso palacete romano a preço de banana (entre 3 e 4 milhões de euros, quando valia 9 ou 10 milhões) ao então ministro de Infraestruturas, Pietro Lunardi, também acusado formalmente por essa operação. A hipótese dos promotores é que, em troca, Lunardi financiou, com dinheiro estatal da sociedade Arcus, obras milionárias da Propaganda Fide que nunca foram realizadas.

O cardeal se defendeu acusando seus superiores: "A administração vaticana aprovou todas as operações", disse. E insiste em se considerar um mártir: "Trabalhei sempre com transparência e pelo bem da Igreja, uma Igreja sempre perseguida". Segundo Sepe, foi Francesco Silvano, outro de seus assessores na Propaganda Fide, membro da Comunhão e Libertação e atual ecônomo do arcebispado de Nápoles, que lhe recomendou emprestar e vender as propriedades.

A investigação revelou que os apartamentos são o principal objeto de intercâmbio de favores entre a Itália e o Vaticano. Chefes dos serviços secretos, da Polícia Fiscal, dos Carabineiros, magistrados, políticos, empresários e o próprio Bruno Vespa, o jornalista preferido de Berlusconi e de Wojtyla, vivem ou viveram em apartamentos da Propaganda Fide.

O cardeal Sepe foi afastado da Propaganda Fide por Bento XVI, no que hoje parece ser uma tentativa de afastar a Cúria italiana e a Comunhão e Libertação da gestão imobiliária. Depois de cinco anos de papado, é um segredo em voz alta de que Ratzinger não confia em sua Cúria, com exceção de um pequeno punhado de fiéis. Embora tenha substituído o núcleo duro de Wojtyla, o governo vaticano continua nas mãos de grupos como a Opus Dei – seus porta-vozes se empenham em negá-lo –, a citada Comunhão e Libertação e os Legionários de Cristo, embora hoje esteja prestes a desaparecer como movimento carismático para pagar pelos crimes de seu fundador.

Os movimentos eclesiais ganharam peso no Vaticano desde o último Concílio. Aparentemente solidários, lutam pelo controle dos melhores cargos e negócios, e na disputa esquecem aquilo que for preciso do Evangelho e se dedicam a um ajuste de contas permanente, enquanto os fiéis assistem atônitos ao espetáculo.

Presença dos leigos

Os leigos eclesiásticos controlam amplos setores da política, da informação, da administração, da caridade, da educação, da saúde e da magistratura. Em Roma, exercem uma influência cada vez maior, em estreita e democrática conivência com a centro-direita ateia-devota, mas também com a lânguida oposição do Partido Democrático e da Cúria dos bons e felizes tempos do Papa viajante.

A fragilidade das ordens religiosas, castigadas pela escassez de vocações, favoreceu a sufocante presença dos leigos. "Em 1998, Ratzinger estimulou a integração leiga durante um congresso organizado por Wojtyla", lembra Paolo Ciani, membro da Comunidade de Santo Egídio, um movimento eclesial que conta com 50 mil voluntários espalhados pelo mundo e só 25 empregados. "Ratzinger releu a experiência das ordens religiosas e monásticas junto com a dos movimentos eclesiais e reconheceu a estes, com seu dinamismo e competência, um papel na Igreja. A mensagem era de que, para sobreviver, era preciso confiar no rebanho fiel".

Hoje a Cúria Romana é uma maquinaria ingovernável e reumática que custa anualmente ao Vaticano 102,5 milhões de euros. A estrutura depende da Secretaria de Estado, uma espécie de conselho administrativo com um presidente (o secretário de Estado) e um diretor-geral (o substituto), as duas únicas pessoas que têm acesso direto ao gabinete do papa. No Vaticano, trabalham 2.748 pessoas. Delas, 778 são eclesiásticos, diante de 333 religiosos e 1.637 leigos (destes, 425 são mulheres).

Os laicos tomaram o poder cooptando bispos e cardeais menos cristãos do que se supõe. "A nulidade da Cúria se deve à sua falta de formação e a seu excesso de italianidade", explica o sacerdote e canonista Filippo di Giacomo. "Das dioceses, o pessoal chega a conta-gotas, porque custa aos bispos enviar seus melhores homens. As ordens, antes reservatório privilegiado de inteligência e talentos, também já lamentam o recrutamento dos seus melhores homens, subtraídos da renovação da vida consagrada para suprir as carências de pessoal em dioceses em que o clero não é suficiente: tornam-se bispos e deixam postos vacantes delicados em seus institutos".

Vaticália

Assim, nasceu um sistema de poder misto que confunde o leigo e o religioso, a Igreja e o Estado, a Itália e o Vaticano, a Cúria com a elite civil. O sistema se baseia em um enorme poder econômico, sensação de impunidade, gosto pela "lei do silêncio" e o encobrimento e a capacidade de infiltração.

A ambição desse sistema é conseguir a fusão fria entre a Itália e Vaticano. Em seus esquemas mentais, essa nova Cúria negociante e carnal não visualiza dois Estados, mas sim um único país que poderia se chamar, abreviando, Vaticália. "Impossível confiar em canalhas que usam Deus para satisfazer sua atrofiada vaidade!", diz o padre genovês Paolo Farinella.

A grande caixa-forte leiga do momento se chama Comunhão e Libertação (CL). Nascida em 1954 e assim denominada desde 1969, está presente em 70 países. Na Itália, controla empresas, meios de informação, dioceses, colégios, universidades, hospitais privados e públicos e inclusive uma holding de cooperativas sociais, a Auxilium, que administra vários centros de identificação e expulsão de imigrantes para o Ministério do Interior.

"Há 20 anos, a CL é o braço clerical da ultra-direita milanesa", explica Di Giacomo. "Sua estratégia é cultural e política. Seus padres povoam os seminários lombardos; seus prelados se mobilizam onde for preciso". Afirma também que seus chefes ideológicos ditam a lei em diversos jornais, e que sua presença é constante em televisões e rádios: "Mandam a torto e a direito".

Roberto Formigoni é há 15 anos presidente da Lombardia, a região italiana com a renda mais alta da Europa, junto com a de Paris-Ile de France. Pertence de pleno direito, e não o oculta, à Comunhão e Libertação. Isso poderia lhe permitir inclusive aspirar a suceder Berlusconi. Nos últimos meses, o governador distribuiu entre os homens da CL, mais conhecida como "I cielini" (os ceuzinhos), os postos fundamentais da organização da Expo Milão 2015. Um paraíso de contratos públicos, privados e mistos, no qual a magistratura já detectou a penetração das máfias.

Quase diariamente vêm à luz novas amizades perigosas. Há poucas semanas, os juízes enviaram uma comissão rogatória ao Vaticano, porque suspeitam que o tesouro oculto do bando gelatinoso pode estar depositado no IOR – o Instituto para Obras Religiosas. E na semana passada exigiram por via oficial os documentos da Propaganda Fide, a imobiliária da Santa Sé.

Embora o trabalho dos promotores seja exaustivo, na Vaticália sabe-se que não será fácil para que eles apurem a verdade. O Vaticano continua sendo um paraíso fiscal, a "concordata" lhe concede amplas cotas de imunidade, e as contas secretas que prosperam à sombra do IOR, da APSA (a Administração do Patrimônio da Sé Apostólica), a antiga Propaganda Fide e um longo número de empresas participantes são o segredo mais bem protegido.

Apesar dos apelos à limpeza de Ratzinger, as coisas não parecem ter mudado muito. Aqui os mistérios se resolvem com tempo. Com muito tempo. Balducci é por enquanto o grande bode-expiatório. Durante 15 anos, ninguém viu nada nem suspeitou de nada: era um gentil-homem, e os sinos tocavam a "lei do silêncio".

Hoje se fala dele, mas logo tudo voltará ao seu normal, e a gelatina continuará se estendendo. Hoje, em junho de 2010, os italianos ainda não têm uma lei para casais de fato; os imigrantes sem documentos são considerados criminosos, e não se respeita o direito de asilo; os homossexuais são agredidos diariamente nas ruas, e as mulheres que querem se submeter à inseminação artificial têm que emigrar.

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