terça-feira, 23 de novembro de 2010

Correio Popular de Campinas

Publicada em 24/11/2010



Fascismo e preconceito


bnrRomano




Na coluna anterior escrevi que acusar os críticos dos poderosos (e de seus chaleiras) de preconceito é tática fascista habitual. Mussolini usou o recurso quando ainda não tinha chegado ao governo. Ele subiu aos palácios gerando espetáculos circenses. A Marcha sobre Roma foi conseguida por ele após o uso de torturas. Uma delas consistia em obrigar os adversários a ingerir óleo de rícino. Mas toda crítica aos portadores da camisa negra era “preconceito”. Seus primos brasileiros, os da camisa verde, também denunciavam preconceito dos que não aplaudiam pantomimas e Anauês hilários. Aliás, um veio saliente dos fascistas é o ridículo, a grandiloquência cômica, a falta do elementar decoro, o que foi bem captado por Charles Chaplin. Eles se movem de maneira pavloviana. Dado um sinal sonoro, uma frase que aprenderam a odiar, salivam ódio e impropérios. Segundo Hobbes, as paixões iniciam os movimentos da fala. Querendo mostrar aos outros saber, opiniões, concepções e desejos, e para isso inventado a linguagem, os fanáticos sobretudo transferem o discurso mental às palavras “porque na maioria dos homens o costume tem um poder tão grande que se a mente sugere uma palavra inicial, o resto delas segue-se pelo hábito e a mente não as acompanha”. “Sou contra Sarney, ACM, Barbalho, Lobão e outros donos de curral”. Ah, seu preconceituoso!

O fascista Carl Schmitt, preso devido às suas “colaborações jurídicas” para o Holocausto, se queixava da “perseguição” judaica e de preconceito contra suas ideias. Seus discípulos de esquerda ou direita, se encurralados por argumentos, jogam substância mal-cheirosa sobre os críticos, acusando-os, claro, de preconceito... Para ficar no fascismo, vejam uma notícia ilustrativa do assunto. Os nazistas de hoje (neonazista é disfarce, o que existiu e existe é nazismo) se queixam de “preconceito” contra seu movimento. Quem quiser, leia o site My Town Crier. ca” (7 de maio, 2010). Título surrealista: “Can nazis be victims of hate?”. Cito a notícia: “Segundo relatório da polícia de Toronto (22 de abril, 2009) nazistas são listados como um dos 27 grupos vítimas de atos criminosos movidos por ódio”. Bernie Farber, do Congresso Judaico Canadense, argumenta indignado: “um nazista jamais pode ser vítima, pois ele sempre é carrasco”. Ninguém respondeu a Farber. Termina a matéria: “um representante da polícia, em Toronto, na divisão contra os crimes de ódio, recusou comentar o relatório. Telefonema para o setor de imprensa da polícia não foi respondido”. Acusar os nazistas de serem... nazistas é cair, segundo os apologetas do politicamente correto, em preconceito. Os cabeça raspada batem, estupram, lavam cérebros, pregam o extermínio dos povos semitas, negros etc. Mas dizer sem mascar as palavras que eles são assassinos é intolerável para os inimigos... do preconceito!

Cito Hegel, queridinho dos totalitários, num texto exemplar que julgo ser uma recaída daquele escritor na honesta razão humana. Hegel é pai dos extremos ideológicos. Na Segunda Guerra a sua doutrina sobre o Estado teve duas vertentes: a comunista e a nazifascista. Nunca ele foi tão lido. Se as leituras são fiéis ou não, pouco importa aos ideólogos, os maquiavéis das cervejarias, pizzarias ou dos palácios. Tais grupos só buscam nomes prestigiosos para suas cantilenas. Me refiro ao texto “Quem pensa abstrato?”. Certa velhota vende ovos na feira. É acusada por bela e doidivanas jovem, de vender mercadoria podre. A macróbia, em vez de provar que os ovos eram sadios, ataca a honra da moçoila... Em cena fantástica do filme Cabaret, um entusiasta de Hitler fecha o “Völkischer Beobachter” e rosna algo sobre a “conspiração mundial dos banqueiros unidos aos comunistas”. O interlocutor lúcido responde à queima roupa: “a única conspiração mundial que conheço é a dos burros”. Denunciando conspirações “do preconceito”, os “camaradas” ordenaram paraísos no século 20, para quem mandava no Estado. Inferno para os submetidos ao seu tacão.