quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Diário do Comércio.

Quinta-Feira, 30 de Setembro de 2010

Política

A propaganda política manipula as massas, com imagens e paixões.


O mundo vive uma época de crise do Estado. É nesse cenário que as crises avançam e aumenta o uso da propaganda política para a manipulação de massas. Aqui, o professor Roberto Romano analisa esse quadro.
Décio Viotto/AE - 19/9/2010 - 20h13



Patricia Cruz/Luz

SÃO PAULO - O mundo inteiro vive, atualmente, uma época de crise do Estado. E, nesse cenário, em vez de se constatar o avanço da democracia segundo um ideário liberal, o que se observa cada vez mais é o avanço das crises e o uso da propaganda política para a manipulação das massas. A análise é do professor de Ética e Política da Universidade de Campinas Roberto Romano, com base na obra de um autor clássico nesse assunto, o russo Serge Tchakhotine, que se exilou na França após a vitória do nazismo na Alemanha, onde vivia na década de 1930.Ao longo das páginas do livro Le Viol des Foules par la Propagande Politique (O Estupro das Massas pela Propaganda Política, numa tradução literal), publicado em 1939 na França, Tchakhotine repete a seguinte constatação: "No máximo apenas 10% das pessoas são capazes de resistir à técnica da propaganda, enquanto os 90% restantes sucumbem ao estupro psíquico". Essa é uma situação considerada gravíssima, "ainda mais em nossos dias ou, talvez, sobretudo na hora presente", afirma Romano.


Tecnologia antiga

As eleições de 2010 no Brasil – centradas na disputa entre a candidata da coligação "Para o Brasil continuar mudando", Dilma Rousseff (PT), e no candidato da coligação "O Brasil Pode Mais", José Serra (PSDB) – se enquadram na descrição de Tchakhotine, como afirma o professor Romano: "O mecanismo de propaganda política tem uma tecnologia solidificada no Brasil, desde Getúlio Vargas. E, nos períodos ditatoriais, a manipulação das massas foi uma constante, sem que nós pudéssemos ter muitas defesas contra ela". "A propaganda eleitoral gratuita" – explica Romano – "surgiu no rádio e na televisão para igualar as oportunidades entre os partidos, mas muito rapidamente virou uma espécie de privilégio dos partidos que têm mais recursos, que recebem mais financiamentos."


Massas virtuais


Além desse recurso, outro fenômeno surgiu e vem se impondo recentemente. Com a televisão e, nos últimos anos, com a internet, diminuem as massas físicas e aumentam as massas virtuais, afirma Romano. "Um comício com 30 pessoas pode ser transformado, na televisão, em uma plateia de um milhão de espectadores. Com a internet, eleva-se ainda mais a complexidade, pois é mais difícil controlar o processo político". Diante desse quadro, o professor de Ética e Política diz que não se surpreenderia se, dentro de 30 anos, não houver mais realidade física em política. É preciso estar alerta, avisa o professor, se não por tudo isso, "pelo menos por respeito à população, ou aos 10% que não aceitam ser tangidos como rebanho pela propaganda, sobretudo quando ela usa truques afetivos". Muita coisa mudou na história e na teoria desde 1939, mas Romano aconselha a leitura dessa obra. Em primeiro lugar, por ser uma das poucas que ostentam lucidez diante do discurso totalitário. E, depois, pelas mais variadas formas autoritárias que estão florescendo com a internet e com a realização de movimentos de massa na Europa, nos Estados Unidos e mesmo no Brasil.


Violência psíquica

Embora não seja um manual, O Estupro das Massas aponta os métodos utilizados por ditadores para sustentar sua influência popular, usando a violência psíquica para deturpar a consciência das pessoas. Romano esclarece que, "desde a primeira página", o livro mostra quem deve ser criticado quando ditaduras sanguinárias assumem o poder. No caso da Alemanha nazista e da Itália fascista, de acordo com o professor de Ética e Política, a imensa culpa coube à esquerda francesa, aos dirigentes ingleses e a todos os que alegaram "razões de Estado" para não agir, justamente quando era preciso lutar contra a tirania escancarada.

As 600 páginas de O Estupro das Massas pela Propaganda Política demonstram, na opinião de Romano, "as bases, as técnicas, os alvos e os meios empregados no marketing comercial e político". Foi o primeiro estudo sistemático do uso da propaganda política pelos governantes, embora essa tenha sido, ao longo da história, uma ferramenta usada para difundir ideias e impor transformações e para que os líderes não só mantivessem, mas ampliassem, sua dominação sobre países e povos em diferentes situações – principalmente em regimes ditatoriais. É nessa condição que a propaganda política atua para legitimar o governo e suas ações.


Sem controle

Mas, adverte o professor Romano, ao serem exacerbados, os estímulos criam, em cada indivíduo, uma máquina do ódio, e transformam a massa em fera. "Foi o que os nazistas fizeram ao elevar o sentimento de combatividade e diminuir o da comiseração."

O limite ético da propaganda se situa no momento em que ela deixa de ser uma simples persuasão."É da natureza humana persuadir. Seja no comércio, na política, na relação entre homens e mulheres, enfim, como forma de se fazer aceitar", diz Romano. A questão é quando se perde o controle, quando não se tem escrúpulos, quando se chega ao máximo – "que é exatamente o que Tchakhotine chama de estupro." O professor Romano afirma que "as chances de conquista aumentam muito quando se usam estímulos que oferecem satisfação imediata". Mas não é só isso. "A Igreja Católica, por exemplo, foi a primeira a perceber que a persuasão passa pelos cinco sentidos. O fiel come a hóstia, sente o cheiro do incenso, vê os santos, escuta a música, sente a mão do padre e as mãos dos demais fiéis, mas a Igreja tem limites."


Uso prático

Segundo Romano, o autor russo levou a sério a importância dos símbolos na guerra política e encontrou meios de neutralizar a suástica. "Ele percebeu que as massas são movidas por imagens e paixões. E em todos os lugares em que seus métodos foram empregados, tornaram-se vitoriosos os candidatos hostis a Goebbels" (Joseph Paul Goebbels, ministro do Povo e da Propaganda de Hitler – 1897/1945).

No Brasil, o livro recebeu o título de A Mistificação das Massas pela Propaganda Política e foi traduzido pelo político pernambucano Miguel Arraes. A única edição saiu em 1967, pela editora Civilização Brasileira. Coincidência ou não, das nove eleições que disputou, Arraes só perdeu uma, em 1998, para governador de Pernam

buco.
Baseado nos trabalhos de Pavlov (Ivan Pavlov, 1849-1936) e usando recursos da psicanálise, da antropologia social, de pesquisas empíricas sobre marketing e outros instrumentos analíticos – como o emprego da cibernética, a partir dos estudos de Norbert Wiener (1894-1964) –, Tchakhotine desenvolveu intensa prática eleitoral.