segunda-feira, 26 de julho de 2010

Correio Popular de Campinas

Publicada em 26/7/2010

Cidades
Cresce doação de órgãos na Unicamp

Apesar de dificuldades, como demora no tempo de decisão da família, índice de rejeição cai

Tatiane Quadra
DA AGÊNCIA ANHANGUERA
tatiane.silva@rac.com.br

O número de doadores de órgãos captados nos seis primeiros meses deste ano pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) praticamente já alcançou os registros de 2009. Já são 70 casos no período. Em todo o ano passado, foram 74. A expectativa da Organização de Procura de Órgãos (OPO) é de chegar a cem neste ano e registrar, assim, um aumento de mais de 25%. Na lista dos órgãos mais doados na região estão as córneas e os rins, seguindo a tendência do País, conforme o Ministério da Saúde.

Os dados demonstram que, apesar das dificuldades que o serviço enfrenta, como a demora da família em decidir pela doação, já que não há um prazo mínimo para isso, o índice de rejeição cai cada vez mais. De acordo com o médico Luiz Antônio da Costa Sardinha, coordenador da OPO, a recusa caiu de 40%, registrados há dois anos, para os atuais 25%. E as variações do índice têm sido sempre para baixo.

Sardinha afirma que o primeiro grande desafio é identificar o potencial doador, já que o diagnóstico de morte cerebral segue um protocolo legal. São necessários ao menos dois exames clínicos, feitos por médicos diferentes e com o intervalo de seis horas entre um e outro, e o complementar, como um eletroencefalograma. “Até aí a família ainda não foi contatada e não abrimos o processo de doação. Isso tudo só inicia após o segundo exame”, explica. “Só aí vem a conversa com os familiares. Caso digam não, pedimos para pensarem melhor e voltamos a conversar outras vezes.”

O médico conta que há casos em que a família só decidiu doar dois dias após a morte. “Não consideramos isso uma dificuldade, mas um direito, porque a família não é obrigada a assinar na hora” diz. “Porém, esclarecemos que, quanto mais demorar, fica mais difícil de aproveitarmos os órgãos. Enquanto isso, tentamos manter o funcionamento através dos aparelhos e remédios. Ocorre que nem sempre isso é possível. A temperatura do corpo, a respiração, tudo muda após a morte cerebral e os órgãos vão deteriorando e podem parar.”

Foi o que aconteceu no caso de um rapaz de 18 anos, que morreu em Indaiatuba na sexta-feira retrasada, um dia após sofrer um acidente de moto. De acordo com a Unicamp e o Hospital Augusto de Oliveira Camargo (Haoc), a mãe foi comunicada às 23h, mas só decidiu assinar a permissão no sábado às 11h40, quando as equipes foram acionadas. Por causa do estado grave, o corpo não aguentou a retirada, os órgãos pararam e foi possível a doação apenas das córneas.

Essa situação aponta para outra dificuldade, o alto índice de perda de pacientes. Após a liberação da família, é feita a sorologia para identificar se o potencial doador tem alguma doença que impossibilite o uso dos órgãos, como chagas, sífilis e HIV positivo. Nesta etapa, alguns já são descartados.

Mas o grande problema é a perda progressiva das capacidades de funcionamento dos órgãos, já que o doador não é um paciente comum, mas um traumatizado. “Perdemos em média 40% das notificações porque os órgãos param antes da retirada. Este ano, do total de 177 potenciais doadores, só cerca de 40% se concretizaram”, revela. “Mas também acontece de abrirmos e verificarmos que, apesar da sorologia ser boa, não dá para usar o órgão.”

Burocracia e logística

O último entrave é a identificação legal do doador. As documentações precisam ser apresentadas pelas famílias e até mesmo mudanças de nomes podem complicar o processo. “As estruturas familiares mudaram muito e temos inúmeras questões que emperram o trâmite, apesar da permissão. Às vezes, um filho autoriza. mas o irmão dele não concorda, ou os pais moram em outro país, ou o marido da mãe do paciente não é o pai e não pode assinar”, exemplifica Sardinha. “Não é um processo burocrático, é legal. E tem que ser para ter credibilidade, porque a recusa da sociedade diminuiu porque ela acredita no sistema, sabe que é sério.”

Depois disso, vem, toda a logística de disponibilização e entrega dos órgãos, inclusive o transporte. Quando eles são retirados, a OPO já sabe para onde cada um vai. Podem ser aproveitados o coração, pulmão, fígado, os dois rins, pâncreas, ossos e córneas. A rede abrangida pela Unicamp é de 124 cidades, mas Sardinha admite que nem todos os hospitais têm estrutura. Contribuem apenas aqueles que tem unidade de terapia intensiva (UTI) e serviços de neurologia e neurocirurgia estruturadas. “Vinte cidades realmente contribuem, ou seja, 15% da área de atuação é doadora. Entre os municípios estão Santa Bárbara d’Oeste, Indaiatuba, Campinas, Valinhos, Vinhedo, Itapira e Jundiaí”, lista. “Para ser transplantador é mais complicado. Tem que ter credenciamento no Ministério da Saúde e atender exigências.”


SAIBA MAIS

O índice de doações cai bastante durante o período de frio, segundo o médico Luiz Antônio da Costa Sardinha, da OPO. Isso porque, os bares fecham mais cedo e as pessoas bebem menos, o que gera menos acidentes. “É uma diferença importante”, diz.


Rins e córneas são os mais captados

Desde que o serviço da Unicamp foi criado, em 1984, já foram registradas 4.786 doações de órgãos até abril deste ano. Destes, 1.715 foram rins e 1.698 córneas. Em terceiro, lugar vem o transplante de medula óssea, com 886 casos e o de fígado, com 478. Apenas 18 doações de coração foram registradas, duas este ano.

A fila de espera por um órgão é única no Brasil e o médico o médico Luiz Antônio da Costa Sardinha, do OPO, afirma que o Sistema Estadual de Transplantes faz cobranças todos os dias, em busca das liberações de famílias. Questionado se as doações ainda estão muito aquém da necessidade, Sardinha relativiza e diz que isso depende da perspectiva. “Se for pessimista, sim, está”, fala.

“Mas o processo de doação começou há 13 anos e o sistema está arrumado mesmo há nove. É muito novo para dizer que é ruim. É totalmente auditável e bancado pelo SUS (Sistema Único de Saúde), inclusive as medicações que o transplantado toma para sempre. E vai melhorar muito. Além disso, nenhum local do mundo cobre a fila toda”, afirma. (TQ/AAN)