quarta-feira, 2 de junho de 2010

Correio Popular de Campinas, 03/06/2010.

Ética, moral, eleições



No Brasil, quando se fala em ética, tal nome recebe conotação positiva. A ética, segundo a mídia e muitos setores acadêmicos, definiria ações recomendáveis. Ela, no entanto, significa o conjunto de hábitos e valores introduzidos num determinado tempo, tornando-se automáticos na consciência. Todo ato humano, gerado por causas externas ou surgido no interior das pessoas, pode ter conotação boa ou má. Muitos hábitos são nocivos à vida espiritual e são conhecidos como “preconceitos”. Doutrinas éticas perniciosas circulam na imprensa e nas cátedras universitárias, nos livros e púlpitos. Daí seguem para as massas. Os nazistas julgavam “natural” perseguir minorias e traduziram em leis costumes éticos hediondos e imorais.

O plano moral importa para testar a veracidade, a bondade do ético. Este último é visível e coletivo: não existe ética individual. A moral também se apresenta coletivamente, mas tem sua força na invisibilidade das mentes pessoais. O juízo moral exige que se suspenda temporariamente o juízo ético, pois é mais exigente do que ele. Os defensores da superioridade ética sobre a moral criticam o “moralismo”, porque esse último afirmaria valores ineficazes que não se efetivam de imediato, enquanto o contrário ocorreria com o ético. Com efeito, a “opinião pública” sempre é infalivelmente ética (o que não quer dizer que ela seja verdadeira). Há casos horrendos de valores negativos, como a falta de respeito pelas leis de trânsito. Tal imoralidade pode ser concebida como um costume sancionado coletivamente. Em tal imaginário, jamais dito, mas cuja prática se determina como “natural” e automática, se alguém possui condições econômicas para adquirir um carro, adquire o direito de matar. Na consciência de boa parte dos atores sociais existe esse “direito” antiético.

Quando o indivíduo rico ou remediado (pode mesmo ser pobre) sobe em seu carro, ele imagina estar acima das “pessoas comuns”, os pedestres. Estes últimos não merecem respeito e amizade, apenas ódio e desprezo. Eles são os inimigos. O mesmo ocorre na política. Os que estão no palácio de governo (retomo as figuras usadas pelo grande Norberto Bobbio) não percebem os que se reúnem na praça pública como seus amigos, mas pura e simplesmente como inimigos que invejam e desejam os mesmos cargos por eles ocupados. Se os motoristas ignoram a lei de maneira ostensiva, os governantes de plantão (numa democracia o governo é temporário, tentativas de mudar tal norma são golpes de Estado) desafiam a legalidade em proveito próprio e de seu partido. Tal ética tirânica traz consequências tremendas, sobretudo em instantes de crise como no caso das eleições.

Sim, senhores: o termo “crise” vem justamente de julgar, decidir por uma via, eleger soluções médicas, políticas, econômicas, religiosas. Na hora da escolha a prudência aconselha não abolir regras estabelecidas, pois elas dão segurança a todos os que lutam pelos cargos. Por imprudência a campanha presidencial brasileira descamba novamente para os ataques pessoais, os vitupérios, os preconceitos. Eleições não decidem quem é brasileiro ou inimigo. Elas escolhem éticas políticas corretas ou nocivas. A fábrica de calúnias, existente em todas as agremiações, deve ser fechada imediatamente, para que se respeite o juízo do povo soberano. Os velhos e novos aloprados que têm mais confiança em arapongas do que nos eleitores, os que usam fichas da ditadura para desqualificar candidatos, todos deveriam seguir regras da lei e da moral e não as suas lideranças. Interessam ao povo as propostas para sair das crises, não vitupérios que levam à violência de todos contra todos. Reduzir o político à guerra é receita fascista. Ela serve para conhecer Carl Schmitt, mas promete desgraças similares ideadas por Francisco Campos que, inspirado no jurista alemão inventou a “Polaca”, assim garantindo as ditaduras que nos desgraçaram no século vinte.