domingo, 28 de março de 2010

Enquanto militantãs vociferam, e caluniam, um juiz aprecia o pensamento de que não dobra a espinha. Interessante.







LIBERDADE E DEMOCRACIA PARA O SÉCULO XXI1


              JOSÉ AUGUSTO DELGADO - JUIZ DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5A. REGIÃO, PROF. ADJUNTO UNIVERSITÁRIO APOSENTADO. SÓCIO HONORÁRIO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO TRIBUTÁRIO.

1. - INTRODUÇÃO

Em terra onde a liberdade é um dogma centralizador de todas as ações do homem, nenhuma honra maior pode ser outorgada a um dos seus cidadãos do que a de ser convidado para, nela, falar sobre liberdade.

Integro-me, assim, com muita alegria, ao contexto histórico celebrado e vivencio a sentimentalidade e as emoções da gente mossoroense pelas comemorações dos 110 anos da abolição da escravatura.

Transformo-me, também, em agradecimentos ao Exmo. Sr. Prefeito Dix-Huit Rosado e ao Sr. Grão Mestre do Grande Oriente do RN, Dr. José de Anchieta Fernandes, pela convocação e elevação do meu nome a este momento. Os laços de amizade e o bem querer a tudo justificam.

A missão recebida há de ser cumprida. Para tanto, hei de considerar que os fatos marcados pelo tempo se apresentam com os seus efeitos e conduzem o homem a um estado de reflexões sobre o passado, o presente e o futuro.

O pensar de que, cinco anos antes da Lei Áurea, os negros ficaram livres da escravidão em Mossoró, é evocar o ontem e permitir ao espírito que recrie tais acontecimentos, para o confronto com o atuar das gerações do hoje e a fixação de princípios para o agir do amanhã.

Não é tarefa a ser cumprida com facilidade, porque se exterioriza o plantado no íntimo de um povo acostumado a cultivar a liberdade. E, como já afirmou Kerginaldo Cavalcanti, em discurso proferido nesta terra, "para se falar a um povo de libertadores, é preciso trazer liberdade no pensamento e no coração!"2

A liberdade hoje cultivada pelo meu pensamento e pelo meu coração foi toda ela aprendida com os exemplos dos homens desta terra e alimentada pelos exemplos de solidariedade humana de seu povo. A ela me entrego, por me envolverem as atitudes dos abolicionistas de 18833 e glorificar o direito daqueles 86 escravos que, em 30 de setembro de 1883, fizeram uso de sua dignidade humana, em face do ato de inteligência que os libertou.

2. - A LIBERDADE DE 1883 VIVENCIADA EM 1993.

O acontecido há 110 anos está registrado na História. Reverencio os que se dedicaram a essa tarefa, como uma homenagem maior àqueles que eternizaram os fatos para todas as gerações. E o faço elegendo a inteligência e a cultura dos mossoroenses para receber a gratidão dos homens do meu tempo, dos homens da época dos meus antepassados e daqueles que, embora hoje sendo bisnetos, netos e filhos, serão, contudo, os nossos dirigentes do amanhã.

Homenageando a inteligência e a cultura dos Mossoroenses, estou reverenciando Vingt-Un Rosado Maia pelo destemor com que se dedica a louvar a trepidez de seu povo e a documentá-lo para o futuro; estou revivendo a saga de Raimundo Nonato; a dedicação à terra e aos amigos de Raimundo Nunes; as primeiras notas sobre os fatos abolicionistas de Almino Álvares Afonso e de Almino Afonso Neto; e, posteriormente, a fidelidade dos registros de Walter Wanderley, de Francisco Fausto de Souza, de Luís da Câmara Cascudo, de João Batista Cascudo Rodrigues, de Américo de Oliveira Costa e de tantos outros que a essa tarefa se dedicaram.

Toda a evolução histórica da Abolição da Escravatura em Mossoró está posta na obra desses destemidos escritores que, em vários momentos, mostraram que o movimento de 30 de setembro de 1883 não foi, unicamente, um ato de emoção, porém, uma decisão daqueles que tinham convicção da necessidade do homem ser livre. Eles nos conduzem também à intimidade do movimento, quando revelam o teor das cartas e de outros documentos abolicionistas e nos envolvem com os cenários geográficos das festas cívicas relativas à data, além de nos mostrar a influência que o amor à liberdade mossoroense, em 1833, teve para os movimentos culturais do passado e do presente.

Não devo, porém, rememorar o que está plantado na consciência de uma gente. Não. No momento presente só é me dado o direito de me alinhar com as emoções vividas nesta terra, percorrer as suas ruas e abraçar a liberdade vivenciada por aqueles que cultivam a dignidade humana. Ouso, apenas, envolver-me com a poesia, por ela ser alimento da alma e permitir ao homem compreender o cotidiano, evocando o canto passado de J. Fabrício, publicado no jornal "O Libertador", de 3 de outubro de 1883:

"Lançai os olhos no mundo...

Que novo quadro de heróis!

- Um povo surge gigante

Das cinzas de seus avós!

O brado da liberdade

Dos lábios da mocidade

Rebenta-se na tempestade,

Em barricadas de sóis!

Moços, um sonho grande

Tem suas realidades!

Nunca se perde do nada,

Não é quimeras...vaidades!

- É a voz do firmamento,

A alma do pensamento,

Que à semelhança do vento

Não tem volúveis idades.

Mossoró sonhou um dia

Um sonho imenso - profundo

E agora se engrinaldando

Entra p'ra o palco do mundo!

Com uma voz de mistério

Cheia de nobre critério

Pelas quebradas do império

Soltou seu grito fecundo!

Mossoró diz às nações

Seu heroísmo e valor

Ergue no viso da glória

Do Nazareno o primor!

Oh! Salve as terras do Norte

Que, em pugilatos com a sorte,

Despreza o terror da morte

Nestes combates de amor!4

Adoto, agora, a conduta dos que procuram facilitar a missão desempenhada. Fujo da glória do passado mossoroense e das alegrias vividas no presente, em comemorar o 30 de setembro, para meditar sobre a liberdade do futuro, a liberdade das gerações do amanhã e que estará presente na democracia do próximo século.

Individualizo-me em reflexões sobre fatos da vida, certo de que tal transcende do plano de sua realidade essencial para se situar na crueza expressa por um estado de espírito, onde a perplexidade domina os sentimentos e faz amadurecerem as idéias. Situo-me no instante contemporâneo, no qual, em determinado segmento da sociedade, o homem se deixa marcar pela primazia das coisas materiais, afastando-se da dignificação dos valores morais, religiosos, sociais e familiares, e só sendo advertido quando ocorre um fato com conotação de realidade profunda, e que o faz se transplantar para um estágio de meditação. Deste envolvimento, extraio a lição de que devo ser consciente dos elos que compõem a corrente que rodeia o exercício das responsabilidades assumidas por cada um nos vários estamentos sociais, representando um desafio à intuição de cada ser humano, uma busca da prova da capacidade de conviver com o presente e de se preparar para o futuro.

Repito que, nas terras mossoroenses, os homens, seus filhos, construíram e sempre constroem liberdades. O meu coração e o meu espírito são levados, em conseqüência, a se encherem de liberdade. Por tal razão, sou conduzido a me entrelaçar com o pensamento exposto por Ariano Suassuna, ao ser entrevistado por Wellington Faria, conforme noticiado em jornais paraibanos. O entrevistador quis saber de Ariano Suassuna qual seria a utopia universal deste final de século, sobretudo no sentido político. O ilustre escritor nordestino, demonstrando a sua visão cosmopolita dos acontecimentos culturais e sociais da nossa época, respondeu:

          "Se não existisse, deveria existir. Teria que ser criada, porque o homem não pode viver sem um sonho. O homem não pode viver sem um sonho de melhoria, e este sonho, para mim, existe, de uma sociedade justa e fraterna, como até hoje não foi feita. Veja que os regimes ditos liberais, burgueses, privilegiaram a liberdade em detrimento da justiça. O socialismo marxista que, no meu entender, é uma deturpação do socialismo, privilegiou a justiça e a igualdade em detrimento da liberdade. Mas, infelizmente, em ambos os casos, foi sempre a liberdade para uma minoria e a justiça para a minoria. Até hoje não se conseguiu fazer organizar uma sociedade na qual a liberdade e a justiça tivessem o mesmo valor para a esmagadora maioria. Esse sonho é tão velho quanto o homem e será ele quem tem de nos guiar nessa abertura do terceiro milênio."

As afirmações de Ariano Suassuna representam o sentimento do povo mossoroense, vontade querida de uma coletividade, e que abre, na quadra final do Século XX, a luta para a conquista do desejado.

A gente mossoroense contemporânea está consciente das marcas que estão sendo deixadas pelo momento atual, onde profundas alterações estão ocorrendo em variados contextos institucionais. O Leste Europeu - Alemanha Oriental, Hungria, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Polônia e Romênia - fulminou o socialismo, muito antes da Rússia, em uma confissão histórica, buscando a economia de mercado. Na Ásia e no Pacífico, constata-se o domínio temporário da região, que é feito pelos países conhecidos como os Tigres Asiáticos, inspirando profundas transformações nos relacionamentos sociais, econômicos e jurídicos.

O crescimento do Japão é uma realidade a ser abraçada pelo final deste Século e um desafio a ser enfrentado pelos países desenvolvidos. A Europa, muito brevemente, derrubará suas barreiras, formando um único bloco produtor e consumidor. Tais e outras transformações, mesmo distantes, refletem os seus efeitos na consciência jurídica nacional, haja vista que impõem mudanças comportamentais e exigem uma evolução do direito com capacidade de regular adequadamente os conflitos surgidos. Impõem uma maior consciência de justiça por, conforme a visão de Norberto Bobbio, se aumentarem as situações em que os Direitos dos Homens são desrespeitados. Setorizando tais preocupações aos limites do sertão que envolvem esta terra, não posso fugir ao imperativo de dividir as minhas preocupações com os meus concidadãos e iguais, que formam a composição desta sociedade, e com todos aqueles que, mesmo sem laços com Mossoró, assumiram o compromisso de sempre cultivar a liberdade pregada e vivida por sua gente.

As preocupações expostas no momento são formadas não só pelas realidades antes evocadas, porém, por constatações vividas, presenciadas, inspiradoras de sentimento de medo e de profunda reflexão para onde irá o futuro do homem que faz a terra, que faz o meio, que sustenta a família, enfim, do homem que é nosso irmão, no usufruir o mesmo clima, de se envolver com mistérios idênticos, não obstante se apresentar em aprofundado desnível social. Falo do homem, do meu irmão do Nordeste, do homem assim que também está em Mossoró. Do peão das caatingas e do sertanejo bravio, fiel a esta terra e solidário com as suas alegrias e vivenciando as suas dificuldades. Falo do trabalhador braçal que se torna amigo do sol e companheiro da chuva, escravo de sua fome e da ausência de ilusões, mas, sempre e sempre, nos dando o suor do seu corpo para que as terras mossoroenses produzam o alimento necessário para sustentar as nossas forças.

Falo da mulher, companheira do homem e dos seus infortúnios, que enfrenta a terra mossoroense queimada pela esperança, mas que não abandona a fidelidade ao seu lar. Por isso, faço como Juvenal Lamartine fez em seu livro "Velhos Costumes do Meu Sertão" e canto, em homenagem à mulher-mãe, à mulher-esposa, à mulher filha, à mulher-sempre liberdade e sempre homenageada por Mossoró, à mulher-lar:

"Louvo a casa da morada,

Porta, bate-bate e portal,

Copiá, tijolo, alpendre,

Terreiro, sala e quintal,

Camarinha, telha e ripa,

Cozinha, caibro e beiral."

Louvo porque é na simplicidade e humildade de casas com tais caraterísticas que, no mais sublime e mais perfeito encontro que Deus permitiu existir entre o homem e a mulher, é que se cultiva o verdadeiro amor e que se constrói a verdadeira liberdade de perpetuar a espécie através de filhos trazidos ao mundo.

Penso, agora, na liberdade do meu irmão pescador, dominador dos mares, controlador dos ventos, testemunho do amanhecer e companheiro do entardecer, que nos ensina a formar o espírito com o domínio do desconhecido.

Não posso me esquecer do homem vivido na serra longínqua e de clima instável, porém, homem forte e desbravador que, com o seu suor, faz crescer Mossoró e, com a sua liberdade, constrói verdadeiras conspirações de amizade, nos permitindo conviver com os seus ideais, sofrer com as suas diversidades e vibrar com as suas poucas vitórias.

Na visualização do irmão-homem que cruza os nossos caminhos hora a hora, dia a dia, sinto o clamor íntimo do meu semelhante, em contraste com o conformismo espelhado, do trabalhador que busca o seu pão na caatinga, no sertão, no litoral e no agreste das terras aqui mencionadas, trocando o seu suor por um salário nunca maior do que o mínimo, muitas vezes menor do que o mínimo, porém, em qualquer situação, sempre incapaz de saciar a fome e de impor a dignidade de sua pessoa, como pretende a formulação posta pelo Constituinte de 1988 no art. 1º, III, da Constituição Federal, a qual ninguém deve se cansar, nunca, de repetir:

          "Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

          I -.........

          II - ........

          III - a dignidade da pessoa humana."

Preocupação de tão grande significação tem o seu curso alongado, quando se sabe que o homem dirigente de outros homens, pelo exercício do instrumento do Poder, no desenvolver a missão que lhe confia o Estado, é um construtor constante da liberdade.

Isso faz com que ele - certo de que atua em nome do Estado e para o Estado - não se posicione como um insensível pesquisador de princípios ou não atue como simples confeccionador de conceitos abstratos. A sua missão é ser um instrumento de atuação da norma vivida em cada momento, sentida em cada estamento social, refletida em cada conflito que lhe é apresentado. O desenvolvimento de tão significativa missão gera uma única subordinação para o homem público. É a de se curvar, unicamente, ao cultivo da liberdade dos homens e valorizar o bem maior da sua dignidade.

Aflige-me saber que, enquanto os homens se tornam cada vez mais hábeis em face da utilização da ciência, tornando-se, assim, mais cultos, mais poderosos, mais dominadores, maiores sãos as dificuldades da humanidade, que não encontrou, até hoje, meios de se livrar da fome, das drogas, dos conflitos pessoais, das ambições das nações, do desvario dos costumes, tudo a desafiar a inteligência do ser humano, como que a espelhar um progresso sem rumo e um futuro de incertezas, diminuindo assim a liberdade do ser humano.

Tenho o dia do amanhã como desconhecido. Uma escuridão pousa em nossos esforços atuais quanto aos efeitos para depois. São fatores que estão a exigir que as nossas energias sejam aumentadas, que as nossas esperanças se potencializem de modo gigantesco e que cada componente da sociedade aumente a sua capacidade de sentir e compreender os problemas jurídicos nacionais, como, em 30 de setembro de 1883, foi entendido ser necessário, para o bem da humanidade e do respeito à dignidade humana, libertar os escravos pela gente mossoroense.

A Nação Brasileira necessita ser acordada para a solução dos seus problemas sociais, políticos, econômicos jurídicos e de direitos fundamentais do homem, ser sacudida com a fé dos que crêem na democracia, na liberdade e na Justiça.

A atividade administrativa de nossos dirigentes, as decisões dos nossos magistrados, as leis construídas pelos nossos legisladores, a conduta individual e social de nossa gente não podem tomar rumos contraditórios.

O contorno da rigidez dos propósitos deve ser conduzido para a implantação da paz, porém, sempre obediente ao ordenamento jurídico e ao princípio de liberdade.

Do homem, qualquer que seja a função que tenha na sociedade, deve sempre se extrair a mensagem maior de liberdade que possa emitir, como o fizeram os abolicionistas de 1883 e como fazem as gerações que, em cada 30 de setembro, comemoram esse feito, para que ela seja acreditada como uma força garantidora da paz para o ser humano, com vida, calor, amor, sentimento e profunda atração em suas raízes.

O homem deve ser sempre o mensageiro direto de impor a paz e a liberdade entre os homens. No construir tais valores, deve-se sempre lembrar o conteúdo da lição que o Exmo. Sr. Ministro Ribeiro da Costa deu ao mundo contemporâneo, ao saudar o Presidente Castelo Branco, citando Miguel Reale:

          "Advirta-se o mundo livre de que a civilização atual exige a organização de um Estado de funções positivas e criadores, não de um Estado amorfo, para além da mera tutela das garantias individuais ou grupalistas, pois, em lugar do livre jogo dos interesses privados, insuscetível de automático equilíbrio gerador de crimes dentro e fora do Estado, o que deve prevalecer é a livre atividade individual ordenada no sistema harmônico de uma cultura de caráter humanista, na plenitude do significado que deve ser atribuído a esta palavra. Ao contrário do que se profetiza como sinal dos novos tempos, o direito, que vai surgindo e se afirmando através das vicissitudes da vida contemporânea, é o direito próprio do Estado que distingue os grupos, mas não os separa, antes os coordena, respeitando-os em suas funções específicas e naturais; do Estado que não visa a suprimir liberdades, mas socializá-las, tudo fazendo para que as liberdades potenciais das antigas declarações solenes se concretizem em situações sociais e se expressem em um crescendo de aprimoramento cultural; do Estado que não se limita ao declarar o direito, mas que, a ele se subordinando, se imponha a si mesmo o dever de não o deixar inatualizado em meras concatenações lógicas e preceitos formais".("in" "Memórias, Vol. II, Miguel Reale, págs. 129 e segs.)

Do homem público está a sociedade a exigir soluções para inúmeros problemas. É o da vigília cansada do aposentado, que forças mais não tem para esperar, mas porque forte o é, pois ao nascer foi bafejado com o sopro invencível de um Deus nordestino, na concretização da esperança da sua fome se tornar menor e do seu lamento não deixar de ser ouvido. É o da aflição da viúva previdenciária, cuja riqueza maior é a prole desnuda e o teto incerto, que espera, paciente e humildemente, pela entrega da prestação previdenciária requerida, cujo acréscimo em seu patrimônio será, tão-somente, o de lhe ser concedida uma pensão que se equipare, pelo menos, aos padrões do salário mínimo, para que a sua velhice tão cantada nos abalos da roça e tão detectada no alpendre da casa, ao olhar para o infinito expressando a sua tristeza, em face dos olhares enigmáticos dos filhos e netos sem rumo e sem amanhã, se torne menos dolorosa.

Na ação dos homens públicos repousa, hoje, a esperança de, um dia, a justiça social perseguida se tornar justiça efetiva, ser justiça concreta, ser justiça real. Em nossas mãos de integrantes e representantes do poder estatal, estão depositados os anseios dos que crêem na paz, dos que sonham com o justo e, muito mais do que isso, dos que, respeitosamente, esperam que de nós seja expedida a solução saciadora da fome ou da extinção do conflito.

A sociedade contemporânea se encontra, de modo acelerado, sendo cercada por uma intensidade de fatos econômicos, políticos, sociais, religiosos e educacionais, que estão produzindo efeitos concretos de larga repercussão. Esses fenômenos detonam uma inquietação social setorizada, pelo que o Estado, como instituição responsável pela regulação da sadia convivência entre os homens, é chamado para impor regras que resultem em harmonia e paz social. A multiplicidade dessas situações vem provocando uma acelerada atuação dos responsáveis pela atuação dinâmica do Estado, a fim de que soluções bastantes sejam encontradas dentro de critérios vinculados ao processamento exigido, para a tomada de uma posição científica, eficaz, efetiva e social.

Em decorrência, nunca se exigiu tanto do homem público como se está a se fazer na quadra atual, visando-se não se deixar a sucessividade do desenvolvimento dos fatos ser acobertada por uma rápida solução, único meio de impor segurança na convivência do homem com o homem, do homem com o grupo social, do grupo social com os vários estamentos que o compõem, dos estamentos sociais entre si, enfim, do homem e do grupo social com o Estado, este voltado, em qualquer de suas ações, para os postulados defendidos pelo regime democrático.

A realidade que se apresenta não pode conduzir a sociedade política a se entregar sem protesto, sob pena de se aceitar, pacificamente, o domínio dessa situação que considero pitoresca e de contribuir para diminuir a capacidade institucional que tem o Estado de se impor, através de seus fatos e atos administrativos, no controle das realidades acontecidas.

O exame do que está ocorrendo ao nosso redor chega a nos colocar em situação de impaciência e até a se pensar na existência de uma ociosidade do Estado, aliada a omissões políticas dos responsáveis pela existência e funcionamento do Poder. Não é, porém, isso o ocorrente. Não há entrega ao domínio do inovador, nem ausência da utilização dos meios de avaliação por parte da elite social política encarregada da missão de acompanhar a evolução dos fatos e de fazer com que o Estado, de forma real e positiva, os regule adequadamente. Há, por parte dos condutores desse processo, uma certeza de que se torna necessário se exigir mais do fenômeno criativo do Estado, para que os interesses não fiquem em estágio germinativo de conflitos, sem uma contribuição para se implantar segurança presente e futura no conviver social.

Algumas sérias dificuldades devem, inicialmente, ser contornadas. De início, há de se afastar a visão de que o meio continental está corrompido. A aceitação dessa atmosfera inibe o trabalho do pesquisador da ciência política e do agente administrativo público, dificultando a sua produção científica e o resultado das atividades-fins, conseqüentemente, o impedindo de pensar tão suficientemente quanto é exigido pelos dias atuais.

O estudioso dos fenômenos políticos-administrativos-sociais e jurídicos não deve aceitar como verdadeira a imagem que se faz de "uma atmosfera intoxicada pela propaganda da nova ordem mundial, que pretende colocar a América Latina em condições piores do que as do período histórico de sua independência, porque sem o contrapeso que, na época, encontrou na ação dos Estados Unidos" (Heráclio Sales, em artigo intitulado "Doutrina Corrompida", Jornal do Brasil, 16.04.92, 1º Caderno, pág. 11).

A ele cabe sediar a sua pesquisa e se encher de ideais e ações na busca de descobrir soluções, no campo da ciência da administração e da ciência jurídica, que acompanhem a evolução dos acontecimentos e que contribuam para a implantação de uma Nação desenvolvida em um "Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias", conforme está previsto no preâmbulo da nossa Constituição.

O administrador público brasileiro, o integrante e responsável pelo exercício do poder estatal se depara com um fim de século onde, ao lado dos maiores avanços tecnológicos jamais conhecidos pela humanidade, há de conviver com fenômenos graves do passado, fenômenos que só tiveram vida no início do século, como é o caso do cólera, do tóxico, da pobreza, da insegurança, das habitações faveladas, do império dos grupos internos perturbadores da paz, do desrespeito à vida humana, da prática constante da imoralidade, valores atentatórios, em toda a sua extensão, ao direito de cidadania e à dignidade da pessoa humana, tudo em decorrência de uma quase omissão das autoridades administrativas em tomar as providências sanitárias, jurídicas e de poder de polícia para prevenir ou acabar com tantos males. Tanto um fato, como o do avanço tecnológico, como os aqui apontados, ambos como exemplos de vários outros, díspares em seus conteúdos de modernidade e de respeito à liberdade do homem, exigem participação do Estado na imposição de regras delimitadoras das condutas das partes com eles envolvidos e na fixação de responsabilidades.

O Estado de hoje, por exemplo, não vive indiferente aos processos atômicos e se dedica, com intensa participação, em tudo que possa ocorrer, do funcionamento das usinas nucleares.

A mesma dedicação e o mesmo interesse devem se voltar para problemas outros que estão afetando a sociedade, em decorrência da quase inércia dos agentes administrativos públicos, por ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil o de "promover o bem de todos, sem preconceitos e origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3º, IV, CF).

A Nação brasileira, no final deste Século XX, está exigindo que sejam criadas regras impositivas a todos os Poderes Políticos da Nação para que façam desaparecer, através de medidas administrativas, as graves condições sanitárias que infestam o País, a ausência de ordem e segurança públicas, o "deficit" de vagas e a baixa qualidade de ensino no campo educacional, o crescente índice de pobreza e outras necessidades vitais para o homem, situações existentes na maioria das áreas do País, sob pena de, ao permanecer o estado atual de insensibilidade para tais problemas, instalar-se a convulsão social e ser ferida a democracia.

Mecanismos administrativos mais fortes deverão ser criados para que situações como a descrita e hoje vividas não se repitam. As regras de relacionamento entre os Poderes devem evoluir no sentido de fixação de co-responsabilidades, em muitas das funções administrativas que obrigatoriamente devem ser desempenhadas. São fatores como o descrito, a título de exemplo, que nos conduzem a uma súbita preocupação com as transformações que necessitam ser implantadas em várias de nossas entidades administrativas-políticas e jurídicas vigorantes ou a serem criadas, para que o teor axiológico da liberdade se torne cada vez mais presente.

O que se pretende defender e demonstrar, com as afirmações acima, é que existe uma absoluta necessidade e conscientização de todo homem público evoluir de forma sistematizada, para que as suas ações produzam, após serem interpretadas e aplicadas, eficácia e efetividade para o bem estar do cidadão.

          3. - O ESTADO EM BUSCA DA FIXAÇÃO DO EQUILÍBRIO SOCIAL.

Não se pode negar a crise vivida pelo Estado de Direito na busca de impor um satisfatório equilíbrio social.

Nos últimos dias, o mundo presenciou os tristes acontecimentos de liberdades ameaçadas que ocorreram no Peru, que, por si só, afetam a credibilidade do homem na força do Estado de Direito. Assistiu-se, de modo estarrecedor, um País atestar, de modo grosseiro, seu lamentável estado de desagregação social, territorial e étnica. O mundo civilizado e democrático, crente das afirmações do Direito, foi testemunha de um dos casos mais críticos reveladores da impossibilidade de uma Nação não se consolidar como adepta de uma democracia liberal. Assistiu-se à derrocada de um regime democrático e se passa a viver o temor do exemplo se repetir em outras Nações, tudo sob o pretexto do atuar administrativo não preencher os anseios queridos pelos administrados.

Negada foi, em tal exemplo e em outros da mesma natureza, a missão do Estado de Direito de ser instrumento de implantação do equilíbrio social. Repetem-se situações já vividas em outras oportunidades. Inexiste, por outro lado, uma reação de ordem internacional que, com apoio, unicamente, em regras positivas de um Direito Internacional Público, impediria a consumação de tão repetidas ameaças e violações às liberdades do cidadão. Não creio, em face da existência de tantos fatos, de igual repercussão, que se possa continuar a defender o conceito de soberania nacional com os mesmos caracteres, como se vem fazendo através dos séculos passados. São situações como a do Peru e outras iguais, que estão a exigir a criação de um Tribunal Internacional com força capaz de executar as suas decisões, evitando-se, assim, que sistemas democráticos de governo sejam facilmente destruídos pela prevalência da vontade de um homem só.

O ocorrido no Peru me faz concordar com o pensamento do filósofo político Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas, de que "é escandaloso o torpor dos intelectuais brasileiros, face ao ocorrido no Peru" (Folha de S. Paulo, 16.04.92, Caderno 1, pág. 3). De modo igual se diga em relação aos juristas que, até o presente momento, têm se omitido, por si e pelas suas representações políticas e sociais, de uma eficaz participação no combater, com idéias, acontecimentos como o acabado de ser narrado.

Convém registrar, pela oportunidade e necessidade da citação, a servir de exemplo para as gerações atuais e futuras, o que relata, com absoluta precisão, Roberto Romano, no artigo já assinalado, cujo título é "O perigo fascista", após mostrar como os intelectuais atuaram após a 2a. Guerra Mundial:

          "Duas instituições garantiram os militantes intelectuais: o Judiciário e a imprensa. Quando a ONU falhou na arbitragem internacional, pensadores com acesso aos periódicos instalaram tribunais simbólicos para substitui-la. Lembremos Bertrand Russel: ridicularizado, ele conseguiu, graças ao apoio jornalístico, apressar o fim de um genocídio. Só foi possível agir em nome da humanidade, sem a ONU complacente, porque, na hora exata dos atos, os "juízes" afoitos tiveram proteção contra os governantes e sua polícia. A imprensa, na sua parte sã, continua lutando em favor das liberdades. Os leitores graves sabem que ela sofre perseguições dos poderes econômicos, políticos, militares. No outro pólo, ainda existem juízes íntegros. Muitos deles são mortos, destituídos, vilipendiados. Não raro, eles vivem na pior solidão , quando seus pares mais timoratos inclinam-se diante da força pública ou particular (Máfia, Sendero, etc).

          Se a imprensa e Judiciário - com as falhas inerentes às instituições plurais - continuam atenuando a barbárie, algo ocorreu com a intelectualidade. Além da Anistia Internacional, e de algumas organizações corajosas, o silêncio é quase absoluto no reino do espírito".

No presente, no campo da atuação do Estado, nos deparamos com cérebros bem comportados que nos levam a deduzir que o bom é se adotar atitudes moderadas e esperar que os fatos, pela expressão de seus próprios efeitos, encontrem a solução.

Penso que, como fizeram os abolicionistas mossoroenses de 30 de setembro de 1883, não deva ser esse o comportamento do homem público e do homem integrante da sociedade de hoje, especialmente, quando, conforme pergunta Roberto Romano , "in" obra já citada, ".......e se esta lógica intacta destruir liberdades, garantias jurídicas, formas vitais de expressão?"

O Estado nunca erra quando se põe na defesa da liberdade; nunca frustra as esperanças da Nação, quando prega a aplicação dos princípios da democracia: foi, é e será sempre o bendito mensageiro do combate ao desrespeito à dignidade humana.

É através da atuação do Estado de Direito que são conquistadas regras novas e atuais para as relações humanas, onde o respeito mútuo é dignificado e se estabelece um sistema de diálogo e franqueza entre os estamentos em conflito, conduzindo a resultados queridos pelo sentimento de um povo.

Por tais razões, deve o Estado de Direito encontrar seus próprios caminhos e, através dos responsáveis pelas suas ações administrativas, todos os homens pensadores e construtores de realidades concretas nascidas de hipóteses, ser a força capaz de implantar o equilíbrio social, tudo fazendo para que os seus regramentos da liberdade, da democracia, do bem estar-social, da dignidade humana, da valorização do trabalho, do combate às populações marginais, não sejam simples utopias, transformando-se, o que não é o desejado, em sonho enganador de uma civilização e veículo frustrante dos anseios de uma geração.

          4. - A CONTRIBUIÇÃO DO ESTADO DE DIREITO PARA QUE EXISTA MAIOR RESPEITO AOS DIREITOS DO HOMEM.


Noberto Bobbio, na obra intitulada "A Era dos Direitos", Tradução de Carlos Nelson Coutinho, observa com absoluta precisão, por dominar inteiramente o campo explorado pela sua inteligência, que o homem do mundo atual está a exigir maior consciência do Estado de Direito, por aumentarem as situações em que os Direitos dos Homens são desrespeitados.

As novas dimensões do direito dos homens que são perseguidas por Noberto Bobbio, na obra referida, foram examinadas pelo Professor Vicente Barreto, da Universidade Gama Filho e da UERJ, em campo de filosofia política, em artigo publicado no Caderno/Idéias, publicado pelo Jornal do Brasil de 21.03.92, de onde destaco a afirmação de que:

          "A leitura do livro do professor Bobbio permite que se possa redimensionar o significado e a abrangência dos direitos fundamentais da pessoa humana, passados mais de 200 anos das primeiras declarações de direitos do homem e do cidadão. Nesses dois séculos, ocorreu um processo de explicitação de valores morais da humanidade, que, para Bobbio, faz com que o atual debate sobre os direitos do homem possa ser interpretado como um "sinal premonitório" desse progresso moral. Bobbio sustenta que, independentemente da discussão sobre o que se entende por moral, houve na doutrina dos direitos do homem uma grande evolução, ainda que submetida a negações e limitações."

A leitura vagarosa da obra de Bobbio revela, o que é bem destacado por Vicente Barreto, no artigo já citado, que a palavra "direitos" vem sendo usada somente com o efeito de se atribuir dignidade a ideais que, na prática, não são respeitados.

Suficiente para se confirmar quanto irrepreensível é essa afirmação, basta ver o quadro levantado por Vicente Barreto, no curso do artigo citado, de países que, atualmente, se encontram desrespeitando, flagrantemente, os direitos humanos.

Repito, em citação integral, o levantamento assinalado, começando pelo Brasil, onde "o assassinato de crianças de rua é uma brutal violência que macula a imagem do país no exterior".

A seguir, o fuzilamento, por Cuba, "de três dissidentes, além da falta de liberdade de opinião e de imprensa, deixa a ilha de Fidel em má situação".

Está viva na lembrança da humanidade "a perseguição e o massacre à minoria curda, depois da Guerra do Golfo", que "tornou o país de Saddam Hussein em campeão de violações".

Do mesmo modo, "a alquimia da abertura econômica com o fechamento político, cujo ápice foi o massacre da Praça Celestial, tira pontos da China".

Por último, Vicento Barreto, no mesmo artigo, lembra o Haiti, expressando-se assim:

          "O golpe de Estado e perseguições políticas são exemplos de que a ameaça comunista pouco tem a ver com violentas ditaduras de direita."

Os acontecimentos registrados são bem recentes. Não receberam, como mereciam, uma ruidosa manifestação de desagrado dos cientistas do direito e dos que estudam as funções do Estado, nem dos órgãos que tratam em declarar as garantias fundamentais do cidadão.

De nada valem, ao meu pensar, as novas dimensões dos direitos do homem se encontrarem consagradas em documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, a Declaração da Criança, a Declaração dos Direitos dos Deficientes Físicos, a Declaração do Deficiente Mental e a Resolução da Assembléia da ONU, em 1982, conforme relaciona o Professor Vicente Barretto, se, no quadro da realidade política, social e econômica da atualidade, se testemunha o constante desrespeito aos postulados ali constantes.

Há necessidade de uma reação organizada para que o assunto seja tratado globalmente, com enfoque para os fatores determinantes desse panorama tão prejudicial à convivência humana e à liberdade a ser gozada por um povo.

Não obstante o meu mais profundo respeito aos que pensam de modo diferente, entendo que é dever do jurista, do homem que faz o Estado, do administrador, do agente político, enfim, de todos os homens de boa vontade, se imiscuirem em tão graves realidades que o mundo nos está mostrando e que diminuem o valor da dignidade humana, estudando-as, em todos os seus ângulos de repercussão, e fixando diretrizes que contribuam para, pelo menos, serem menores os atentados à cidadania.

Há de se pensar em um Estado de Direito com regras que atendam às exigências decorrentes dos fatos, que um futuro bem próximo irá nos impor, com destaque para uma democracia compatível com os avanços do século XXI.

Não se pode abandonar o que afirmou Alvin Toffler, em sua obra "A Terceira Onda", 16a. edição, pág. 15,

de que, "numa época em que terroristas fazem jogos de morte com reféns, em que os meios circulantes oscilam entre rumores de uma Terceira Guerra Mundial, embaixadas são incendiadas e tropas de choque amarram os cordões das botas em muitas terras, olhamos com horror os cabeçalhos. O preço do ouro - esse barômetro sensível do medo - bate todos os recordes. Os bancos tremem. A inflação descontrola-se. E os governos do mundo estão reduzidos à paralisia ou à imbecilidade. Diante disto, vasto coro profético enche o ar com seu canto fúnebre. O proverbial homem da rua diz que o mundo "tá maluco", enquanto o perito aponta todas as tendências que conduzem à catástrofe".

São cruéis e verdadeiras as palavras do autor de Terceira Onda. Entretanto, não devem servir elas de motivo para que as gerações contemporâneas se entreguem a um estado de apatia, que resulta numa elevação de insegurança para o cidadão, em todos os níveis, com o comportamento sempre autoritário e ilegal de grande parte dos agentes administrativos responsáveis pelos destinos dos atos e da gestão públicos.

Há necessidade de se ter fé no futuro e se considerar o Estado de Direito e seus governantes federais, estaduais e municipais como aliados e capazes de imporem normas de conduta que impeçam o caos e façam com que a dignidade humana seja cada vez mais elevada e respeitada.

Deve-se difundir a idéia contida na mesma obra já citada de Alvin Tofler, pág. 15, de que "uma poderosa maré se eleva através de grande parte do mundo inteiro, criando um ambiente novo, freqüentemente extravagante, para trabalhar, brincar, casar-se, criar filhos e aposentar-se. Neste contexto confuso, os negociantes nadam contra correntes econômicas extremamente caprichosas; os políticos vêem as suas classificações subirem e descerem loucamente, como bóias de cortiça; as faculdades, os hospitais e outras instituições lutam desesperadamente contra a inflação. Os sistemas de valores se estilhaçam e se destroem, enquanto os botes salva-vidas da família, a igreja e o estado são violentamente sacudidos."

É revolucionária a nova civilização que nos espera. Revolucionário deve ser, conseqüentemente, o Estado de Direito que irá regulá-la, pelo que, desde logo, todos os juristas e administradores devem se preparar para o confronto com os fatos e o surgimento de novas entidades jurídicas, sociais e administrativas.

O certo que se tem hoje é que não é possível se deixar desenvolver uma certa apatia diante dos fenômenos que estão surgindo a nossa frente. O Estado de Direito, no exercício da sua missão principal, que é a de impor a paz entre os homens, mesmo tateando na busca do futuro, deve alcançar, o mais rapidamente possível, o controle total dessa mudança que se apresenta como sendo extraordinária, pois pode ser, segundo uns, uma Idade Espacial, segundo outros, uma Idade de Informação, ou uma Era Eletrônica ou uma aldeia global, formando uma sociedade pós-industrial (Ver Alvin Tofller, pág. 23, ob. cit).

O Estado de Direito do amanhã há de ser construído hoje pelos que, após a saída do curso regular, escolhem o aperfeiçoamento dos mestrados e dos cursos de doutoramento, preparando-se para atuarem como elite dirigente intelectualizada.

Do esfregar das inteligências de tais manipuladores em profundidade das Ciências do Direito, da Ciência Política e da Ciência da Administração Pública é que sairão idéias e ações para regularem a geografia industrial que se avizinha, para impor limites à legitimidade do poder e fazer diminuir o temor que se está apoderando da sociedade, em face das transformações e incertezas que dominam o mundo atual.

Não se pode deixar de registrar, em uma síntese muito apertada, que o Estado de Direito não pode fugir de se preocupar com a imposição de mecanismos em "uma política social com bastante autonomia, que pede, como decorrência, acentuada alteração no modelo econômico", especialmente:

"- uma política de fomento ao emprego;

          - uma política de ampliação gradual do salário real;

          - uma política integrada de atendimento das necessidades básicas (habitação, saúde e saneamento, principalmente);

          - uma política de estímulo à educação básica e ao treinamento profissional;

          - uma política de atendimento e amparo aos grupos vulneráveis (para com a gestante, a criança, as minorias)." (Egas Moniz Nunes, "in" "Uma Política para a Área Social, pág. 21, "in" "Estudos sobre o Amanhã, Ano 2.000, Caderno n. 2, Editora Resenha Universitária).

Por fim, há de se pensar em uma democracia para o século XXI, onde se tenha o cidadão como centro principal de todas as preocupações, com destaque para a sua dignidade humana em toda dimensão com que ela se apresenta.

O sistema deve ser aberto para as minorias e permitir que os cidadãos exerçam um papel mais direto nas decisões a serem tomadas.

O Estado atual há de ter o seu conceito repensado. Ele próprio está a demonstrar a sua impotência em resolver os problemas que nos afligem, a começar pelas necessidades vitais para a sobrevivência digna do homem e a passar por questões como a da corrupção e a do abuso da autoridade.

O grande salto para uma democracia diferente há de ser dado. O Estado de Direito necessita estar preparado para enfrentar as conseqüências dessa mudança.

Hoje se sente que há necessidade de novas instituições políticas, econômicas e sociais, para assumirem o papel de comando de várias situações.

São novas relações que irão surgir, impondo regras diferentes entre o conviver do homem com o Estado e a criar sistemas de responsabilidades mais alargadas.

Não se sabe, de modo detalhado, que tipo de problemas irão ser enfrentados. Tem-se, apenas, a certeza de que eles virão e que as gerações de hoje deverão preparar as gerações do amanhã para o combate.

No momento de incerteza e de esperanças que a humanidade vive, não se deve afastar o culto à dignidade humana. Só o direito pode aperfeiçoar esse comportamento, apoiado na mensagem de Rui Barbosa de que "pode-se dizer que uma só, dentre todas as propriedades existentes ou possíveis, é anterior e superior à lei, independente dela e inacessível à sua soberania: é a propriedade do homem sobre si mesmo, a propriedade por excelência, propriedade sobre todas santa."