domingo, 13 de dezembro de 2009

Por falar em dívidas e governantes...

Trecho fantástico do 18 Brumário de Luis Bonaparte, de Karl Marx. Sempre que um povo se entrega ao domínio de um indivíduo, ou família (no caso brasileiro, famílias...) ele age como o louquinho da história. Acha que as dívidas dos governantes são as suas. E os mesmos governantes lhes pagam a fidelidade, com um belo golpe, dois belos golpes, três belos golpes, quatro belos golpes, infinitos golpes de Estado. Aumenta a dívida dos cidadãos. Estes acham lindo o governo federal. Nada que não fosse previsto por gênios como Karl Marx. Este último não é santo, nem profeta, nem guia infalível. Foi alguém que pensou, e bem, sobre o nosso mundo. Vale a pena reler suas páginas, com olhar crítico. Elas podem nos ajudar, e muito, nesta república de louquinhos chamada Brasil.
RR

"O período de 1848 a 1851 apenas evocou o espectro da grande Revolução Francesa, desde Marrast, o republicano de luvas amarelas, que envergou o traje do velho Bailly, até o aventureiro que dissimula seus traços de uma nojenta trivialidade sob a máscara mortuária de Napoleão. Todo o povo que acredita ter dado a si mesmo, por meio da revolução, uma força de movimento aumentada, ve-se bruscamente transportado para uma época abolida, e para que não seja possível nenhuma ilusão sobre esta recaída, ressurgem as antigas datas, o antigo calendário, os antigos nomes, os antigos editos que cairam, há muito tempo no domínio dos eruditos e antiquários, e todos os velhos esbirros que pareciam desde longa data apodrecidos. Toda a nação se conduz como aquele inglês louquinho de Bedlam [1], que imaginava viver na era dos Faraós e se queixava todos os dias dos penosos trabalhos que era obrigado a cumprir como mineiro nas minas de ouro da Etiópia, murado nesta prisão subterrânea, tendo, sobre a cabeça, uma lâmpada que iluminava miseravelmente, atrás dele, o guarda dos escravos armado com um chicote comprido, e, nas saídas, toda a multidão de mercenários bárbaros que não entendiam nem os operários presos ao trabalho da mina, nem compreendiam a si mesmos, pois não falavam a mesma lingua. ´E tudo isto, assim ele se lamentava, foi-me imposto, a mim, livre cidadão da Grã Bretanha, para extrair ouro em proveito do Faraó!´ ´Para pagar as dívidas da família Bonaparte´, lamenta a nação francesa. Enquanto tinha sua razão, o ingles não podia se desembaraçar da idéia fixa de fazer ouro, os franceses, por mais que tenham feito sua revolução, não puderam se livrar das lembranças napoleônicas, como foi provado nas eleições de 1o de dezembro [2] [1848]. Eles experimentaram o desejo de escapar da revolução, retornando às marmitas do Egito [3], e o 2 de dezembro de 1851 foi a resposta. Eles não só receberam a caricatura do velho Napoleão, eles mesmo sob um aspecto caricatural, aspecto sob o qual ele aparece agora, no meio do século XIX".

[1] Bedlam, hospício de Londres.

[2] 10 décembre 1848: Luis Napoleão Bonaparte foi eleito presidente da República francesa.

[3] A expressão "voltar às marmitas do Egito" vem do Exodo. Quando os judeus fugiam do Egito, alguns fracos se queixavam da fome e das durezas da marcha, chorando pelas boas comidas que recebiam no cativeiro.