domingo, 15 de novembro de 2009

Gazeta do Povo 15/11/2009

Vida Pública

Domingo, 15/11/2009

Roosewelt Pinheiro/ABr

Roosewelt Pinheiro/ABr / Congresso e Planalto: participação da sociedade nas decisões públicas é baixa Congresso e Planalto: participação da sociedade nas decisões públicas é baixa
Estado

Os altos e baixos da República

Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o Brasil ficou com média de 5,3 em relação ao cumprimento de temas considerados republicanos

Publicado em 15/11/2009 | Rhodrigo Deda e Fernando Martins

Cento e vinte anos após a proclamação, a sociedade brasileira ainda precisa trabalhar muito para tornar o país uma República plena. É o que indica levantamento feito pela Gazeta do Povo, com 28 especialistas das áreas de Ciências Sociais, Jornalismo e Direito, que responderam a um questionário com 31 temas considerados republicanos. Numa escala de zero a dez – em que dez indica uma República em sua plenitude e zero, a ausência total de Estado – o Brasil ficou com média 5,3. Na percepção dos especialistas consultados, o país vai bem quando se trata de participação política e eleições. Já quando se trata de cultura republicana, do uso dos recursos públicos para o bem comum, o Brasil vai muito mal.

A partir das respostas dadas por cientistas sociais, jornalistas e operadores do Direito foi composto um índice, que foi subdividido em quatro subtópicos: participação política, organização do Estado, cultura republicana e direitos fundamentais . Para cada um dos temas analisados, os especialistas foram convidados a responder a pergunta: “A República brasileira, como um todo, atende (e em qual grau) os seguintes princípios do republicanismo?” (ver metodologia no quadro ao lado).

Baixa cultura

A cultura republicana no Brasil é baixa. Essa é a opinião dos especialistas das áreas de Direito, Jorna­­lismo e Ciências Sociais consultados pela Gazeta do Povo, ao analisar o tópico que tratou de temas como corrupção, transparência dos governamentais, responsabilização de agentes públicos, respeito à lei e ausência de patrimonialismo.

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Trabalho de artesão

Republicanismo é um regime que faz um gran­­­de esforço para que sejam devidamente separados os interesses privados (econômicos, profissionais, familiares) dos interesses públicos.

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Embora a história da República brasileira seja descontínua, entrecortada com períodos ditatoriais, o país foi mais bem avaliado no subíndice “Participação política/Escolha de agentes públicos”. Obteve média 6,4. Esse tópico trouxe temas que estão relacionados com as ideias de eleições populares e livres, alternância de poder e participação direta nas decisões. Os especialistas consideram que o Brasil atende de forma satisfatória temas como eleições periódicas (8,9), tempo de mandato (8,1), voto secreto (8,3) e universalizado (8,4).

Porém, quando se trata da idoneidade como requisito para a condição de acesso a cargos públicos, os especialistas consideram que hoje o atendimento a esse quesito é baixo. O tema foi o pior avaliado entre todos os 31 itens pesquisados. “Esse é um dos pontos frágeis da República”, afirma o professor de Ética e Ciências Políticas, Roberto Romano, da Universidade de Campinas. “Enquanto houver normas como privilégio de foro, estaremos dando autorização para delinquir.”

Outro item mal avaliado foi o referente a mecanismos de participação da sociedade nas decisões públicas, que ficou com média 3,4. Na avaliação do professor de Direito Constitucional Clèmerson Merlin Clève, este é um tema no qual há um longo caminho a se percorrer. “O brasileiro ainda não se vê como sujeito capaz de, civicamente, participar da história de sua pátria. Vê-se, muitas vezes, como alguém com direitos. Ou, mesmo, como destinatário de políticas governamentais”, afirma Clève. “Não como alguém que pode e deve fazer diferença na esfera pública.”

O subíndice “Organização do Estado”, que tratou dos temas Estado laico, equilíbrio entre entes federados e independência e harmonia entre os três poderes, foi o segundo melhor avaliado com média 5,5. O que fez a média do subíndice subir foi a avaliação feita sobre Estado laico, que obteve média 7.

No que se refere à independência e controle mútuo entre poderes, que ficou com média 4,9, Roberto Romano afirma existir uma crise entre os poderes. “Temos um Executivo que legisla, um Congresso que não fiscaliza e um Judiciário que ameaça legislar. Não existe harmonia.”

Já em relação ao equilíbrio das relações entre os entes da federação, que obteve média 4,6, o jurista Ives Gandra Martins faz uma crítica à concentração de recursos na esfera federal. “Com 70% do bolo tributário, a União sufoca os outros entes federativos, obrigando-os a, de pires na mão, pedirem sempre recursos ao governo central.”

Desigualdade

A desigualdade social é um dos motivos que levam à fragilização da República brasileira. A avaliação é de parte dos especialistas consultados pela Gazeta do Povo, ao analisar os diversos temas do subíndice “Direitos Fundamen­tais”. A questão da igualdade de condições apareceu em respostas a temas como “amplo acesso à Justiça”, “igualdade perante a lei”, “igualdade de oportunidades”, “direitos das minorias”, e “direitos humanos”.

Para Roberto Romano, da Uni­­camp, o Brasil é uma República que precisa “caminhar” muito pa­­ra se tornar um Estado Demo­­crá­­tico de Direito. “O Brasil não é uma República democrática, porque não abre espaço para a soberania popular, não possibilita igualdade para todos e não distribui a justiça de forma igualitária.” Romano considera que o principal problema do Estado brasileiro é ele ser constituído de oligarquias regionais, “que formam guetos aristocráticos no país”.

A desigualdade social e política da população também é apontada pelo presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Sérgio Murilo de Andrade. Ele considera que, embora o Brasil tenha avançado bastante após a redemocratização, a noção de República ainda não é sólida. “Há uma dívida imensa com a parte da população que está excluída da vida econômica e política do país. Enquanto isso permanecer, a noção de República é mais conceitual que real.”

O professor de Direito Luiz Edson Fachin, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), critica o fato de a igualdade de oportunidades ser meramente formal, não tendo repercussão efetiva na vida das pessoas. “A real igualdade ainda é, para grandes segmentos da população brasileira, um sonho.”