terça-feira, 25 de agosto de 2009

O Estado de São Paulo.


Na República, livro VIII, Platão analisa impiedosamente, com uma justeza que gera espanto, o reino tirânico. O regime dirigido pelo "lobo que provou sangue humano", para se manter, deve realizar uma purga ao contrário do corpo social e político: identifica e retira de circulação, na sociedade e no Estado, os corretos e bons. Em troca, põe nos cargos os péssimos. Trata-se de medicina perversa, como tudo no mundo da tirania. Pensei na passagem do filósofo ao ler, hoje, as notícias da purga ocorrida na Receita Federal. Os dirigentes que pediram demissão, dizem os próximos dos ministros, "apenas se anteciparam à demissão iminente". Concordo. Começou no PT com o expurgo de pessoas que ainda queriam o programa democrático e de transparência, os que imaginaram que o partido seria ético (aliás, o único ético...). Depois, os expurgos que deram origem aos pequenos partidos de esquerda. Depois...depois...agora chegou a vez da Receita Federal. Recomenda-se aos que atuam na Receita, a leitura de Platão. Leitura obrigatória para todos nós, se quisermos conhecer a lógica da tirania, hoje instalada no Brasil Segue o texto da tradução inglêsa da República, onde o pensador narra a "purga" dos bons e a retenção dos péssimos. Na edição brasileira da Ed. Perspectiva (A República, trad. J. Guinsburg, 2006), o trecho encontra-se nas páginas 334-335, 567a do manuscrito grego, e seguintes).


[567a] “And also that being impoverished by war-taxes they may have to devote themselves to their daily business and be less likely to plot against him?” “Obviously.” “And if, I presume, he suspects that there are free spirits who will not suffer his domination, his further object is to find pretexts for destroying them by exposing them to the enemy? From all these motives a tyrant is compelled to be always provoking wars1?” “Yes, he is compelled to do so.” “And by such conduct [567b] will he not the more readily incur the hostility of the citizens?” “Of course.” “And is it not likely that some of those who helped to establish1 and now share in his power, voicing their disapproval of the course of events, will speak out frankly to him and to one another—such of them as happen to be the bravest?” “Yes, it is likely.” “Then the tyrant must do away with all such if he is to maintain his rule, until he has left no one of any worth, friend or foe.” “Obviously.” “He must look sharp to see, then, 567c] who is brave, who is great-souled, who is wise, who is rich and such is his good fortune that, whether he wishes it or not, he must be their enemy and plot against them all until he purge the city.” “A fine purgation,” he said. “Yes,” said I, “just the opposite of that which physicians practise on our bodies. For while they remove the worst and leave the best, he does the reverse.” “Yes, for apparently he must, he said, “if he is to keep his power.” (tradução editada no Perseus Project).

Só as últimas linhas da tradução brasileira: "Com olhar penetrante (o tirano, RR) deve discernir os que têm coragem, grandeza d´alma, prudência, riquezas; e tal é sua sina que se vê, de bom ou mal grado, na contingência de fazer guerra a todos eles, e estender-lhes armadilhas, até que tenha purgado deles a cidade! —Bela maneira de purgá-lo! —disse ele. Sim...é a aposta da que os médicos empregam a fim de purgar o corpo; estes, com efeito, eliminam o que há nele de mau e deixam o que há de bom: o tirano faz o contrário. É compelido a tudo, se tenciona conservar o poder". (Ed. Guinsburg, p. 335).

Notem a última frase, espantosamente atual: o tirano "é compelido a tudo, se tenciona conservar o poder". Atual, não?

Da Receita, são expurgados Lina e seus auxiliares. Ficam os que dizem "sim, senhor". Pura tirania. RR


Mudanças na Receita provocam rebelião de grupo ligado a Lina

Seis superintendentes, cinco coordenadores de área e um subsecretário colocaram os cargos à disposição

RENATA VERÍSSIMO, LU AIKO OTTA, FABIO GRANER e ADRIANA FERNANDES


Leia a íntegra da nota dos servidores
Receita exonera assessores próximos de Lina Vieira
Base se mobiliza para evitar convocação de Dilma

O início do processo de demissão dos principais integrantes do grupo político da ex-secretária da Receita Federal Lina Maria Vieira provocou ontem uma rebelião no órgão. Seis superintendentes, cinco coordenadores de área e um subsecretário da Receita puseram seus cargos à disposição em carta ao atual secretário, Otacílio Cartaxo. No documento, os demissionários condenam o que chamam de "clara ruptura com a orientação e as diretrizes que pautavam a gestão anterior". Lina falava em fiscalizar os "grandes contribuintes", em vez dos "velhinhos e aposentados". Além da disputa política, a arrecadação fraca está entre os fatores da crise na Receita - para a Fazenda, os "rebeldes" colocaram os cargos à disposição apenas para se antecipar a uma demissão dada como certa.

O ministro Guido Mantega cobrou de Cartaxo um plano para recuperar o volume de recolhimento de tributos até o fim do ano. Com a melhora recente de alguns indicadores econômicos, o ministro está convencido de que o desempenho das receitas também já poderia ter melhorado. Os números divulgados na semana passada, porém, mostraram que a arrecadação das chamadas receitas administradas apresentaram redução de 7,03% em julho na comparação com julho de 2008, a nona queda consecutiva em relação ao mesmo mês do ano anterior.

Nos próximos dias, o governo anuncia sua proposta de Orçamento para 2010 com um volume de receitas administradas semelhante ao do projeto de lei referente a este ano. Nesse quadro, não há espaço para grandes saltos nos investimentos, como seria desejável num ano eleitoral.

Para Mantega, segundo narram assessores do Ministério da Fazenda, esse decepcionante resultado em 2009 é indicador também de um fraco desempenho da administração tributária na cobrança e fiscalização dos impostos, especialmente das contribuições previdenciárias. O ministro tem sido cobrado por Lula sobre a queda na arrecadação.

GUERRA DE VERSÕES

Ontem, o Diário Oficial da União trouxe a exoneração de dois integrantes do grupo de Lina que participaram da guerra de versões entre a ex-secretária e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, sobre uma reunião na qual a então chefe da Receita teria recebido pedido para apressar a fiscalização do empresário Fernando Sarney, filho do senador José Sarney (PMDB-RR). A ministra nega a reunião e o pedido.

Foram exonerados Iraneth Maria Weiler, que confirmou na imprensa que a secretária executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, havia se encontrado com Lina no gabinete da Receita Federal para agendar o encontro com Dilma. Também perdeu o cargo de confiança Alberto Amadei Neto, assessor especial do gabinete da Receita, que assessorou Lina durante seu depoimento na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado sobre a suposta reunião com Dilma.

A "faxina", contudo, vai além. Na semana passada, o subsecretário de Fiscalização, Henrique Jorge Freitas da Silva, foi informado de que seria afastado. Outro que está na lista é o coordenador de Estudos Tributários, Marcelo Lettieri, funcionário que também esteve no Senado acompanhando Lina. Sua participação na reunião, assim como a de Amadei, acendeu a luz vermelha no gabinete de Mantega.

A lista se estende aos superintendentes Dão Real (Rio Grande do Sul) e Luiz Sérgio Soares (São Paulo). Os quatro são signatários da carta de demissão conjunta. É a coincidência entre os nomes da carta e a lista de demissões a executar pela Receita que faz a Fazenda considerar a rebelião como um ato de antecipação a algo que já iria ocorrer.

A rebelião foi articulada no último fim de semana e seu principal estopim foi a notícia do afastamento do chefe da Fiscalização, Henrique Jorge Freitas. "Ele havia encontrado meios de, com pouca gente, alcançar a indústria, o comércio, o setor de informática e fiscalizar os grandes contribuintes", disse o superintendente adjunto da 4ª Região Fiscal, Luiz Carlos Queirós. Sua saída seria uma ruptura "radical" de um projeto coletivo, explicou.