quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Correio Popular de Campinas, 18 de agosto de 2009



O verdadeiro professor

(Para o Professor J. W. Hurst, com quem muito aprendi)

Nenhum outro indivíduo na esfera da educação tem mais importância que o professor. No desempenho de suas funções, os professores são responsáveis por vários papéis. Talvez o maior deles seja o de ser amigo de seus alunos. Quando falamos em amizade com alunos, enfatizamos o relacionamento pessoal, o interesse em ensinar; isto é, um relacionamento sincero na forma de comunicação entre professor e aluno. Desta maneira, ambos aprendem juntos.Faça uma análise retrospectiva de sua vida escolar até os dias de hoje. Tente se lembrar daqueles professores que se tornaram seus amigos. É muito provável que eles tenham exercido influência sobre sua vida.

Os professores genuínos devem ser capazes de participar de conversas sobre assuntos além daqueles que ensinam. A informação necessária para tais conversas pode ser retirada de jornais, revistas cuidadosamente selecionadas e livros. Quando os alunos conversarem sobre um esporte, o verdadeiro professor deve saber um pouco sobre ele e demonstrar interesse pelo assunto. Quando o assunto é política, o professor legítimo deve defender sua opinião já que esta é uma obrigação cívica. Quando economia for o assunto da vez, o verdadeiro professor deve ouvir e contribuir para a discussão. Em suma, os professores genuínos devem ser vistos por seus alunos como indivíduos interessados em diversas áreas apesar de serem especialistas, ou pelo menos mais conhecedores, nas suas áreas de atuação.Quando professores legítimos demonstram que se interessam por vários assuntos, seus alunos os veem como seres humanos possuidores de uma curiosidade insaciável e de um apetite arrebatador pelo conhecimento. Isso estimula os alunos a serem eles próprios curiosos.

As aulas teóricas, ou conferências clássicas, as quais passamos a vida assistindo, lembram um repórter de notícias da televisão — fornecem inúmeras informações, mas não transmitem necessariamente uma linha de raciocínio. Não quero dizer com isto que aulas teóricas ou conferências não têm valor, mas seguramente são formas difíceis de comunicação.Todos somos analfabetos em alguma coisa. Eu, por exemplo, preciso contratar um contador para preencher meu formulário de imposto de renda todos os anos. Destarte, a definição de analfabeto vai mudando. No futuro próximo, o analfabeto não será o homem ou a mulher que não sabe ler, mas sim aquele que deixa de usar as informações que tem.

Um bom professor é aquele que é capaz de estimular o aluno a estudar por si só; que demonstra que a procura do conhecimento pode ser uma experiência agradável. Existe uma diferença significativa entre o professor e o verdadeiro professor.O professor reparte e distribui fatos. O verdadeiro professor sabe que alcançou seu objetivo pela emoção que sente ao ver a reação positiva de seus alunos. É semelhante à sensação de uma alma sensível quando ouve uma linda música ou poema, ou o vê o pôr do sol.

O verdadeiro professor sente prazer quando, após orientar o aluno por um caminho cheio de percalços, percebe que ele entendeu. O verdadeiro professor distribui “tijolos” um de cada vez, e, na maioria das vezes, o aluno não percebe que está construindo algo. O verdadeiro professor sente a mesma alegria que o aprendiz ao receber um novo “tijolo de conhecimento”. Situações formidáveis ocorrem quando o aluno descobre algo novo, sem a ajuda do professor. O verdadeiro professor aponta a direção e o aluno percorre o caminho sozinho.O professor é aquele que anuncia ou informa aquilo que acredita ser verdadeiro, e então deixa o restante do processo de aprendizado para o aluno. A memória daquele professor desaparece para o aluno. Não obstante a importância da matéria, o seu valor poderá não ser apreciado.

O verdadeiro professor precisa descobrir se o aluno memorizou a informação, ou se realmente aprendeu o suficiente para mudar sua conduta de forma permanente. O aluno passa a aplicar o que aprendeu? Se sim, a satisfação do verdadeiro professor é enorme. É como se estivesse vendo o filho atravessar um lago a nado pela primeira vez. O que descrevemos acima se aplica da pré-escola até o fim da vida.

O verdadeiro professor é como um trator de esteira que empurra os obstáculos à sua frente. Talvez tenha nascido assim, ou tenha aprendido com outra pessoa quando jovem. O que impulsionou Beethoven a escrever sinfonias quando já era completamente surdo? O que impulsiona um político a querer ser o presidente da República? A ser lembrado na história do país por ter mudado o rumo de uma nação? Poucos de nós chegaremos à presidência de nosso País; entretanto, todos podemos deixar o nosso ambiente de trabalho melhor do que encontramos.

J. C. Lane é professor titular colaborador da Faculdade Ciências Médicas da Unicamp e médico da Fundação Centro Médico de Campinas.