terça-feira, 23 de junho de 2009

Gazeta do Povo.

Comentário: que dizer a mais sobre o Brasil e sua justiça? Nada, absolutamente nada. Salvo...

No texto sobre o papel dos juízes no Brasil, lido por ocasião do aniversário da Carta Magna de 1988 (pode ser encontrado na página do Unafisco de Porto Alegre: http://www.unafisco-poa.org.br/noticia_ler.php?id=9605), falei algumas verdades que irritaram magistrados. Como fui condescendente para com os juízes naquele discurso! Eu deveria ter dito tudo o que percebo na cena brasileira. Talvez assim minha consciência estivesse menos pesada do que hoje, diante desta estarrecedora notícia. Eis as palavras finais daquela alocução:

"Com os exemplos do passado e do que assistimos no Brasil (...) temos muitas e ponderáveis razões para exigir que o poder dos juízes receba fortes contrapesos dos demais poderes e, sobretudo, que eles sejam obrigados a prestar contas ao povo soberano. Aquele mesmo que nos textos jurídicos e nos discursos judiciários é dito ´leigo´. Ainda vivemos, infelizmente, no mundo hierarquizado de Dionisio Areopagita. Nele, o cosmos natural e político vai dos seres mais próximos do divino, anjos e arcanjos e deles aos sacerdotes. Abaixo dos quais vive o laós, composto pelos mortais comuns que só merecem receber lições e governo. Esta escala sagrada foi destruída por Lutero e pelas Revoluções inglêsa (século 17), norte-americana e francesa. Parece que em muitos setores do Estado, em especial no Judiciário, ainda estamos muito longe da Reforma e da moderna democracia".


Vida e Cidadania

Terça-feira, 23/06/2009

Albari Rosa/Gazeta do Povo

Albari Rosa/Gazeta do Povo / Meninas menores de idade são abordadas para fazer programas em rua de Curitiba: decisão do STJ abre precedente perigoso, segundo especialistas Meninas menores de idade são abordadas para fazer programas em rua de Curitiba: decisão do STJ abre precedente perigoso, segundo especialistas
Justiça

Para STJ, pagar por sexo com criança não é crime

Tribunal absolve “cliente ocasional” de sexo com menores de idade e choca defensores dos direitos da infância

Publicado em 23/06/2009 | Paola Carriel

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu na semana passada que um “cliente ocasional” não comete um crime ao pagar para fazer sexo com crianças e adolescentes. O caso chegou ao STJ depois de o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul rejeitar a acusação contra dois homens que contrataram adolescentes para manter relações sexuais. Na ocasião, a dupla aliciou duas jovens pelo valor de R$ 80.

De acordo com os ministros do STJ, não há crime porque não foram os aliciadores que iniciaram as atividades sexuais das garotas. Especialistas e juristas da área da infância afirmam que a decisão é contrária a toda a legislação existente na área, e que, além de equivocada, é inconstitucional. Para eles, o STJ vai na contramão de tudo o que vem se discutindo sobre direitos humanos nos últimos 30 anos. E o pior: pode abrir precedentes perigosos.

Decisão não considera violações de direitos

O julgamento feito pelos juízes não leva em conta as violações de direitos humanos que as jovens exploradas sofreram antes de o caso chegar aos tribunais. Para Graça Gadelha, socióloga e uma das maiores especialistas sobre exploração sexual no Brasil, a decisão correta do STJ seria condenar o Estado brasileiro por violações de direitos humanos.

Leia a matéria completa

Essa é a lei

Veja algumas das leis feitas para proteger as crianças e adolescentes contra a exploração sexual:

Convenção sobre os direitos da criança

Instrumento de proteção criado pelas Nações Unidas em 1989 e ratificado por 192 países, inclusive o Brasil.

Artigo 34

Os Estados Partes comprometem-se a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados Partes tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir:

a) o incentivo ou a coação para que uma criança dedique-se a qualquer atividade sexual ilegal;

b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais;

c) a exploração da criança em espetáculos ou materiais pornográficos.

Constituição Federal

Artigo 227

§ 4º – A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

Estatuto da Criança e do Adolescente

Artigo 244– A

Submeter criança ou adolescente (...) à prostituição ou à exploração sexual:

Pena – reclusão de quatro a dez anos, e multa.

O juiz estadual absolveu os réus porque, de acordo com ele, “as prostitutas esperam o cliente na rua e já não são mais pessoas que gozam de uma boa imagem perante a sociedade”. O magistrado afirma ainda que a “prostituição é uma profissão tão antiga que é considerada no meio social apenas um desregramento moral, mas jamais uma ilegalidade penal”. O STJ manteve este posicionamento e apenas condenou os dois jovens por portarem material pornográfico, já que além do programa, ainda tiraram fotos das meninas nuas.

Para juristas a deliberação é tão equivocada que chega a ser absurda. O artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro ao afirmar que exploração sexual infantil é crime. E não fala sobre a ilicitude do ato ser na primeira, segunda ou terceira vez. Todas são condenadas pela legislação. No artigo 227 da Constituição Federal também está esclarecido que fazer sexo com crianças ou adolescentes mediante pagamento é crime independentemente da frequência.

O procurador-geral de Justiça do Paraná, Olympio de Sá Sotto Maior, um dos criadores do ECA, afirma que uma modificação no Estatuto foi feita em 2000 justamente para evitar este tipo de equívoco. Na versão original do documento, de 1990, o artigo 244-A não existia. “Mesmo elas já sendo exploradas anteriormente, isto não dá um salvo-conduto para mantê-las nesta condição. A decisão é contrária à doutrina da proteção integral que rege nossa lei na área da infância”.

O Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo quando os assuntos são a infãncia e a adolescência. Além do pioneiro ECA, o país também é signatário de vários outros tratados internacionais sobre o tema, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres.

Vergonha

Para o promotor Murillo Digiácomo, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias (Caop) de Infância e Juventude do Ministério Público do Paraná, o caso é uma vergonha para o Brasil no cenário internacional. “É uma situação inqualificável. Qualquer pessoa que entende minimamente de direito da criança, qualquer cidadão fica chocado. Como uma corte de Justiça pode tomar uma atitude dessa, contrária a tudo o que a lei determina? A gente fica perplexo”.

Para os juristas, ainda falta conhecimento sobre os direitos da infância e adolescência. O Código Penal passou por mudanças e excluiu de seu texto a expressão “mulher honesta”, que facilitava a vida de estupradores e criminosos ao questionar a idoneidade das vítimas. Mas as decisões dos dois tribunais deixam claro que esta prática ainda está em voga. A decisão do STJ é embasada pelo fato de as meninas serem “prostitutas reconhecidas”. O relator do STJ, ministro Arnaldo Esteves Lima, foi procurado ontem pela reportagem, mas não quis se pronunciar sobre o caso. Agora o Ministério Público vai trabalhar para tentar reverter a decisão.

Para os especialistas, não punir quem explora sexualmente crianças e adolescentes é ignorar que há uma rede criminosa agindo. Sem demanda não há oferta. “Não tem nenhum elemento neste negócio do sexo criminoso que não tenha a mesma responsabilidade. Colocar o cliente como não responsável pela exploração é um pensamento que viola direitos humanos e incentiva a impunidade. É um grande retrocesso”, afirma Neide Castanha, pesquisadora e presidente do Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Para ela, não há combate sem punir os clientes.