sexta-feira, 22 de maio de 2009

Por indicação de Roseli Fischmann, as matérias de O Estado de São Paulo

Intelectuais europeus pedem ação contra Hosny na Unesco

Chamado de antissemita, ministro da Cultura egípcio é apoiado pelo Brasil

Andrei Netto, PARIS

Três dos maiores intelectuais da Europa apelaram em artigo publicado ontem, no jornal Le Monde, em Paris, à comunidade internacional para que interfira nas eleições da Organizações das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e evite a vitória de Farouk Hosny. O ministro da Cultura egípcio é acusado de antissemita pelo filósofo Bernard-Henri Lévy, pelo escritor e prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel e pelo cineasta Claude Lanzmann. A candidatura de Hosny recebeu a adesão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nega apoio ao brasileiro Márcio Barbosa, atual número 2 da instituição.

O artigo foi intitulado "Unesco: a vergonha de um naufrágio anunciado". O texto tem início com um histórico de sucessivas declarações de caráter preconceituoso feitas por Hosny contra o povo judeu nos últimos 15 anos. Frases como "Israel nunca contribuiu à civilização em nenhuma época, porque nunca fe z nada além de se apropriar dos bens dos outros" e "a cultura israelense é uma cultura inumana; é uma cultura agressiva, racista, pretensiosa, que se baseia em um princípio simples: roubar o que não lhes pertence" foram pinçadas pelos três intelectuais - todos de origem judia - entre as manifestações do ministro da Cultura egípcio.

MOBILIZAÇÃO

Com o texto, Lévy, Wiesel e Lanzmann pedem mobilização da comunidade internacional. "Farouk Hosny (...) será o próximo diretor-geral da Unesco se nada for feito antes de 30 de maio, data do encerramento das candidaturas, para impedir sua marcha irresistível em direção a um dos postos de responsabilidade cultural mais importantes do planeta", dizem.

"É evidente: Farouk Hosny não é digno deste papel; Farouk Hosny é o contrário de um homem pacifista, de diálogo e de cultura; Farouk Hosny é um homem perigoso, um incendiário de corações e mentes", prosseguem. " Resta pouco tempo para evitar que se cometa o erro maior da ascensão de Farouk Hosny a este posto eminente."

Lévy, Wiesel e Lanzman pedem ainda ao governo do Egito que retire a candidatura e evite uma provocação "tão odiosa, tão incompreensível" que levaria à destruição da Unesco.

As eleições para a direção geral da organização acontecerão em outubro, mas o prazo para inscrições de chapas se encerra na próxima sexta-feira. Há outros três candidatos à vaga, hoje ocupada pelo japonês Koichiro Matsuura: a lituana Ina Marcuilionyté, a búlgara Irina Bokava e o argelino Mohamed Bedjaoui. Nenhum dos três, contudo, reuniu apoio dos países mais influentes da organização - Estados Unidos, França e Japão - até o momento.

O Brasil é protagonista da campanha mesmo sem candidato. Diretor-geral adjunto nos últimos oito anos, o engenheiro brasileiro Márcio Barbosa tem grande trânsito na organização, mas não recebeu o a poio do Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil, que formalizou o apoio a Hosny.

"Imaginava que essa polêmica fosse ganhar a preocupação internacional, como ganhou. Lamento a situação e continuo acreditando na possibilidade de mudança de posição do Brasil", disse Barbosa ao Estado. Mesmo sem o apoio de Brasília, sua eventual candidatura segue cogitada nos bastidores da Unesco. É forte a articulação para que ele aceite ser candidato representando outro país. "Não queria considerar essa hipótese porque é desagradável. Só tomaria esta atitude se tiver segurança de que o presidente Lula não voltaria atrás", afirmou Barbosa.

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http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090517/not_imp372113,0.php

Domingo, 17 de Maio de 2009 | Versão Impressa

O Brasil e a Direção-Geral da Unesco

Celso Lafer

Na condução da sua política externa, o Brasil sempre atribuiu importância à diplomacia multilateral. Um dos objetivos do multilateralismo é conter, por meio de suas regras, práticas unilaterais na vida internacional. Também integra o escopo da diplomacia multilateral ir além do dualismo das relações bilaterais, nas quais o confronto das posições pode extremar-se e a presença de terceiros logra, frequentemente, contribuir para a conciliação de interesses divergentes.

As organizações internacionais são, por excelência, o âmbito em que opera a diplomacia multilateral favorecedora de cooperação interestatal. É da característica de uma organização internacional a diferenciação entre seus membros e a própria organização, que tem personalidade jurídica e uma identidade que não se confunde com a de seus membros. O órgão institucionalmente assinalador desta diferenciação é o Secretariado, que, no conj unto de seus integrantes, exerce uma função pública internacional e tem, por isso mesmo, caráter internacional. Daí a importância dos critérios do mérito, da qualificação profissional apropriada e da condição pessoal de imparcialidade no relacionamento com os Estados-membros no recrutamento e escolha dos que integram um Secretariado.

A importância destes critérios adquire especial relevância na designação da chefia de um Secretariado, pois um secretário-geral ou diretor-geral não exerce apenas responsabilidades administrativas. Desempenha funções diplomáticas, inclusive de representação simbólica de sua instituição, cumpre um papel mediador entre os Estados-membros e tem a capacidade de impulsionar atividades e negociações. Foi disso que tratei neste espaço ao discutir a atuação de Kofi Annan ou os desafios que se colocavam para Ban Ki-moon quando assumiu a função de secretário-geral da ONU.

O Brasil contribui para o m ultilateralismo pelo acervo de sua atuação e prática diplomática nos órgãos intergovernamentais das inúmeras organizações internacionais de que participa. A título pessoal e no exercício de funções públicas internacionais, brasileiros vêm contribuindo para o multilateralismo pela qualidade de sua participação em Secretariados de organizações internacionais. Neste sentido, vale a pena lembrar a relevância exemplar da atuação de Rubens Ricupero como secretário-geral da Unctad, que analisei neste espaço por ocasião da conferência desse órgão da ONU dedicado ao desenvolvimento que se realizou em São Paulo, em 2004. É de justiça realçar o excepcional papel desempenhado no Secretariado da ONU por Sérgio Vieira de Mello, que era o alto comissário para Direitos Humanos quando foi vítima de um atentado terrorista no Iraque em 2003.

É na perspectiva da válida contribuição que brasileiros de alta qualificação podem dar ao multilateral ismo que vou discutir a posição do Itamaraty na escolha do próximo diretor-geral da Unesco, tendo em vista a existência de excelentes candidatos brasileiros a esse posto.

A Unesco é uma agência especializada da ONU, com personalidade jurídica própria. Em consonância com a ONU, tem como propósito contribuir para a paz estreitando, mediante a educação, a ciência e a cultura, a colaboração entre as nações. Parte do pressuposto de que as guerras nascem na mente dos homens e que é na mente dos seres humanos que devem erigir-se os baluartes da paz. A Unesco é, no plano institucional, uma expressão do que Bobbio qualifica de pacifismo de fins voltado para expandir entre os Estados e as sociedades o entendimento pelo conhecimento e pela compreensão do Outro. Tem-se dedicado a lidar com temas complexos da agenda internacional, como o multiculturalismo e a bioética.

O brasileiro Márcio Barbosa é o atual diretor adjunto da Unesco. Granjeou, no exercício da sua função, o respeito dos Estados-membros. É um digno representante da comunidade científica brasileira, que previamente atuou no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o qual dirigiu. Conta com a simpatia de significativo número de membros e é, por isso mesmo, pelos serviços prestados ao multilateralismo, um candidato com forte potencial eleitoral. Também mostrou interesse pela posição o senador Cristovam Buarque, respeitável homem público brasileiro, destacado educador, com atividades relevantes na área do meio ambiente e desenvolvimento sustentável. A eleição de um brasileiro, neste momento, ajusta-se também à presença, nesse alto posto, de um nome da América Latina e do Caribe, tendo em vista o critério de representatividade por rotação geográfica.

Surpreendentemente, à luz do quadro acima delineado, o Brasil acaba de negar apoio a uma candidatura brasileira à direção-geral da Unesco. A preferência do Itamaraty recaiu no obscuro e discutível nome do egípcio Hosni Farouk, que tem sido objeto de críticas no seu próprio país e enfrenta resistências no mundo árabe. É um personagem que, como ministro da Cultura, disse em conferência no Parlamento de seu país que queimaria livros hebraicos encontrados em bibliotecas egípcias. Nada mais distante dos propósitos da Unesco, que busca a paz por meio do entendimento pelo conhecimento. Trata-se de uma candidatura que não contribuirá, como Márcio Barbosa ou Cristovam Buarque podem fazer, para a "cooperação entre os povos para o progresso da humanidade", para lembrar princípio constitucional das relações internacionais do nosso país (artigo 4º, IV, da Constituição).

O apoio do Itamaraty a Hosni Farouk é um desserviço ao multilateralismo. Mina a credibilidade do soft power internacional do Brasil. É um erro diplomático, pois compromete a consistência das posições brasileiras em prol do multilater alismo. Constitui um desrespeito à comunidade científica e acadêmica do Brasil, que se vê confrontada com a inaceitável denegação oficial de uma candidatura brasileira à Direção-Geral da Unesco.

Celso Lafer, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi ministro das Relações Exteriores no governo FHC