sábado, 30 de maio de 2009

Entrevista no Congresso em Foco. Vale a pena ler.

Sábado, 30 de Maio de 2009

30/05/2009 - 00h15

A cultura brasileira no paredão

O pau come pra todos os lados neste desabrido diálogo de Aldir Blanc e Marcelo Mirisola sobre as “ostras” da cena cultural do país. Discorde, concorde, conteste, comente, mas não deixe de ler



Marcelo Mirisola

Faz um tempão que não vejo o Canal Brasil. Uma das poucas coisas que sinto falta na televisão, confesso. Anteontem, fiquei sabendo que Aldir Blanc tem presença garantida lá no 66. Foi um amigo meu, o Nilo, quem me alertou: “O Aldir Blanc soltou os cachorros numa editora. Tava lendo os trechos que os caras censuraram. Cambada de bundões!”

A partir daí, pensei comigo mesmo: quero saber do que se trata. Vou tentar entrevistar o Aldir Blanc. Essa censura disfarçada de “edição” já encheu meu saco. Comigo aconteceu algo parecido. Em Paraty, quando cobria aquela palhaçada para o jornal Zero Hora, também me censuraram. De lá pra cá foi só chega pra lá, isolamento e essa babaquice generalizada que se instalou na mente das pessoas. E virou uma obsessão pra mim. Daí que tenho a obrigação de fazer um alerta ao leitor do Congresso em Foco. Por causa dessa minha obsessão, mania persecutória ou inhaca adquirida, e diante da minha incapacidade de respirar no meio desse lixo todo, algumas perguntas que faço ao Aldir Blanc são praticamente iguais às que fiz ao Nilsão Primitivo. Se as faço é porque me infernizam, e porque urgem.

Perguntas e respostas foram enviadas por e-mail.

Que editora é essa que o censurou? Por que a babaquice generalizou-se na terra, no mar e no ar?

Aldir Blanc –
Para colocar a coisa em termos precisos, o departamento jurídico da Desiderata “sugeriu” a retirada de alguns aforismos, que prefiro chamar de esculhambações, do livro Guimbas. Acho que a causa de todas as babaquices é que imitamos os americanos em tudo e criou-se uma indústria de indenizações por qualquer merda.

Os departamentos de marketing e jurídico são o novo DIP, a nova KGB? Não pega bem ter talento hoje em dia?

Marketing, como escrevi no próprio Guimbas, é uma profissão que ricocheteia. Não acho que talento entre nisso. É só um jogo de oportunismos.

Entendi. No lugar do talento, a vigarice, o oportunismo. Só não entendo por que continuar chamado os “produtos” dessa esterilidade de “arte”. Que se reconheça a canga e a filhadaputagem, e estamos conversados. E o Guimbas? Você vai procurar outra editora?

Quanto ao Guimbas, há uma certa confusão. Nem a editora (nem eu) soube dos cortes e ainda estou esperando ver o que vai acontecer com o livro sobre o Vasco, que também teria sido podado pelo mesmo departamento jurídico, atuando de beque-da-roça na Agir. O pretenso motivo é duro de engolir: eu teria batido muito pesado em Eurico Miranda. Pomba, eu entreguei o livro pronto no ano passado, em plena gestão do Eurico. Que graça teria um livro sobre o Vasco sem bater no Eurico? Esse ainda não foi lançado. Talvez vá pra escanteio, não sei de nada certo ainda.

Um livro sobre o Vasco sem bater no Euricão não teria a mínima graça, esse pessoal do departamento jurídico realmente não tem um pingo de humor. Penso em Nelson Rodrigues, Joel Silveira, esses gigantes (e apaixonados) que eram escritores e ganhavam a vida no jornalismo. Queria saber: Por que tanto bunda mole se dando bem? Por que os jornais, e os meios de comunicação em geral, trocaram os escritores pelos técnicos? Quando leio uma crônica (?) do Drauzio Varella sobre placentas, dá vontade de pedir o chapéu, entende?

Bom, aconteceram duas histórias ridículas comigo no JB. A primeira, quando dividia uma coluna com o Lan, e fui mandado embora por “denegrir” a imagem da cidade. Segundo os sábios, o Rio não era tão violento... Outra, na demissão mais recente. Queriam tornar o Caderno B mais “palatável”, mais “feminino” e meu texto era muito agressivo. Acho que isso diz bem o clima que rola. Aproveito para contar a demissão mais sórdida, de O Dia, ninguém teve coragem de falar comigo, um funcionário fichinha, revoltado com a situação, é que me avisou. Depois, soube que Bum-Bum Garoto e Rosinha Gigoga, que lideravam a quadrilha do estado do Rio na época, pediram minha cabeça. Veja o caso da Folha de S. Paulo, que também não leio. Um palhaço banca o vanguardista e trucida nossa música popular enquanto leva jabá pra promover roquinhos. Aí o jornal descobre e manda o lalau embora sem nada da tal transparência que preconiza. O cara vai pra outro jornal e também é demitido por tráfico com passagens aéreas, um precursor. Hoje, é "respeitável" resenhista literato de revista de elite, onde, do trono cagado de sua sabiduria, ataca Philip Roth e outros.

De antemão dá pra dizer que um cara que sacaneia Philip Roth é um canalha. Mas, curioso, quando você falava nessas perseguições, fui jogado nos anos 50. Se me permite, vou abrir um parêntese. Associei sua resposta a um tempo em que pessoas tinham “imagem” e “reputação” e elas eram – pasme! – denegridas. Aí, de repente, volto ao Rio de Janeiro de hoje. Pra banca de jornal da esquina. E abro os cadernos “B”. E me vem uma certeza: a Zona Sul e os cadernos “B” dos jornais locais são um presépio. A mesma coisa vale para as novelas engajadíssimas do Manoel Carlos. Tudo muito ridículo. Quanto a Rosinha e o jeito dela de dona de casa zelosa, bem, tenho que ser sincero, isso sempre me deu um tesão danado. E essa coisa de “pedir a cabeça”, além de típica é previsível, é matéria-prima para mim e está incluída no pacote dos meus interesses... ou perversões, tanto faz. Acho até que a Rosinha deve ser prima da Fátima Bernardes. Elas não são parecidas, tipo mãezonas? Fecho o parêntese. E quero dizer que, se você ainda não havia se manifestado publicamente sobre as sacanagens do casal Bum-Bum, considere o seu desabafo registrado. Minha vontade era perguntar o nome desse canalha que – entre tantas – andou zoando o Philip Roth. Mas, como diz minha amiga Márcia Denser, isso é dar cartaz pra trouxa. Vamos em frente. Eu preferia – de longe – suas crônicas no Estadão, mas afinal, o que você acha do Milton Hatoum como cronista? Não sente falta da inconsequência febril e bêbada de um Carlinhos Oliveira? Não sente falta dos arroubos de um Tarso de Castro? Ou das resenhas de um Otto Maria Carpeaux (que não tinha nem o primário)? A propósito e voltando à pergunta anterior: eu não consigo ler as resenhas desse povo da USP, tanto eles como os departamentos jurídicos em questão e os Drauzio Varellas da vida, não tem o mínimo senso de humor. Você consegue ler o que esses sabichões escrevem?

Não posso falar sobre o que não li. Quando o Estadão me demitiu e passou a dizer aos leitores que eu é que havia pedido pra sair por motivos particulares, nunca mais li o jornal.

Engraçado: tem gente lá no Estadão que se acha “liberal”. Na hora de sacanear e assassinar pelas costas, são todos iguais. Será que você também estava “denegrindo” a imagem do Estadão? Bem, eu falava dos doutores da USP, e não podia deixar de lembrar dos acadêmicos da Hebraica: Wisnik, Nestrovski e o que vem no cambulhão: Marisa Monte, Arnaldo Antunes e assemelhados. Se me permite, vou reproduzir o trecho de uma crônica que escrevi na ocasião da estreia do filme Mistérios do samba, dirigido pela própria Marisa Monte, Lula Buarque e por Carolina, filha do Jabor. Aqui vai: “Na minha cachola não consigo vislumbrar Marisa Monte cantando descalça, não feito uma Clara Nunes, por exemplo. Não é que falte leveza nela, eu é que não fico muito à vontade com a situação. Os calcanhares sujos da Marisa Monte não me convencem. Nem o eventual sovaco mal depilado. Diferentemente de um Vinicius de Moraes, que antes de ser negão foi galinha verde, Marisa Monte – a meu ver – apenas aderiu a uma lenda alheia. Adquiriu um bronzeado artificial numa praia onde o citado Vinicius teve de se arrebentar inteiro para passar uma tarde fugidia ao sol que ardia em Itapoã. Se Carolina Jabor e Lula Buarque tivessem feito um filme sobre a criadagem de suas belas casas arborizadas em Santa Teresa, o resultado não teria sido menos comovente. (...) Marisa Monte carrega uma mistura de gentileza real com gratidão superior, fruto de muita pesquisa e disciplina. O resultado é que oferece esmolas bacanas. Aliás, as mesmas esmolas oferecidas por José Miguel Wisnik, Nestrovski e cia. ltda: eles são os Acadêmicos da Estação Primeira da Hebraica. É como se esses bambas não quisessem ser “limpinhos”. Todavia, a Casa do Saber e o doutorado em Antropologia (ou Letras) que fizeram na USP os denunciam com veemência: corpo docente, branquelos! (...) Eu penso que os acadêmicos da Hebraica deviam fazer sambinhas pra Jontex. Marisa Monte tem algo de jaqueira catalogada, de pé sujo ressuscitado... algo blasé frango com quiabo. Enfim, esse descolamento de Iemanjá chique que transforma até o mais insuspeito carioca em paulistano deslumbrado, é o que me incomoda. E muito.” E a você, Aldir Blanc, incomoda?

O que me incomoda é o seguinte: tanto faz se algumas das pessoas citadas fizerem um bom trabalho ou não, a crítica será sempre elogiosa. Isso aconteceu várias vezes, inclusive num plágio descarado. Alberto Moravia dizia que alguns, provavelmente se referindo a Ítalo Calvino, são protegidos por um escudo de amianto, enquanto outros não podem cometer o menor deslize. É verdade. Sobre o tal escudo, lembrei da forma como a bebida é tratada. O Tom, o Nelson Cavaquinho e outros podiam encher a cara. Se o João Antônio virasse um conhaque, o clima era de "tsk, coitado, é alcoólatra". João Ubaldo sobreviveu a uma espécie de Auschwitz midiático. Gabeira queima um fuminho e é um libertador. Se eu acender um pavio, vão dizer: "além de bêbado, é maconheiro". Um ventilador do Bar Lagoa pegou fogo e apaguei a bolsadas. No dia seguinte, a coluna da madame Fulana registrou que Aldir Blanc, num porre lamentável, quebrou um ventilador. Se determinada artista, por ingenuidade, autoilusão, oportunismo, delírio de grandeza, ou mistura de tudo isso, quer bancar a “falsa baiana” ou parecer uma caricatura de Miss Mulata (alusão a um samba de quadra do Salgueiro quando foi eleita a primeira miss negra em concurso de beleza), certamente faz um papel triste. Agora, mais triste ainda é a escrotidão dos que a aplaudem pela frente e debocham pelas costas. No Brasil rolam coisas bem escrotinhas: o poeta que se acha símbolo do “Make it new” (por sinal, palavra de ordem de raiz fascista) sobe em seu palanquinho para exibir versos medíocres. O tropicalismo também queria não deixar pedra sobre pedra, era “proibido proibir” (desde que se rezasse pela cartilha deles) e, na hora de fazer política para valer, nos deu o pior ministro da Cultura de nossa história, uma administração catastrófica com miragens futuristas (os futurismos também costumam ter iconoclastas fascistas como líderes). É mole ver um futuro róseo pela janela quando se assina um excelente contrato com as mesmas merdas, youtubes e similares que quebraram o direito autoral e deixaram os que vivem sem o recurso do palco na maior lona. Quero encerrar esta resposta dando um chega-pra-lá nuns tipos que proliferam mais que larva migrans: severos críticos estruturalóides pós-mUUUdernos que são também compositores. Ninguém cantarola uma só música dessas peças afogadas em seus próprios egozinhos. Um deles atacou "O bêbado e a equilibrista" porque não entendia o primeiro verso. Meses depois, a tarde não caiu feito um viaduto, mas tragou vidas, ônibus, carros, caminhões e guindastes em São Paulo, numa obra do metrô. Meu avô Alfredo passou um minuto antes de desabar embaixo do viaduto "incompreensível". Adoro encher o saco desses falsos brilhantes. Todo sujeito que se preocupa muito com o significante não passa de um insignificante.Vão roçar o cu de suas trepidantes genialidades nas ostras!

(Gargalhadas)

Tem muita gente que adoraria roçar a genialidade nas ostras (mais gargalhadas). Eu acho, inclusive, que a entrevista podia terminar aqui, mas vamos em frente. Uma vez o Gil, quando era ministro da Cultura, andou falando em limites da autoria, autoria coletiva ou qualquer merda do gênero. De lá pra cá, a Preta Gil virou a gostosa do pedaço, e, além disso, intelectual da Globo, solicitada para levantar sobrancelhas nas novelas da Glória Perez. Precisa falar mais alguma coisa? Puta desânimo. Eu desisti de acompanhar o “processo cultural” no Brasil. Voltando. Queria dizer que gostei dessa reflexão do Moravia. Concordo, tem neguinho que é protegido, blindado mesmo. Nem sei o que você pensa sobre o Mano Brown. Mas é um exemplo típico de intocável. Quando ele foi ao programa Roda Viva, tentei participar como entrevistador e não consegui de jeito nenhum. Então mandei uma pergunta via e-mail, e o Paulo Markun suavizou a coisa pro lado do mano, distorceu completamente meu raciocínio. Mas você disse que houve um plágio descarado? Tenho minhas desconfianças, mas nem vou perguntar quem o plagiou. Acho que é legal deixar essa pulga atrás da orelha do leitor... (mais gargalhadas) Muito boa essa recomendação das ostras, hein? Mudando de assunto para falar da mesma coisa. Viu Diários de Motocicleta, de Walter Salles? Caso tenha visto: não acha que o diretor adocicou o jovem Che? Caso não tenha visto, pergunto mesmo assim: não é estranho justamente o herdeiro do Unibanco contar a história de Guevara? Será que Walter Salles acreditou nas “verdades” do livro? Por que ele teria omitido o olhar de sangue do futuro assassino Che? Teria sido por consciência social? Ou por afinidade? Talvez a mesma afinidade que o irmão dele,o também lírico, e também cineasta, Joãozinho Salles, teve com o mordomo? Enfim: você acompanha a carreira dos irmãos banqueiros líricos e cineastas? Já leu a revista Piauí?

Não estou tirando o meu da reta, mas acontece que não tenho cultura cinematográfica. Se entro num videoclube, acabo levando a nova versão de Godzzilla, ao invés de um filme aclamado pela crítica. Acho que os irmãos Salles são cineastas e não banqueiros. Quanto à revista Piauí, só li os números em que Ivan Lessa apareceu. Não gostei do filme Diários de motocicleta. Achei meio açucarado, mas isso é mero palpite. Acho que o melhor trabalho, não sei se dos irmãos Salles ou de só um deles, é o documentário sobre a China. Para você ver como sou apenas palpiteiro em matéria de cinema, gostei de Água Negra. Parece que só eu gostei. Se fosse cineasta, eu penhoraria as calças para dirigir aquela atriz deslumbrante, a Jennifer Connelly.

Eles fizeram um documentário sobre a China? Nem sabia. E também não vi Água Negra. Pelo jeito, somos dois analfabetos de escolas cinematográficas diferentes. Eu penhoraria as calças para dirigir a Scarlett Johansson. Mas, peraí, Aldir. Eles podem ser cineastas, mas jamais vão deixar de ser herdeiros do Unibanco, e isso fica claro na obra deles. Para o bem ou para o mal. Eu acredito que é quase impossível dissociar o banqueiro do cineasta, no caso dos irmãos Salles, não consigo. Faço isso por birra mesmo. Mas essa birra não é gratuita, confesso. Lembro que Joãozinho Salles deu uma entrevista na ocasião em que filmava a vida de um traficante, acho que era Marcinho VP. Se não me engano, o nome do filme era Notícias de uma guerra particular. Pois bem, em dado momento, Salles solta algo mais ou menos assim: “Marcinho tem uma centelha de humanidade, por isso estou dando uma bolsa pra ele escrever um livro”. Bolsa? Naquela época eu estava numa merda federal (aliás, continuo) e escrevia meu Azul do filho morto. E o banqueiro sustentava um traficante foragido da Justiça. Marcinho VP vivia na Argentina sustentado pelo lirismo de Salles. Cadê o livro do traficante? Pra isso – insisto – que o Unibanco-Itaú cobra os juros que cobra? Mas vamos falar em milionários, gente de pedigree. Visconti, por exemplo. Que eu saiba, Visconti nunca renegou sua condição de príncipe, porém soube subvertê-la. Ao contrário desses caras. Vejo esses caras – a imagem é precária, desculpe – como aqueles ricaços que usam calça rasgada para dar pinta de maloqueiro. Tem mais do que o escudo de amianto de Moravia nessa história, tem um cinismo e um deboche bem intencionados, algo intoleravelmente Piauí para o meu gosto, entende? Sobretudo por conta das boas intenções. Um lirismo, em última análise, feito sob medida para o consumo de uma classe média tacanha metida a besta. Gente que vai fazer “programa cultural” em Paraty e paga R$ 120 numa havaiana. Se eu fosse dono do Unibanco e tivesse a intenção de enfiar a cultura brasileira num curral, ia – ao menos – ter a coerência de chamar esse curral de Paris Review. Piauí é muito deboche. Vão se foder!

No caso específico do Marcinho VP, sou radicalmente contra glamourizar bandido. Explico a razão: nasci no Estácio, fui para Vila Isabel com três anos e pouco e voltei pro Estácio com 11 anos. Era porrada e ignorância o tempo todo. No meu caso, atiravam os trabalhos do garoto que estudava em colégio marista na água da sarjeta, quebravam raquetes de pingue-pongue, furavam bolas de futebol e vôlei, baixavam o cacete. Uma vez meu avô paterno e eu ficamos deitados no chão, atrás de um muro de uma padaria, bala comendo, um sujeito que não tinha nada com o peixe caído no chão, ensanguentado, pertinho de nós. Na rua em que eu morava, a Maia de Lacerda, coração do Estácio, desaguavam os morros do São Carlos, São Roberto e Querosene. Pelo beco onde ficava a entrada do meu cafofo você chegava a esses morros, pela Travessa do Carneiro. Alguns dos piores elementos da área já dando a pala do que viria, eram soldados da PM. Não conheci nenhum Robin Hood. Aos 17 anos e meio fugi de lá para o Largo da Segunda-Feira. Estava enlouquecendo ou tentado a virar assassino para ir à forra. Quem conhece esse mundo por dentro, quem passa anos na lei do cão, não vê “arte” em bandido.

Pois é, e é aí é que mora o perigo. O olhar desse maurício-lírico pode ser até talentoso, mas, a meu ver, leva a equívocos. Quem vê centelha de humanidade num bandido como Marcinho VP acaba convencendo todo mundo que o banco dele não cobra os juros que cobra. Só na base do lirismo. Insisto, e já incluo a (minha) resposta na pergunta: é exagero meu, ou os irmãos Salles grilaram mesmo a cultura brasileira? Foi um negócio de porteira fechada que incluiu escritores, jornalistas, músicos (a MPB hereditária*, filhos da Elis etc.) e todo mundo? Sabia que o Itaú-Unibanco, além de ter consciência social e de trabalhar para a salvação do planeta, também é o grande patrocinador da festa de Paraty? O que você acha do fato de os escritores brasileiros irem pra Paraty às custas de vale-refeição e vale-hospedagem? Não recebem nenhum centavo. Será que os estrangeiros também participam de graça?

Sou um sujeito da Zona Norte do Rio. Não tenho a menor idéia do que acontece nessa festa. Se os escritores nacionais se desvalorizam para participar, problema deles.

Pode ter certeza: se desvalorizam, e abrem as pernas. E é impossível que não haja um reflexo na “obra” dessa gente. Por exemplo, Ignácio de Loyola Brandão (que eu encontrei lá no arraial da Cia. das Letras-Unibanco-Itaú em 2006) assinou recentemente a biografia de Olavo Setúbal. Pra isso, às custas das pregas dos artistas brasileiros, que o Unibanco-Itaú cobra os juros que cobra? Se nem parece banco, parece o quê? Cinema? Jornalismo? E a imprensa que nem de longe toca no assunto, parece o quê?

Não quero bancar o Arnaldo César Coelho, mas “a regra é clara”: imprensa e banco estão mais ligados que siameses no canal Discovery.

Sou obrigado a concordar, e não vou resistir a fazer um “ trocadalho”: desse mato não sai Arnaldo nem sai Coelho, nem fodendo, nem no Discovery. Você viu o que o “cineasta” Pedro Bial fez com Guimarães Rosa? Eu defendo a pena de morte nesse caso, e você? O que acha desse número: mais de 30 milhões de pessoas votando (e pagando) para eliminar fulaninho do Big Brother da Rede Globo... Dava para reeleger o Lula?

Não sei o que o Bial fez com o Rosa. O BBB é uma merda. Quanto ao Lula, temos um dilema: qual é a opção? Vamos escolher tucanos e ignorar o monumental escândalo das teles ou a dinherama garfada nos esquemas da entourage Crusius no Rio Grande do Sul? Optar pelo extremo reacionarismo dos DEMoníacos? O satirista Karl Kraus escreveu: “Se tiver que escolher o menor entre dois males, não fico com nenhum deles”. Mas isso é só um aforismo elegante. Na vida real, sem alusão ao Serra, o buraco é mais embaixo. Parafraseando a famosa frase de Graham Greene sobre a corrupção inglesa, “se é pra isso, que venham logo os russos”. Pra babar de tanta sordidez e corrupção, gaguejaremos: “Que venham logo Mamaluf e Pittanic”? Falando neles dois, minha política básica é a seguinte: não acredito em Brasil porra nenhuma enquanto esses dois estiverem soltos!

Minha política básica é ir para o Canal Brasil, e anular o voto. Aquele meu amigo, o Nilo, que deu start nessa entrevista, também queria fazer algumas perguntas. Ele quer saber se o maior legado do cinema novo não são os filmes do diretor americano John Stagliano (Buttman). Ninguém, segundo o Nilo, levou tão longe aquela idéia da câmera na mão e só UMA idéia na cabeça. O Stagliano inclusive, ele esclarece, aperfeiçoou o conceito, achando várias coisas legais pra fazer com a outra mão enquanto filma.

O Buttman fez com o brasileiro aquele troço de mineiro comprando o bonde. Nós somos metidos a malandros e a ter as mais belas bundas do mundo. O cara veio aqui e faturou vendendo bunda brasileira pros otários e ainda faturou com elas no mundo todo. Não tenho nada contra pornografia, desde que não haja violência (os tais smuffs, é isso?), pedofilia e outras práticas conhecidas pelo Papa Bento Calibre XVI.

O que você acha das letras do Chico Bosco, filho de João Bosco?

Acho que o Chico paga um preço alto por ser filho do João. Mas quem quiser dizer que estou sendo parcial, azar. Sou padrinho do Chico, conheço bem seu trabalho, ele é um letrista excelente.

Oquei, você deixa o Chico Bosco fora disso. Mas o que acha da MPB hereditária? Nem vou falar de Simoninha, Max de Castro, o filho do Ivan Lins, Pedro Camargo Mariano, são tantos e – para mim – todos uns chatos. Quero falar da Maria Rita. Eu acho que essa garota tem muito talento. Mas eu vejo uma certa tristeza nela. Como se ela cantasse e pensasse assim: “Mas que merda, por que eu não sou a Preta Gil? Até para imitar minha mãe as coisas seriam mais fáceis, porra!” Tanta coisa pra fazer na vida, tantas profissões... O Lenine, por exemplo, podia trabalhar em histórias em quadrinhos: ele se sairia muito bem como o Chatotorix que aparece só no final, e mudo de preferência. Acho que ninguém, enfim, merece ter um genro como o Carlinhos Brown. Estou sendo maldoso, ou esse povo todo é iluminado mesmo?

Acho que os filhos do Simonal mereceram um destaque excessivo, talvez por uma espécie de culpa pelo patrulhamento ao pai, mas nesses lances de amiguinhos da repressão, penso como o Henfil: tem mais é que patrulhar mesmo. Maria Rita é um talento puríssimo, tão grande que tenho até medo de falar nela. Cláudio Lins canta muito bem e está amadurecendo como ator. Sobre o Carlinhos Brown, tenho uma história ótima que me foi contada pelo Guinga. Eles se conheceram mostrando músicas pro Sérgio Mendes, e o Guinga falou que as letras dele eram feitas por mim, que letrava minuciosamente nota por nota, procurando adivinhar o que o músico gostaria de dizer. Resposta do Carlinhos: "Já eu abro o dicionário ao acaso e vou enfiando as palavras que cismo".

Sem comentários. Acho que já está de bom tamanho. Muito obrigado pela entrevista, Aldir, e quem não gostou que “vá às ostras...”.


* MPB hereditária é coisa que ouvi da Cacá Lopes.