quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Por indicação do Blog Prosa e Política, a entrevista no Congresso em Foco.

Comentário: sem comentários. Resta apenas aguardar as bocas virulentas do PT acusando o entrevistado de golpismo, etc. Enfim, a lógica das seitas ultrapassa todas as lógicas. Mas algumas pérolas reiteradas trazem desconforto a que atenta para a história, como a seguinte : "O governo Lula, primeiro, foi muito sábio do ponto de vista da política econômica. Ele conseguiu controlar a inflação..." Custava dizer o evidente, que a "sábia"política econômica do atual governo é parte essencial da "herança maldita", tão falada interna corporis no PT...e na imprensa cooPTada ?
RR

Novas queixas de Frei Betto contra o governo

Ex-assessor do presidente diz que Bolsa Família se transformou em um manancial de votos para o PT. No lugar do projeto de governo, enxerga um projeto de poder

Renata Camargo

O presidente Lula quer sair do governo com um certificado ISO-15.000 na área social. Para cumprir a meta, anunciada na semana passada durante a reunião de balanço de ações sociais do governo com 14 ministros, Lula terá primeiro que se explicar. Ele é acusado de usar seu principal programa social, o Bolsa Família, como “manancial de votos”.


As acusações formam feitas pelo ex-coordenador de mobilização social do programa Fome Zero – a principal plataforma eleitoral de Lula no primeiro mandato –, e amigo pessoal do presidente, Frei Betto, que avalia que nesses sete anos de governo, o PT mudou os rumos de sua política e deixou de lado um projeto inicial de governo, para se dedicar a um “projeto de poder”.


“É um governo que lamentavelmente na sua trajetória mudou a rota. Deixou de lado um projeto de Brasil, por um projeto de poder, a ponto de fazer hoje uma coligação de 14 a 16 partidos em função de um horizonte de poder e não um horizonte de Brasil”, defendeu Frei Betto em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, durante do Fórum Social Mundial realizado no final de janeiro em Belém (PA).


O frei dominicano – que deixou o governo Lula em 2004, por não concordar com os rumos da política petista na época – afirma que o PT, ao manter o benefício do Bolsa Família por tempo indeterminado, garante a fidelidade dos mais pobres que retribuem o benefício por meio do voto. “Não sou contra o Bolsa Família, mas ele é incompleto, imperfeito, insuficiente e assistencialista. Perdeu-se o caráter emancipatório para o caráter compensatório, em função de um projeto político, que não é a emancipação brasileira, mas a permanência no poder, na medida em que esses beneficiários do Bolsa Família trazem em contrapartida votos”, acusou.


O Bolsa Família é um programa de transferência de renda, criado para apoiar famílias pobres e garantir a elas, em especial, o direito à alimentação. No início do governo Lula, o programa fazia parte do Fome Zero – programa criado para acabar com a fome no Brasil, do qual estavam atrelados cerca de 60 programas sociais. Em 2004, o Fome Zero foi extinto enquanto programa e o Bolsa Família passou a ser prioridade do governo. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 11 milhões de famílias são beneficiadas pelo Bolsa Família. Dessas, mais de dois milhões passam fome. A maioria dos beneficiados é dos estados da Bahia e de Minas Gerais. O preço da bolsa varia de R$ 20 a R$ 182 e depende do número de crianças por família e da renda mensal familiar.


Receio


Na entrevista exclusiva, Frei Betto faz ainda avaliações sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e defende ainda que, apesar das críticas ao governo Lula, é preciso manter a esquerda no poder. Ele afirma que a candidata escolhida pelo presidente para concorrer nas eleições de 2010, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, é “muito competente”, mas que não foi uma escolha do partido e sim do Lula. Ao site, o teólogo elogiou a política do governo para amenizar os efeitos da crise econômica mundial, mas se disse receoso sobre as conseqüências que dela no país. “Tenho a impressão que nós vamos enfrentar tardiamente as conseqüências dessa crise, principalmente no aumento do desemprego. Infelizmente, com todas as conquistas e pontos positivos do governo Lula, não se investiu no mercado interno”, considerou. Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, nasceu no ano de 1944, em Belo Horizonte. Ligado à esquerda, foi preso político durante a ditadura militar, acusado de apoiar guerrilheiros como Carlos Marighella.


Betto estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia, entrando para o convento dos dominicanos em 1965. Em toda a sua trajetória, a política e a religião sempre estiveram ligadas, sendo ele um dos defensores ferrenhos da teologia da libertação.


Leia a seguir a íntegra da entrevista exclusiva com Frei Betto.


Congresso em Foco – Na época em que o senhor coordenava o programa Fome Zero, o contexto da economia brasileira era outro. No início de seu governo, o presidente Lula estava preocupado em aumentar o PIB e provar que daria conta de melhorar os índices econômicos do país. Agora o governo, apesar da crise, está em uma situação economicamente mais estável. Lula, inclusive, esbanja altos índices de popularidade.


Em relação às questões sociais, houve também um amadurecimento do governo?


Frei Betto – Na verdade, o governo Lula estabeleceu uma série de programas sociais que estavam atrelados ao Fome Zero. Depois de dois anos essa marca foi, a meu ver, irresponsavelmente, mudada para o Bolsa Família. O Bolsa Família era um dos 60 programas do leque Fome Zero. Quando nós elaboramos o Fome Zero, a proposta era que cada família permanecesse na dependência do governo federal, no máximo, por dois anos. Fim dos dois anos, a família teria condições de produzir a sua própria renda. Era um programa emancipatório. Aí, alguns setores do governo descobriram que o Bolsa Família era um grande manancial de votos. Ou seja, melhor manter as famílias dependentes permanentemente do governo, que elas vão retribuir em votos. Daí se matou o Fome Zero e se valorizou o Bolsa Família, que eu não sou contra, mas é incompleto, imperfeito, insuficiente e assistencialista. Perdeu-se o caráter emancipatório para o caráter compensatório, em função de um projeto político, que não é a emancipação brasileira. Mas é a permanência no poder, na medida em que esses beneficiários do Bolsa Família trazem em contrapartida votos.


Quais as avaliações que podem ser feitas desses quase sete anos de governo Lula?


É um governo que lamentavelmente na sua trajetória mudou a rota. Deixou de lado um projeto de Brasil, por um projeto de poder. A ponto de fazer hoje uma coligação de 14 a 16 partidos em função de um horizonte de poder e não um horizonte de Brasil. Sabendo que a maioria desses partidos historicamente sempre foram contra as propostas do PT e não tem nenhuma afinidade com aquilo que o PT, durante 20 anos, definiu como prioridade para o Brasil. Como por exemplo, a reforma agrária que até hoje não foi feita.


Como o senhor avalia o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um dos carros-chefes do governo Lula e, certamente, da campanha da ministra Dilma Rousseff à presidência?


O PAC peca por dois fatores: um porque o governo deveria primeiro desentravar a burocracia federal que existe para a realização de obras públicas. O processo de licitação, de implementação, tudo isso é muito complicado. E segundo, o PAC não é feito de uma maneira que privilegia as áreas mais pobres do país. São grandes obras de energia e etc, importantes para o Brasil. Mas eu acho que um PAC verdadeiramente correspondente às necessidades brasileiras, ele deveria priorizar educação, produção para o mercado interno, transporte. Nós temos um sistema absolutamente precário de transporte, e ao mesmo tempo, eu volto a dizer a reforma agrária.


No seu ponto de vista, o Lula que se despede do governo no próximo ano é uma pessoa ideologicamente diferente da que entrou em 2003?


Eu não entro nisso de falar da pessoa. Até porque sou amigo do presidente Lula. Mas eu diria que o projeto do PT no governo em 2002 é muito diferente do projeto que o governo do PT atual tem.


Em relação à sucessão presidencial, o senhor acha que a esquerda deve se manter no poder ou é saudável uma alternância com a direita?


Tem que se manter. É claro! [risos] Espero que o mínimo que foi conseguido, não seja perdido. Agora vamos ver como é que isso passa, porque as eleições em São Paulo mostraram que o presidente Lula não transfere facilmente o seu prestígio. Então isso é uma incógnita até agora. Vamos esperar para ver. Mas eu sempre digo, apesar das críticas que eu tenho ao governo Lula, Lula é melhor para o Brasil e para a América Latina do que qualquer outro político brasileiro hoje. Agora qual é a capacidade que ele vai ter de fazer um sucessor ou uma sucessora, eu não tenho bola de cristal para isso.


Sobre a sucessão, o que o senhor avalia da ministra Dilma Rousseff?


Eu acho a Dilma uma pessoa muito competente, uma pessoa que pode dar continuidade [ao projeto do Lula]. Sem dúvida nenhuma entre ela e um candidato do PSDB, eu votarei nela. Agora eu lamento que seja uma candidata do Lula e não uma candidata do PT. Queria que viesse uma candidata do partido.


O ministro da Justiça, Tarso Genro, seria esse candidato do partido?


Sem dúvida nenhuma. Como o ministro Patrus [Ananias, ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome] também. E outros, como o [ministro da Educação] Fernando Haddad, que é altamente competente. Ele tem feito o impossível na educação sem o suficiente apoio.


Em relação à crise econômica mundial, qual a sua avaliação sobre a política do anticrise do governo Lula?


O governo Lula, primeiro, foi muito sábio do ponto de vista da política econômica. Ele conseguiu controlar a inflação, conseguiu segurar de certa maneira as especulações e, ao mesmo tempo, tem procurado fazer políticas sociais para melhorar a qualidade de vida e o poder aquisitivo das classes mais pobres, principalmente, por meio do salário mínimo e do programa Bolsa Família. Agora a minha pergunta hoje é: será que isso é suficiente segurança para resistir ao que vem aí? Tenho impressão que nós vamos enfrentar tardiamente as conseqüências dessa crise, principalmente no aumento do desemprego.


Nesse caso, qual deve ser a postura das centrais sindicais e dos trabalhadores?


Quando eu vejo centrais sindicais irresponsavelmente propondo redução de salário sem redução de hora do trabalho, isso me preocupa muito. Isso é cortar direitos sociais que derivaram de anos e anos de lutas. Lutas muito fortes para conquistar oito horas de trabalho e uma série de direitos. E essas centrais, infelizmente são poucas, agora querem abrir mão, quando os empresários não estão dispostos a abrir mão da margem de lucro. O correto seria o seguinte: nós abrimos mão do salário, mas vocês abrem mão do lucro. Aí sim teríamos uma relação, entre parênteses, eqüitativas. Mas, na realidade, isso não acontece. E por isso que eu não concordo de maneira alguma em abrir mão de salário. Salário é sagrado. O trabalhador brasileiro é muito mal pago. Sabemos que de 190 milhões de brasileiros, pelo menos 115 milhões ganham menos de três salários mínimos. Nós somos efetivamente uma nação de pobres, com ilhas de grande ostentação e fortuna.


O senhor parece receoso em relação a essa crise...


Eu estou. Porque eu acho que nós somos uma economia muito vulnerável. Nós dependemos muito da injeção do capital estrangeiro e esse capital está saindo do Brasil, por isso que a Bolsa de 70 chegou a 38 pontos. Isso reflete que nós ficamos desancorados. Infelizmente com todas as conquistas e pontos positivos do governo Lula, não se investiu no mercado interno. Um exemplo disso é a produção de alimentos. Os nossos alimentos são muito mais voltados para a exportação, do que para o mercado interno. Então você tem uma quantidade imensa de grãos produzidos no Brasil que são colocados nos navios para ir para a China, para a Índia, Europa, Estados Unidos, mas não são colocados a preços acessíveis no mercado interno.